Há um tempinho atrás (não me lembro exatamente, acho que há uns 2 meses), o Bom Dia SC, jornal matinal catarinense, apresentou uma matéria que gerou muita polêmica por aqui. Uma médica ginecologista e obstetra afirmou, categoricamente e em rede estadual, que o parto considerado normal era a cesária, porque sentir dor não era uma coisa normal. Que parir em casa, ou de cócoras, ou de qualquer outra forma que não fosse pelo tradicional corte abdominal, era coisa de índia. E que os riscos de um parto normal eram muito maiores que de um parto cesária.
Ói que nonsense essa criatura?
Imagina a minha cara assistindo um troço desse?!
Bem. Faço parte de um grupo de discussões sobre parto normal humanizado e, entre eles, o parto domiciliar, aqui em Florianópolis. Passei a fazer parte quando despertou em mim a vontade de ter minha filha em casa. Nesse grupo são discutidas questões muito pertinentes sobre maternidade, alimentação, tipos de fraldas, dicas úteis para mamães e suas crias. São mulheres com uma visão diferenciada sobre a questão do parto e da maternidade. Nenhuma índia. Quer dizer, minto. Nenhuma que viva diretamente em tribos, ocas, essas coisas. Embora eu saiba que uma índia, pelo menos, existe. Eu. Sou uma típica mistura brasileira: neta de portugueses pelo lado da mãe. Neta de índia pelo lado do pai. Tenho genes indígenas – meus olhinhos puxados, meu rosto redondo e minha tendência a pegar o tacape em caso de perigo não me deixam mentir – embora a personalidade seja totalmente lusitana.
Enfim. Após a matéria infeliz, houve muita agitação no grupo. Pra encurtar a história: como exemplo de mobilização bem feita, foi conseguido direito de resposta também em forma de uma matéria. Que foi transmitida hoje. Com o lindo depoimento da mamãe Roberta Gasparino, que deu à luz ao seu filho Pedro em casa, na água, com a assistência das enfermeiras obstetras do grupo Hanami, e com as excelentes explicações técnicas e, simultaneamente, humanas do Dr. Marcos Leite, um dos excelentes médicos que apoiam o trabalho do grupo.
Linda matéria.
Fiquei muito emocionada.
Na matéria, alguns dados interessantes são apresentados. Brevemente, alguns deles:
– o Conselho Federal de Medicina está iniciando uma pesquisa para estimar o número de cesarianas no país. Médicos responderão a um questionário sobre fatores técnicos e de remuneração sobre a cesariana (ahhhh, que interessante…);
– o Ministério da Saúde calcula que, no país, 43% dos partos sejam cesarianas; nas instituições públicas, esse valor é de 34% e, nas instituições privadas (em que os médicos recebem diretamente dos pais ou das seguradoras o valor devido – IMPORTANTE ISSO -, esse número sobe pra 80% (ahhh, que interessante isso também…));
– a Organização Mundial de Saúde recomenda que as cesarianas não ultrapassem os 15% do total.
Pois então. Uma frase importante dita na matéria, e que também foi dita por mim naquele dia em que uma amiga do namorado disse que tinha coisa que ela preferia nem saber, foi: “a melhor maneira de dar a luz é como a mãe se sente mais a vontade, mais segura pra ter o bebê”. Com certeza. Uma pessoa que tenha um real pavor de sentir dor, ou de ter um parto normal, não tem porquê se submeter ao sofrimento do momento que gera, pra ela, uma angústia extrema. Assim como quem não tem medo da dor nem da incerteza do momento não tem porquê se submeter a uma cesariana, apenas porque o médico quer. E, mais importante ainda, umas não devem atacar as outras, apenas porque seus pontos de vista são diferentes. Vivemos na época do arco-íris, como tem sido dito frequentemente na África do Sul, em tempos de Copa do Mundo. E respeito e compreensão é fundamental.
Lembrando sempre que, nesse momento tão importante na vida de uma família, quem manda mesmo é a saúde e bem-estar de quem está chegando ao mundo.
Eu, por exemplo, sonho em ter um parto normal em casa, sem cortes ou anestesias ou ambiente hospitalar. Mas se, quando o avião da Clara chegar, ela quiser que abram uma janelinha pra ela sair, pode abrir. Pode inflar a escada de emergência pra ela se jogar, se for necessário. Pode me cortar sem sustos nem medos. Porque só o que me interessa é ela chegar bem.

Lá em cima está o vídeo com a matéria que passou hoje. Não consegui fragmentá-lo pra anexar só a parte sobre o parto natural. Então, caso você queira ver, arraste o cursor para o tempo 13:50, que é quando começa a matéria.

Pra finalizar: a minha predileção pelo parto normal não é apenas pelo fato de que não gosto de hospitais ou da maneira mecanizada pelas quais as crianças são trazidas ao mundo. Isso, na verdade, é secundário. A minha questão pessoal é: seguir uma mudança de paradigma que dê à mulher a autonomia para decidir o que é melhor pra si; que torne, não só a mulher, mas todas as pessoas, os protagonistas de suas próprias vidas. Abro aspas: “protagonistas não só de sua vida reprodutiva, mas também de seu empoderamento, pra se defender da discriminação e da violência (quaisquer que sejam elas – grifo meu)”. Esse trecho foi retirado de um artigo intitulado “Parto humanizado na percepção das enfermeiras obstétricas envolvidas com assistência ao parto“, publicado em 2005 e de autoria de Jamile Claro de Castro e Maria José Clapis. Se quiser ler o artigo, é só clicar ali no título dele.

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