Vamos começar com uma brincadeirinha de adivinhação. O que é o que é? Uma experiência de êxtase, que nos conecta ao nosso ser mais primitivo e que envolve picos de hormônios do amor, do prazer e da excitação? Em teoria, há pelo menos duas respostas certas para essa charada, conforme nos antecipa o título deste texto: sexo e parto. Sim, porque inerente e hormonalmente falando, dar à luz é um ato sexual. O mais intenso, aliás, que mãe e bebê jamais experimentarão em suas vidas, se levarmos em conta os níveis de substâncias químicas liberadas durante o processo fisiológico do trabalho de parto. Na prática, porém, a história é um pouco diferente.

Com o processo de hospitalização dos nascimentos (e com a objetificação do corpo da mulher), não só o elo entre sexualidade e parto passou a ser completamente ignorado, como o parto passou a ser percebido como um evento doloroso, sem qualquer reconhecimento de que este pode, sim, ser prazeroso (ainda que no sentido lato). Enquanto muitas culturas encontraram formas de ajudar a mulher a manter sua confiança em parir e a lidar com as dores das contrações, as sociedades ocidentais modernas criaram todo um sistema de cuidado (e de observação e monitoramento) baseado na crença de que elas não eram capazes de parir com sucesso sem auxílio e de que o corpo da mulher não fora feito para suportar as dores das contrações.

“Eu me dei conta de que o nascimento é muito complexo, e que o processo é extremamente sensível a influências externas. Os paralelos entre fazer amor e dar à luz se tornaram muito claros para mim, não apenas em termos de paixão e amor, mas também porque necessitamos essencialmente das mesmas condições para ambas as experiências: nos sentirmos em privacidade, seguros e não observadas. Entretanto, as condições oferecidas para as mulheres em trabalho de parto são diametralmente opostas a essas. Não me admira que dar à luz seja tão difícil para a maioria delas” (livre tradução nossa), destaca Sarah Buckley, em seu livro Gentle Birth, Gentle Mothering (algo como Nascimento Gentil, Maternidade Gentil), reforçando um conceito há muito propagado pelo obstetra francês Michel Odent.

O paradigma hegemônico biomédico, o chamado modelo tecnocrático de assistência obstétrica, conforme categorização proposta pela norte-americana Davis-Floyd, assenta na medicalização do parto, o que se traduz, entre outros aspectos, na utilização acrítica de novas tecnologias, na incorporação de grande número de intervenções e nas elevadas taxas de cesariana. Apesar de toda a purpurina para humanização e da alegria intrínseca envolvida no nascimento, bem dizer o parto se transformou num evento médico sem calor humano, com ênfase no tempo, usualmente ocorrendo num local que desencoraja a expressão daquelas emoções mais primitivas, estando totalmente dissociado da sua natureza sexual.

Esta, a natureza sexual do nascimento, passou a ser debatida num cenário alternativo, a partir do lançamento do livro Spiritual Midwifery (Parteria Espiritual), em 1977, da parteira norte-americana Ina May Gaskin. Na obra, ela conta ter descoberto, por exemplo, que no contexto de partos difíceis, o contato sexual, como beijar apaixonadamente, ajudava a situação:

“A energia que coloca o bebê para dentro pode ajudá-lo a sair”, diz uma de suas frases célebres.

A título de curiosidade, ela realizou também uma pesquisa informal com 151 das suas parturientes, descobrindo que 30 delas – diga-se de passagem, um número muito mais elevado do que se suporia –, haviam reportado experimentar orgasmo em pelo menos um dos partos. A verdade é que muitas mulheres descrevem seus partos em termos prazerosos e, de fato, na iminência do nascimento, muitas se comportam como se estivessem tendo um orgasmo, ainda que não experimentem um no sentido estrito do termo.

Entre as poucas pesquisas científicas realizadas com mulheres que abordam o nascimento enquanto fenômeno sexual, encontra-se o estudo qualitativo conduzido por Danielle Harel (2007) com 11 mães que responderam voluntariamente a um convite divulgado nas redes sociais procurando aquelas que haviam tido experiências sexuais durante o nascimento. Dois cenários principais emergiram da análise das experiências dessas mulheres: 1) o parto orgásmico, um fenômeno raro em que as parturientes experimentam um orgasmo inesperado logo antes ou quando o bebê nasce; e 2) o parto passional, em que as mulheres incorporam, aberta e intencionalmente, sua sexualidade no processo de parto, acariciando-se ou trocando carícias com o parceiro, como forma de substituir a sensação de dor por prazer.

Só para ficar bem claro, vale frisar mais uma vez: o parto orgásmico, que foi tema de documentário homônimo, lançado em 2008, ocorre de forma involuntária, ou seja, sem que a mulher faça (ou pense) o que quer que seja para ele ocorrer, muito embora já se explique sua fisiologia. Em relação ao chamado parto passional, este sim uma escolha voluntária da mulher, cabe salientar que o estado da arte da ciência já sabe que ambas experiências de dor e de prazer dependem de uma mesma função primitiva do sistema nervoso e que, portanto, o cérebro não consegue responder à dor e ao prazer simultaneamente. Provocar a excitação sexual durante o trabalho de parto, portanto, seria uma forma de tentar fazer o prazer prevalecer. De quebra, algumas mulheres conseguem, ainda, atingir um orgasmo nesse exercício.

Em uma pesquisa que realizei sobre esse tema numa comunidade no sul de Portugal que preconiza a sexualidade livre, uma das entrevistadas relatou ter sentido, no auge do trabalho de parto domiciliar, uma vontade inesperada de se tocar, revelando como responder a esse instinto lhe ajudou.

“Depois de me sentir muito forte, fiquei fraca, cansada. As contrações estavam doendo muito e eu me deitei e comecei a me masturbar, sem qualquer intenção de ter um orgasmo (e não tive um). Depois de me tocar, eu me vi em um estado de entrega total, pronta para (me) abrir completamente.”

Mas alto lá. Aqui, quero fazer uma ressalva importante: incorporar a sexualidade ao parto não significa necessariamente parir sem dor, ou parir de forma relaxada. Tampouco significa incutir a ideia de que o parto deve ser prazeroso. Longe disso. O parto, por si só, é uma experiência fisiológica muito desgastante, que exige do corpo o equivalente a correr uma maratona. Aliás, falar em sexualidade do parto num país onde uma em cada quatro mulheres que passaram por parto normal afirma ter sido vítima de violência obstétrica, aquela que é cometida contra a mulher no momento do nascimento dos filhos, pode parecer até ousadia ou elitismo, mas não é. Reconhecer a natureza sexual do parto é reconhecê-lo como ato íntimo e privativo da mulher, o que, a meu ver, é um dos primeiros passos para uma virada paradigmática na assistência obstétrica.

Claro que não se espera que as maternidades ofereçam uma sala privativa para que os casais possam trocar carícias íntimas (o que não seria má ideia…). Mas já seria de bom grado os profissionais de saúde reconhecerem que muitos dos procedimentos de rotina, na maioria das vezes realizados sem respaldo da medicina baseada em evidências, são dolorosos e constrangedores. Seria muito bom também se respeitassem, por exemplo, a necessidade que certas mulheres sentem de se movimentar, gemer ou gritar. Até porque o movimento, o som e a respiração são recursos básicos que toda mulher pode acessar para suavizar o desconforto das contrações.

De modo geral, quando uma mulher é apoiada, sente confiança no seu corpo e, mais importante, pode se movimentar e se expressar livremente no seu trabalho de parto, a dor tem potencial para se tornar mais tolerável, podendo ser encarada como apenas uma parte do processo, um processo que pode (o que é muito diferente de deve), sim, ser prazeroso, desde que sejam respeitadas algumas simples regras de ouro, que nunca é demais repetir.

“No nascimento, como ao fazer amor, precisamos nos sentir seguros e em privacidade para podermos baixar nossa guarda, deixar nossos hormônios fluírem e colhermos as recompensas desse processo, que incluem, em ambas as situações, uma dose final de êxtase hormonal”, reforça Sarah Buckley.

 

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