Quando profissionais da saúde, educadores e outros grupos insistem na eliminação de alimentos altamente calóricos e de baixo valor nutricional, como é o caso das bolachas recheadas, dos salgadinhos de pacote e dos sucos de caixinha, muitas mães e pais empinam seus narizes e olham de canto, chamando o primeiro pessoal de ” radicais“, “extremistas“, ou simplesmente ignoram qualquer tipo de orientação nesse sentido dizendo que “não, não é tanto assim, vai…“, ou recorrendo ao famoso “mas eu comi e sobrevivi“, como se tudo o que uma mãe e um pai quisesse da vida fosse a sobrevivência do filho, e não sua vivência plena e integral.

Não é surpresa que grande parte dessas mesmas crianças vivam com infecções de repetição, seus sistemas imunológicos respondam mais lentamente, apresentem resistência às terapias, entre outras questões de saúde. Isso sem falar no fato de que, facilmente, preterem a melhor alimentação em função de conhecerem a pior. É fácil encontrar criança que prefere um suco de caixinha terrível, cheio de corante, aromatizante, açúcar em excesso, ao suco natural da fruta que a indústria do primeiro tentou imitar. E depois a mãe e o pai não entendem o motivo…
Um grande número de vozes defende o “de vez em quando“, em nome de uma suposta representatividade de todos os tipos de alimentos, ou em nome da “inserção da criança no mundo real” (tem justificativa mais doida que essa?!), ou em nome do… em nome de nada, apenas dá, não gosta que critiquem, e então “dou porque dou, fim, uma mãe e um pai sabem o que é melhor para o filho“. Sei…
Mas por que essa coisa do “de vez em quando” pode ser muito ruim?
Porque esses alimentos de baixo valor nutricional e que são, muitas vezes, bombas calóricas, foram especialmente desenvolvidos para fazer os pequenos avançarem em seus pacotes: muita gordura, muito açúcar, muito aromatizante, muito encantamento, bichinhos, personagens, muita cor. Então, o de vez em quando passa ser o objeto de desejo da criança pequena: basta ver o pacote em qualquer lugar, que quer, pede, insiste, às vezes até chora.
Então, a questão vai muito além de radicalismos. Tem a ver com formação de hábitos alimentares.
E, olha, lutar contra isso é cruel, porque o apelo para que esses alimentos sejam oferecidos é imenso. Poxa, sou mãe também, minha filha já comeu biscoito industrializado e pude perceber claramente a mudança de comportamento: em situações posteriores, ela pediu aquilo e eu precisei explicar muito detalhadamente porquê não compraria. Mas eles estão em festas infantis, em ambientes de interação, expostos nas prateleiras baixas do supermercado, são totalmente de fácil acesso e são baratos.
E se você não tiver muito cuidado, o “de vez em quando” se transforma muito facilmente em habitual.
Os hábitos alimentares dos primeiros anos de vida podem definir, sim, os anos futuros da pessoa. E mudar hábito é algo bastante difícil.
Mas esse discurso em prol da alimentação saudável e da melhoria da qualidade alimentar é

exagerado? Será que a situação brasileira não é tão ruim assim e estamos polemizando? Afinal de contas, o Brasil já teve um número estratosférico de crianças subnutridas e hoje conseguimos diminuir drasticamente essas taxas. Sim, os programas governamentais, associados a iniciativas de grupos não governamentais, conseguiram mesmo. Mas você deve saber qual é o atual problema alimentar infantil, não sabe? Obesidade.

Você também deve se lembrar do documentário Muito Além do Peso, afinal ele nem é tão antigo. E se não assistiu ainda, sempre é hora de assistir. Está disponível na íntegra nesse link que indiquei. Nele, há um detalhamento chocante sobre o que anda acontecendo com a alimentação das crianças brasileiras. É desesperador. Verdadeiramente triste. E é democrático: você percebe isso nas praças de alimentações dos shoppings, nas cantinas das escolas de classe média ou na saída das escolas públicas: a qualidade da alimentação de escolha das crianças e adolescentes vai de mal a pior. 
E as pesquisas brasileiras não mostram nada diferente não.
Procurei algum estudo atual que nos desse um amplo panorama da situação alimentar das crianças brasileiras um pouco maiores, já que no texto “Se somos o que comemos, quem nossos filhos são?“, falei sobre a alimentação de bebês. E encontrei um bastante interessante, que focou na qualidade da alimentação de crianças entre 2 e 5 anos de idade, e que tem como título “Consumo alimentar entre crianças brasileiras de dois a cinco anos de idade: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), 2006“. Embora conste o ano de 2006 em seu título, ele foi publicado no ano passado, 2013, e se refere a um amplo estudo nacional realizado em 2006 e que pode ser facilmente transponível para os anos subsequentes porque panorama alimentar e nutricional não se altera de maneira tão brusca que deixe de ter representatividade. Foi um estudo realizado por profissionais do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. 
Foram entrevistadas mais de 15 mil mulheres de 15 a 49 anos, em entrevistas domiciliares, com representatividade nacional, com foco na frequência e qualidade da alimentação de seus filhos no período dos 7 dias anteriores à entrevista, e considerando uma lista de 20 alimentos ou preparações. Dessa lista de 20 alimentos, considerou-se somente a frequência do consumo de feijão, verduras de folhas, legumes, frutas, suco natural, frituras, doces, biscoitos ou bolachas, salgadinhos de pacote e refrigerantes ou sucos artificiais. Os cinco primeiros foram utilizados como marcadores de uma alimentação mais saudável e os cinco últimos de uma alimentação menos saudável. Essa classificação foi baseada nas recomendações nutricionais para prevenção de doenças crônicas não transmissíveis e em evidências que apontam a associação do consumo destes alimentos com o excesso de peso e outros agravos crônicos, respectivamente.
Foram consideradas, então, mais de 3 mil crianças com idade entre 2 e 5 anos.
Abaixo, de maneira bem sucinta, estão alguns resultados importantes que os autores da pesquisa observaram:

– 50% das crianças NÃO HAVIAM consumido verduras de folhas na semana anterior

– 29% das crianças NÃO HAVIAM consumido legumes na semana anterior

ALIMENTOS NÃO SAUDÁVEIS foram apresentados a entre 13
e 65% das crianças com relativa frequência na semana anterior

– Alimentos que prevaleceram: biscoitos e bolachas

60% das crianças haviam comido fritura em pelo menos um dia daquela semana

82% das crianças haviam consumido suco artificial ou refrigerante no mesmo período

Quem come mais feijão? Crianças do Centro-Oeste e filhos de mães com 5 a 8 anos de estudo

Quem come mais verduras de folhas e legumes? Meninas, crianças da zona urbana e filhos de mães com mais de 12 anos de estudo

Quem come mais verduras? Crianças da região Sul

Quem come mais legumes? Crianças da região Centro-Oeste

Quem bebe mais suco natural e come mais frutas? Crianças do Nordeste, filhos de mães com maior escolaridade, filhos de mães com idade entre 30 e 39 anos e meninas

Quem come mais frituras? Crianças da zona urbana e filhos de mães com idade inferior a 20 anos

Quem come mais doces? Crianças da região sul e da zona urbana

Quem come mais bolachas e biscoitos? Crianças da região Nordeste e filhos de mães com 9 a 11 anos de estudo

Quem come mais salgadinhos de pacote? Crianças de mães com entre 20 e 29 anos 

Disso tudo, se pode abstrair que a maioria das crianças entre 2 e 5 anos de idade consome verduras e

legumes com frequência inferior a 4 dias da semana. E que isso tem relação direta com baixa eficiência imunológica e grande repetição de infecções. Além disso, é possível que não seja um problema restrito a elas, já que o comportamento alimentar infantil reflete, em grande parte, o comportamento alimentar da família, o que sugere que os adultos também possam estar sofrendo problemas decorrentes da má qualidade da alimentação.

Também é evidente que o alto consumo de refrigerantes e sucos artificiais, açucarados, estão diretamente relacionados ao grande ganho de peso que as crianças estão vivendo. E que o alto consumo de frituras, doces, bolachas recheadas e salgadinhos de pacote estão associados ao risco de obesidade não somente atual, mas também futuro.
Outro ponto também chama a atenção: se as crianças cujas mães possuem menor idade e menor escolaridade possuem uma alimentação de menor qualidade, eis aí um grupo prioritário na questão do acolhimento, esclarecimento, apoio e orientação. 
 Como bem lembram os autores do trabalho, nós vivemos, entre as décadas de 70 e o ano 2000, uma epidemia nutricional de açúcar excessivo e baixo consumo de hortaliças. E isso tem relação direta com o imenso número de adultos, atualmente, que convivem com problemas como a obesidade grave, as síndromes metabólicas, a diabetes, as dislipidemias, entre tantos outros problemas com sérias comorbidades. Então, se é a alimentação predominante de uma geração que ajuda a definir o estado de saúde da geração futura, o que será dos adultos de logo mais se, no agora, eles estão sendo tão frequentemente apresentados à má alimentação?
Portanto, ao invés de nos preocuparmos em chamar esse ou aquele de “radical” – como se isso fosse uma espécie de xingamento… – que tal avaliarmos nossa própria conduta na orientação alimentar das crianças que estão sob nossa responsabilidade?
E não pense que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, não…
Estão todas intimamente ligadas.
O tempo em frente à televisão é diretamente proporcional ao consumo de alimentos de baixo valor nutricional e alto valor calórico. Inversamente proporcional ao gasto de energia que as brincadeiras trazem. Diretamente proporcional à obesidade. Inversamente proporcional à qualidade de vida.
Sempre é hora de propor novas mudanças.
Porque nem sempre uma mãe e um pai sabem, de fato, o que é melhor para o próprio filho.
Para o caso de não saberem: informação faz uma grande diferença.
Se você quer mudar e não sabe como, não tem ideia de receitas, precisa de ajuda, recomendo duas preciosidades: As Delícias do Dudu, da querida Thaís Ventura, e o grupo Alimentação Consciente
Vá fundo! Abra-se para a mudança.

Leave a Reply