Recente pesquisa realizada pelo Ministério da Educação, em parceria com a Organização dos Estados ibero americanos (OEi) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências (Flacso), mostrou que questões familiares, trabalho e gravidez são os três principais elementos que afastam as jovens brasileiras dos estudos. O estudo entrevistou jovens de 15 a 29 anos e perguntou por que pararam de frequentar a escola ou universidade e o que havia motivado tal decisão. Entre as meninas, 18,1% indicaram a gravidez como o principal motivo. Já entre os meninos da mesma faixa etária, somente 1,3% declararam que interromperam os estudos pela mesma razão. 

No Brasil, 309 mil adolescentes mães estão fora da escola, segundo levantamento do Movimento Todos pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A evasão escolar se dá, entre outros motivos, pela ausência de quem fique com a criança enquanto a mãe estuda ou está na escola. A Pnad mostrou que das mais de 400 mil meninas mães entre 15 e 17 anos, apenas 104.731 estudam. o que significa que mais de 300 mil estão fora da escola.

Diante de todos esses dados alarmantes, um questionamento é inevitável: como podemos mudar essa realidade?

O Brasil é um país machista e patriarcal.  Sabemos que desde a chegada dos colonizadores, o ensino se concentrou nas mãos da igreja, especialmente dos jesuítas. As mulheres logo ficaram exclusas do sistema escolar estabelecido na colônia. Podiam, quando muito, educar- se na catequese. Estavam destinadas ao lar: casamento, trabalhos domésticos e o cuidado dos filhos, pais e maridos. Por aqui, as mulheres puderam se matricular em estabelecimentos de ensino em 1827. O direito de cursar uma faculdade só foi adquirido 52 anos depois. As primeiras mulheres que ousaram estudar antes desse período foram socialmente segregadas. E assim permanece até hoje. Quando uma mãe não consegue frequentar uma escola, concluir o ensino médio ou a graduação, ela está sendo segregada de importantes espaços sociais e tendo alguns direitos negados. Acesso à educação também se dá na possibilidade de que mulheres mães tenham oportunidade de estudar, mas essas pessoas são prejudicadas por não ter assistência. 

As mães se deparam primeiro com o desafio de conseguir entrar em uma universidade. Para isso é necessário concluir o ensino médio, o que nem sempre é fácil quando se tem filho pequeno. Noites sem dormir, jornada dupla e às vezes tripla de trabalho, falta de vaga em creches públicas, abandono familiar, vulnerabilidade social. São inúmeros os motivos que fazem as mães desistirem no meio do caminho. Fora a falta de tempo para se preparar para os concorridos vestibulares. Há uma série de mecanismos estruturais que impedem a maior participação da mulher em espaços acadêmicos, como, por exemplo, a falta de creches nas universidades. O poder público também não assegura creches 24 horas para mães trabalhadoras e estudantes. E coletivização de cuidados nos meios intelectualizados só existe na teoria. Na prática, a realidade é outra: as mães que se virem ou se desdobrem para trabalhar/estudar ou saiam da universidade e do mercado de trabalho.

As creches municipais também são insuficientes. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há 258.617 bebês de 0 a 3 anos e 11 meses atendidos atualmente – e outros 151.755 esperando por uma vaga. Os dados são de um levantamento realizado em 2016 pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Permanecer estudando é um desafio quando se é mãe, principalmente quando essa mãe é periférica, quilombola, ribeirinha, sem teto, indígena, deficiente. Um desafio que o sistema ignora, não tem interesse e simplesmente vira as costas. Um exemplo disso é que no início do ano a creche da universidade de são paulo (usp) foi fechada arbitrariamente por sua reitoria.

Segundo a pesquisa do INEP/MEC de 2010, as estudantes mulheres ocupam 57,5% das vagas nas universidades públicas do país e são as mais prejudicadas para concluir a graduação no tempo previsto. Os principais problemas acontecem pela ausência de uma política afirmativa de assistência para as estudantes que necessitam de apoio. Uma das mais graves situações é a das estudantes mães, que não conseguem conciliar o estudo com os cuidados que uma criança necessita. 

Pela lei, universitárias têm direito ao chamado regime domiciliar: a partir do oitavo mês de gestação, durante três meses, podem compensar a ausência nas aulas com trabalhos feitos em casa. O que determina o início e o fim desse regime é o atestado médico apresentado pela aluna. No entanto, a realidade das mães é bem diferente. Muitas consideram que o prazo é curto e, caso não queiram ou não possam trancar a universidade por um ano – como também prevê a lei -, precisam lidar com falta de vagas em creches públicas, incômodo de professores e colegas ou até mesmo dificuldade para entrar e/ou frequentar aulas levando a criança para a universidade, já que regimentos internos consideram os bebês como não-alunos. Excluir a criança dos espaços acadêmicos é, automaticamente, excluir a mãe estudante. 

Nada é cobrado dos homens que são pais. Pelo contrário: a sociedade fortalece e apoia o machismo e a misoginia. Prova disso é que, no Brasil, 5,5 milhões de crianças não possuem no registro o nome do pai. É necessário e urgente que essas pautas sejam exaustivamente debatidas dentro e fora das esferas virtuais. Mãe e filho são demandas. Uma demanda que exige energia, tempo, autonomia e com a qual sociedade não sabe lidar. Enquanto o poder público vira as costas para jovens mães, mulheres se articulam em coletivos e grupos. Oferecem ajuda com as crianças, aulas de reforço para as mães, caronas solidárias, empréstimos de livros, palavras de incentivo quando tudo parece dar errado. E cobram do governo o que é dever dele. Não são poucos os grupos e coletivos maternos que vêm se formando pelo país. O projeto Mães no Enem, uma ação que coordeno desde agosto de 2016 e que tem como objetivo apoiar e auxiliar mães estudantes de várias regiões do país, me mostrou o quanto é necessário estarmos organizadas e unidas no enfrentamento de um sistema que insiste em nos boicotar, subjugar e nos colocar sempre como seres secundários, cativas em nossos lares ou tendo nossa força de trabalho explorada pelo capitalismo. E me colocou em contato com muitas ações organizadas por mulheres mães com o objetivo de mudar essa realidade. Diariamente, tenho contato com mães estudantes buscando soluções para que possam continuar frequentando a escola ou universidade. 

“Eu só quero me graduar para que possa ter um futuro digno com meu filho”, diante de pedidos assim, simplesmente não temos como virar as costas. 

É necessário e urgente que políticas públicas realmente efetivas sejam postas em práticas, uma vez que o Brasil assinou tratados internacionais como a Declaração de Pequim, a Convenção do Belém do Pará e a Cedaw (Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher). As três abordam a proteção à maternidade, os direitos das mulheres em relação à sua fertilidade e à educação.

Não nos calaremos diante da omissão do Estado e de instituições privadas que descumprem leis e não têm interesse em manter jovens mães nos espaços acadêmicos, porque mulher politizada é um perigo para o sistema.

Encontraremos formas de resistência e de organização para que continuemos ocupando espaços que sempre foram nossos por direito.

 

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