Encontrei esses dias um artigo bastante interessante, publicado entre julho e setembro de 2011, cujo título é “Introdução de alimentos supérfluos no primeiro ano de vida e implicações nutricionais“, de Sarah Franco Diniz Heitor, Leiner Resende Rodrigues e Luciano Borges Santiago.
Os autores, nutricionista, enfermeira e médico, respectivamente, são da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e, embora o artigo foque nas crianças com até 1 ano de vida, muitas orientações são interessantes inclusive para crianças de maior idade
Aqui, transcrevo parte da Introdução do trabalho e trechos selecionados, por considerá-los de grande importância. Mas se você quiser lê-lo na íntegra,  pode acessá-lo clicando aqui. Os trechos em negrito foram ressaltados por mim. Os números indicados ao longo do texto se referem às fontes de onde os autores retiraram aquela informação e também podem ser encontradas acessando o link.

“Vários estudos indicam a superioridade do leite materno para nutrir bebês, e a recomendação atual dos departamentos de Nutrologia e de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que
adotam a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS), é que a amamentação seja exclusiva durantes os seis primeiros meses e complementada com alimentos saudáveis até dois anos ou mais, em face da superioridade do leite materno para nutrir infantes(1). Não obstante, muitas mães ainda resistem a essa ideia, por acreditarem que os bebês precisam “aprender a comer” por volta dos quatro meses de idade, por isso introduzem a alimentação complementar precocemente, o que pode provocar uma duração inadequada do aleitamento materno, com repercussões negativas na vida do bebê(2). Deve-se ressaltar que mesmo uma alimentação complementar apropriada, ou seja, equilibrada em alimentos com quantidades adequadas de micro e macronutrientes, fáceis de consumir e aceitar e de custo acessível, preparada a partir de alimentos naturais do consumo habitual pela família e livres de contaminação biológica, física ou química(3), não deve ser recomendada antes dos seis meses de vida, pois os prováveis malefícios desta introdução ultrapassam qualquer possível benefício, entre eles a interferência na absorção de nutrientes do leite materno(4). Quando essa introdução ainda é feita por meio de alimentos supérfluos, aqueles cujas composições apresentam quantidades excessivas de lipídios e/ou açúcares, ou que contenham substâncias indesejáveis para o consumo – como corantes e conservantes químicos(5,6), ou ainda considerados de baixo valor nutricional – portanto desnecessários(7), a saúde da criança pode ficar comprometida(1,8). 
Há fortes evidências na literatura de que a introdução precoce de alimentos com baixo valor nutritivo, sobretudo a oferta excessiva de carboidratos (especialmente os carboidratos simples) e lipídeos, tanto em quantidade como em qualidade, pode predispor ao desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes, hipertensão, doença arterial coronariana, dislipidemias, osteoporose, e/ou levar a carência nutricional, representada pela desnutrição, doenças infecciosas e carências específicas de micronutrientes, particularmente ferro, zinco e vitamina A(1,9), e assim provocar efeitos na saúde
e bem-estar do indivíduo que poderão estender-se até a vida adulta(8-10). 
O termo “imprinting metabólico” descreve um fenômeno no qual uma alimentação inadequada introduzida precocemente atua durante um período crítico e específico do desenvolvimento, podendo causar um efeito duradouro e persistente ao longo da vida do indivíduo e torná-lo susceptível a determinadas doenças(11).
Numerosas influências, algumas óbvias e outras sutis, determinam a ingestão alimentar e hábitos das crianças(2,12). Hábitos alimentares formados na infância, sejam gostos ou aversões, são solidificados nos primeiros anos e difíceis de serem modificados posteriormente. Estes podem se estender até a idade adulta, quando alterações tornam-se difíceis e enfrentam resistências(13). 
No primeiro ano de vida a escolha do alimento depende exclusivamente da pessoa que alimenta a criança, e o produto da interação desta com a própria mãe é a influência mais marcante na formação destes hábitos(2,5,9), embora estudos que demonstrem como os pais influenciam os hábitos alimentares dos filhos sejam escassos(5,11).
Em relação ao uso de produtos industrializados – como sopas, derivados lácteos, macarrões instantâneos, sobremesas industrializadas e guloseimas – parece haver uma grande influência dos familiares presentes e da propaganda, principalmente da veiculada pela televisão(2,14,15).
Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram verificar o percentual de introdução de
alimentos supérfluos entre crianças de quatro e doze meses de vida da cidade de Frutal / MG, e
detectar quais alimentos supérfluos foram mais utilizados entre os quatro e seis meses e entre e
os seis e 12 meses de idade das crianças.”


“Participaram do estudo 111 crianças de idade entre quatro a seis meses e 189 entre seis e 12

meses, totalizando 300 crianças. Todas foram acompanhadas pelas mães ou cuidadoras. No
tocante aos acompanhantes, observou-se que 100% eram mulheres, e destas, 99% eram as 
mães e 1% as avós. Em relação à idade das mães, houve predomínio da faixa etária de 20 a
30 anos, a qual correspondeu a 59,6% das acompanhantes da população estudada, seguida
das mães com menos de 20 anos (25,8%). Com respeito à escolaridade dessas mães, a maioria
apresentou mais que nove anos de estudo (46,7%), seguindo-se aquelas que tinham entre
quatro e oito anos de estudos (45%).”

“Neste est
udo, 80,2% das mães e/ou responsáveis relataram oferecer um ou mais alimentos considerados supérfluos às suas crianças menores de um ano de idade. Verificou-se que 18 destes alimentos estiveram presentes na alimentação das crianças avaliadas, sendo que o queijo petit-suisse foi o alimento mais frequente (73,6%), e pudins (4,3%), o menos frequente.”


“Observa-se que nas duas faixas etárias o consumo de queijo petit-suisse foi o mais frequente (34,2% entre as crianças de quatro a seis meses e 96,8% entre as crianças de idade superior a seis meses); e em segundo lugar apareceu o pirulito, com 26% e 78,8%, respectivamente. O refrigerante também é consumido em larga escala (classificado em 4º lugar entre as crianças de quatro a seis meses e em 3º lugar nas de idade superior a seis meses). As crianças de quatro a seis meses não consomem mortadela e salame, mas após os seis meses de idade estes alimentos já são oferecidos.” 


Deve-se sempre priorizar o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, o qual depois deve ser complementado preferencialmente com alimentos naturais, ricos em vitaminas e sais minerais, até os dois anos ou mais. A introdução de alimentos industrializados supérfluos já no primeiro ano de vida leva à formação de hábitos alimentares inadequados, que com o passar do

tempo ficam incorporados(12). Estes hábitos remetem o adulto à lembrança de gostos e cheiros conhecidos do passado e a acontecimentos a eles relacionados, os quais, no caso de alimentos industrializados supérfluos, em geral são particularmente agradáveis.
A partir do segundo ano de vida ocorre uma desaceleração no crescimento da criança, acarretando-lhe um menor apetite(1), e muitas vezes a mãe, preocupada com esse aspecto, passa a adquirir os alimentos preferidos e solicitados pela criança. Esse hábito pode ser adquirido desde os primeiros meses de vida, dele decorrendo uma tendência de aumento do consumo de alimentos industrializados supérfluos a partir do segundo ano de vida. Esta alimentação inadequada pode ser um dos fatores determinantes do crescimento da obesidade infantil, que já é visto como motivo de preocupação em saúde pública(1,8). Na fisiopatogenia da obesidade, sabe-se que as fases iniciais da vida (período intrauterino e primeiro ano de vida) são sensíveis a fatores metabólicos e nutricionais, que podem predispor a consequências a curto e longo prazo na saúde do indivíduo, estendendo-se até a idade adulta(8). Neste estudo observou-se que os derivados lácteos – como leite fermentado, iogurte e queijo petit-suisse – foram consumidos a partir do quarto mês, e, apesar do alto consumo desses alimentos (96,8% das crianças com idade acima de seis meses consomem queijo petit-suisse), não se encontram recomendações quanto a sua utilização nessa faixa etária. Estes produtos não são aconselhados nessa idade, pois podem interferir na absorção de nutrientes importantes existentes no leite materno (como o ferro e o zinco), os quais são ricos em cálcio e fosfoproteína, minerais que interagem competitivamente entre si, por serem de mesma valência: cálcio, zinco, ferro e cobre(18,19).”

“Leites fermentados, utilizados muitas vezes para substituir a refeição láctea, apresentam uma composição muito diferente do leite, com menor teor de proteínas, lipídeos e cálcio, e maior teor de carboidratos(1). Entre os industrializados supérfluos foram consideradas as sopas de pacote e os macarrões instantâneos, ambos consumidos a partir do 4º mês (92% das crianças acima de seis meses consumiam macarrão instantâneo), por serem bastante utilizados em razão da facilidade, rapidez de preparo e boa aceitação, apesar de contraindicados, já que apresentam alta concentração de sal e do aditivo alimentar ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), presentes no tempero que os acompanha. Este último é um potente inibidor da absorção do ferro não heme, reduzindo em até 50% esta absorção, podendo predispor à anemia ferropriva(19). Vale ressaltar que a deficiência de ferro e a anemia carencial ferropriva acarretam sequelas graves no desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças, comprometendo seu desempenho na idade adulta(8).

Embutidos como mortadela e salame fizeram parte do cardápio das crianças a partir do sexto mês, e a salsicha entrou a partir do quarto mês, introduzida na refeição salgada (sopa ou papa), apesar de não serem recomendados para menores de um ano, pelo seu alto teor de gordura (principalmente saturada), alto teor de conservantes, nitratos e sal, expondo as crianças ao risco de doenças futuras extremamente incidentes no nosso meio, como, por exemplo, a hipertensão arterial sistêmica(1).

“Os refrigerantes e chocolates contêm compostos fenólicos – flavonoides, ácidos fenólicos, polifenóis e taninos – que também estão presentes no chá preto, mate, e no café, podendo levar a uma redução da absorção de ferro não heme, além de contribuir para a obesidade infantil, pela sua ampla utilização.

Estas bebidas carbonatadas podem também afetar adversamente a relação cálcio/fósforo. Elas foram consumidas por 66% das crianças com mais de seis meses, índice semelhante ao de outro estudo (60%)(5). O mercado apresenta uma grande diversificação de produtos e de preços, possibilitando o acesso a custo muitas vezes inferior ao de alimentos naturais, como suco de frutas.
A pipoca, apesar de ser um produto natural, não é adequada, pelo seu alto teor de gordura (principalmente a de microondas, que tem alta concentração em gordura vegetal hidrogenada –
gordura Trans) e por oferecer risco de engasgo e aspiração(1).”

Também me chocam dados mostrando a alta prevalência de alimentos industrializados a bebês.
Fico imaginando uma mãe colocando refrigerante na mamadeira, ou oferecendo mortadela ou pirulito a um bebê, e me aborreço tremendamente.
O acesso é fácil. O preço é baixo. A comodidade é altíssima. A propaganda estimulando o hábito está aí. O pediatra mal orientado também. Isso sem falar nas novas páginas das mídias sociais incentivando mulheres a deixarem o fogão de lado para aproveitar “melhor” o tempo com seus bebês. Como se se tornar escrava da indústria de alimentos processados fosse te tornar mais libertária, menos escrava do lar, mais “feminista” e moderninha.
O pessoal está precisando ler muito mais sobre feminismo e as conquistas das mulheres, inclusive pra saber que uma página como essa, manipulando mulheres em função da tal “culpa materna”, é arcaica, desrespeitosa e extremamente ultrapassada.
Bem, não faltam trabalhos mostrando como é prejudicial a oferta de produtos industrializados aos bebês.  Somente este artigo menciona outros 19.
Informação taí. Basta transformá-la em conhecimento. E escolha baseada em boas informações tem muito mais chance de dar certo.
Ou vai cair no papo do pedí, da psi, da vizinha ou da tv, mãezinha, dizendo que amamentação continuada não serve pra nada, que o leite vira água e que bom mesmo é complementar e “ensinar a comer”?

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