Na tela.
Poesia, informação, amor, cenas reais de nascimentos, a voz dos obstetras, a voz das mães, a voz dos pais, o choro da mulher que sentiu seu parto roubado, o choro da mulher que trouxe seu parto de volta, a voz embargada, o engano, as parteiras, as pesquisas, os excessivos ultrassons, as frases subliminares, a coragem feminina que é minada, a coragem feminina que é recuperada, o imediatismo, os profissionais que são mal pagos, os bebês grandes demais, os pequenos demais, os bons médicos que desistem, a amiga da prima da minha vizinha que disse, as indicações fantasmagóricas, o tempo dele que é mais valioso que a vida da minha filha, isso não vai acontecer de novo, eu encontrei informação, o paradigma tecnocrata, o coquetel de hormônios, o estigma dos 52%, as vésperas de feriados, a imagem congelada de outro bebê no ultrassom para induzir a mãe, o médico que não faz parto normal, a relação entre as doenças nervosas e a capacidade de amar, a epidemia oculta, a consulta de 15 minutos, a consulta de R$ 30,00, o parto de R$ 180,00,  a mulher que diz que houve indicação, o médico que diz que ela pediu, a mulher que ocupa uma sala por 12 horas, o nascimento de 30 minutos, o parto que é visto como dor, corte, sangue, morte, a vontade que vai sendo perdida, ter que implorar para ficar com o filho, mais um que nasce, é só mais um que nasce, só mais um, a prematuridade, as mulheres vistas como incapazes, o corpo-máquina, o corpo que é perfeito, o ritualismo do nascimento, a marca da violência no primeiro sopro de vida, o parto que foi sofrimento, o parto que foi poesia, de onde vem os relatos traumáticos de parto, uma mulher que apoia outra, a relação entre o olhar do bebê, o baby blues e a depressão pós-parto, as parteiras tradicionais, o estudo holandês com 500 mil nascimentos, o parto que precisa ser ensinado às crianças.

A gestora pública que se emociona ao falar dos dados.
O choro da mãe que se confunde com o do filho que acabou de sair de dentro dela.
O bebê que tem uma sonda introduzida insistentemente em suas narinas.
A obstetra que enfrentou o preconceito para parir seu próprio filho.
O medo da vida. O medo da morte. O medo da sexualidade.
A criança que sente que vale a pena nascer.
Quando vale a pena nascer? Vale a pena nascer?
A paisagem que é vista do topo de uma montanha e a forma como se chegou até lá.
A falta de sentido da vida, que vem da falta da intensidade e de sua busca artificial.
A hipervalorização do efêmero. A atrofia do eterno.
Michel Odent, Heloísa Lessa, Ric Jones, Melania Amorim, Ana Cristina Duarte, Robbie Davis Floyd, Naoli Vinaver, Esther Villela, Daphne Rattner, Ricardo Chaves, Fernanda Macedo, Laura Uplinger, Erica de Paula, mães, pais, crianças.
As imagens absolutamente devastadoras dos nascimentos.

A equipe.
Que produziu um filme totalmente independente. Que destinou (e destina, ainda…) meses para produzi-lo como forma de comprometimento social. Que o produziu na raça, na vontade de fazer a diferença, de mostrar a realidade, de mudar. Que pulou as etapas dos festivais – abrindo mão das premiações que certamente viriam – para que fosse levado ao público o mais rápido possível. A luta para que chegue às salas de cinema. As estratégias para levá-lo a quem precisa assistir, aos postos de saúde, aos grupos de gestante, aos pais, às mães, aos profissionais.

Na sala.
Uma centena de pessoas. Os choros audíveis. Os choros silenciosos. As mãos cobrindo o rosto. As mãos sendo levadas ao peito. Os olhares de cumplicidade. Os olhares em direção ao teto. As cabeças que balançam em negativa. As gostosas e sonoras risadas. Uma mulher que chora no ombro da outra, de alegria, de tristeza. As mãos que seguram as outras. As cabeças que são baixadas para não se ver uma cena. Os olhares de vitória.
A dor imensa de se ver em algumas.
A felicidade imensa de se ver em muitas.
A mãe ativista que olha para a outra e, chorando, diz: “Já está mudando, estamos conseguindo…“.
O reconhecimento de que há uma revolução social, afetiva, moral e mental em andamento.

Ainda está muito difícil transformar em texto minhas impressões sobre o filme O Renascimento do Parto, um filme brasileiro, idealizado e produzido por Eduardo Chauvet e Erica de Paula, que está prestes a ser lançado. Na última segunda-feira, fui a São Paulo exclusivamente para participar de uma sessão especial de apresentação desse filme primoroso, absolutamente primoroso, juntamente com mais dezenas de ativistas, blogueiras, jornalistas, cineastas, profissionais da saúde e demais interessados.
Um filme capaz de despertar, simultaneamente, todas as emoções que alguém pode ter: amor, surpresa, emoção, susto, medo, ainda mais amor, raiva, tristeza, alegria, muita alegria, identificação, indignação e sentimento de que há esperança.

O Renascimento do Parto é um filme sobre os nascimentos no Brasil. Sobre o que está acontecendo com o nascimento das nossas crianças, com as mulheres que vão se tornar mães, sobre como o nascer se tornou uma indústria das mais rentáveis e poderosas. É um filme preciso sem perder a poesia; doce sem perder a determinação.

De tudo o que vi naqueles minutos tão intensos, algumas impressões ficaram gravadas indelevelmente em mim. O reconhecimento de que olhamos com afeto e ternura para um nascimento respeitoso, mas que não suportamos olhar para um nascimento violento. A importância da busca pela informação, a sensação de poder que é dada à mulher que encontra e faz uso dessa informação. A clara e explícita sensualidade do parto que é encarado como parte natural da vida. O reconhecimento de que estamos transpondo a violência, o egoísmo e o egocentrismo das relações humanas para o nascimento de nossos filhos e para a forma como vemos nosso corpo.

O Renascimento do Parto não é um filme apenas sobre parto e nascimento. É um filme sobre amor. S
obre seres humanos. Sobre cultura, sociedade, história, economia, psicologia. Sobre educação. Sobre a sociedade. Sobre nossos valores. Sobre o paradigma atual de vida. Sobre o futuro.
É um filme de resgate, de esperança, de alerta.

De fotografia primorosa, edição impecável, informações técnicas valiosas, conteúdo profundamente transformador, é um documentário que irá produzir uma grande mudança coletiva, da sociedade em geral aos gestores.

Muitas pessoas estão perguntando quando ele estará nas salas de cinema, dizendo que já faz tempo que está para ser lançado. O filme precisa, ainda, vencer o desafio da distribuição, que é o desafio do cinema independente. É preciso um distribuidor que acredite em seu potencial comercial e social, que veja que não se trata de um filme direcionado a um grupo restrito, a uma minoria. Não. É um filme de interesse coletivo, social, nacional, que certamente levará milhares de pessoas às salas de cinema, pessoas que sairão emocionadas e transformadas e o recomendarão a tantas outras. Afinal de contas, todos nascemos um dia. Deveríamos nos interessar pela forma como chegamos a essa experiência. E, mais ainda, deveríamos nos interessar pela forma como a sociedade está sendo formada, desde o nascimento, e pelos valores que estão moldando nossas escolhas.

Enquanto ele não chega ao cinema, assista ao trailer promocional e tenha uma pequena ideia do que é essa grande obra.
Comprometo-me a divulgar mais informações assim que houver maior definição sobre o lançamento.

Uma coisa é certa: foi o filme mais emocionante que já assisti.
Profundamente transformador.
Afinal, nada é mais revolucionário que o amor.
Há uma imagem, entre tantas, que está gravada em minha mente. Não é uma imagem de parto. É um céu estrelado.
Para mim, aquela imagem representou muito e vê-la entre tantas cenas de nascimento foi revelador.
Porque nascer é exatamente isso.
É um céu estrelado.
Você pode olhar para ele e ver apenas o escuro da noite. Ou pode se fixar no brilho das milhares de estrelas.
É uma questão de foco, filosofia, escolha e objetivo de vida.
Mesmo que, por sua história de vida, você esteja habituado a ver somente o escuro da noite, basta deixar-se encantar uma única vez pelo brilho das estrelas para nunca mais se fixar na escuridão.
Esse filme é isso.

Leave a Reply