Eu nunca havia passado por uma situação na qual pensei realmente que fosse morrer.
Hoje passei.
Eu vinha bem pensativa do trabalho pra casa, pensando que hoje a tarde eu tinha uma reuniãozinha com uma pessoa que poderia se tornar bem importante pra minha vida, pros meus planos futuros, um pouco ansiosa e na expectativa da conversa que teríamos. A avenida que liga a rodovia onde fica meu trabalho ao Morro da Lagoa, onde passo todo dia pra voltar pra casa, é uma longa avenida de mão dupla, cada mão com duas faixas, e intenso movimento. Nessa avenida fica a companhia energética, o conselho regional de engenharia e um supermercado (as três principais referências que me lembro agora). Bem, eu vinha pensativa, mas atenta ao movimento. Até que vi, lá na frente, um Honda prata sair para o acostamento (nem é acostamento mesmo, é só uma pequena faixa de apoio) e dar seta para esquerda, querendo cruzar as duas mãos da avenida, com suas quatro faixas, para entrar no tal conselho regional de engenharia que fica do lado esquerdo de quem vem. Ou seja, o cara tava ali fazendo uma gambiarra mesmo. Eu vendo isso lá meio longe, à minha frente. O fluxo vinha intenso, sem brechas, de forma que estava claro que o cara estava ali esperando dar um espacinho pra ele cruzar. E não sei porque cargas d’água o filho dum cão resolveu cruzar como se não houvesse amanhã e, mais grave, como se não me houvesse ali passando com meu carro e mais outros atrás. Simplesmente jogou o carro em alta velocidade pra cruzar sem nem ter me visto ali! Eu meti a mão na buzina e tive um reflexo dos mais rápidos que já tive na vida: joguei o carro com toda minha vontade pra pista da mão contrária… Quando dei de cara com um caminhão gigantesco vindo no sentido contrário. Naquele momento, eu e o motorista do caminhão nos encaramos assustados por um breve momento. Sabe? Aquela encarada de pânico?! Ele freou com todo o poder de freio que tinha. E eu, não sei de onde tirei a presença de espírito de acelerar jogando o carro pro lado, pra sair da linha do caminhão. Me joguei com toda vontade pro canteiro do lado oposto, pegando um arbustinho que tinha ali e parando o carro de qualquer maneira. Naquela hora em que dei de cara com o caminhão eu realmente pensei que iria morrer. E isso nunca havia me acontecido antes. E tenho a nítida lembrança de, no auge do perigo, pensar: “A Clara”. Só de lembrar disso já fico tensa de novo. Quando parei o carro e me dei conta do que houve, abri um berreiro do tamanho da minha boca. E vinha lá o motorista do caminhão, correndo e gritando Moça, pelamordedeus! Moça, pelamordedeus! Abri a porta do carro mas continuei sentada, porque minhas pernas não obedeciam. E o senhor do caminhão desesperado: Moça, achei que ia te matar, moça! Como conseguisse fazer aquilo de jogar o carro pelas duas pistas pra desviar daquele diabo? Moça, como conseguisse pensar em jogar o carro pra cá?! Moça, a senhora tá bem, moça? Quer um copo d’água, mas eu nem tenho água, mas posso conseguir, mas o que eu posso fazer… – e ele não parava de falar de nervoso, coitado. Até que eu disse que estava bem, que ele podia ficar despreocupado. E gente em volta, xingando o Honda alucinado que já nem existia mais ali, a desgraça…
Fiquei ali mais um pouco parada, sozinha, respirando fundo. Liguei pro marido, que quase teve um treco, mas me acalmou e me fez voltar pra casa devagar, me recuperando. Vim o restante do caminho pensando que eu realmente poderia ter me machucado muito seriamente, ou acontecido o pior. E foi um péssimo sentimento.
Cheguei em casa e os meus queridos, a minha familinha, estavam me esperando embaixo no condomínio. Parei o carro no meio do caminho mesmo e saí pra dar um abraço neles. E o marido disse: Que bom ver a mamãe né filha? E a Clara, como se tivesse entendido tudo, com aquela cara de sorriso de meio metro que ela dá quando me vê voltando pra casa, toda eufórica, diz: éééééééééé. Claro que ela não estava concordando com o papai, estava apenas manifestando sua alegria por me ver, mas no contexto combinou.

Quando eu era solteira e não tinha filho, até que não me importava tanto assim de correr riscos. Não queria me matar por aí, obviamente, mas não pensava muito na possibilidade de morrer. Mas hoje, que tenho uma familinha, principalmente uma filhinha linda, essa possibilidade me assusta muito.
Espero ter uma vida muito muito muito longa, pra ver minha filha crescer e ser feliz.
E espero, que ainda assim, eu vá antes dela, porque essa é a ordem das coisas. Mas só quando eu estiver bem carcomida, acabada, com a mente zoada. Sou daquelas que quer viver mais de 100 anos, não tenho medo da velhice. Acho que é porque quando me imagino mais velha, me vejo feliz.

Longa vida a todas as mães! Mas que as dos filhos sejam ainda mais longas…

Em tempo. Hoje foi um dia realmente muito especial. Na parte da manhã, dei uma entrevista por telefone para o caderno feminino do Diário Catarinense sobre nossa ida a SP na próxima quarta-feira, para o evento sobre violência no parto. Agendei uma entrevista ao vivo pela Record, na próxima semana, para falar do que verei nesse evento. Na parte da tarde, fui à reunião planejada. E mais um grande passo foi dado em direção ao meu novo futuro e ao meu novo plano: consegui o apoio insubstituível de um professor da universidade, que me ajudará a delinear aquilo que contribuirá para a mudança radical que planejo para minha vida. Tudo certo! Agora é só dedicação e preparo. À noite, marquei uma outra entrevista para amanhã, também pra falar sobre a ida a SP e o direito que toda mulher tem de ter um parto respeitado e seguro.
Sim. Estou muito surpresa com toda essa repercussão.
Sim. Também fico um pouco apreensiva e assustada com a responsabilidade.
Mas não, não me amedronto pela rapidez das coisas.
Acho que uma iniciativa como essa que aconteceu, uma mobilização dessa, envolvendo tantas mulheres, tem mesmo que originar ainda mais coisas boas. Quem tem facilidade de se comunicar tem o dever de usar esse dom em prol de outras pessoas, e não somente para si próprio. Tive a felicidade de ter um parto humanizado e respeitado. Mas tenho irmãs, amigas e uma filha. Quero contribuir para que todas, se quiserem, também tenham.
Para ver a entrevista de hoje, é só clicar aqui.

Que dia…

(PS: no tarô, a carta da morte significa mudança profunda. Dou todo o apoio)

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