Começo esse post com uma frase do poetinha dos campings, Antonio Joaquim Moreiras, meu tio.
Frase doce e meiga:

“Esse povo vê as cachaças que eu tomo, mas não vê os tombos que eu levo”.

Como é de conhecimento dos amigos, eu soube que estava grávida exatamente 1 mês depois de receber o título de doutora. Mesmo porquê, a Clara foi feita nas comemorações do mesmo – sem comentários adicionais para o momento.
A partir desse dia, acabou-se o que era doce e quem comeu arragalou-se: findada estava a temporada de bolsas.
Eu, que já havia passado por uma bolsa de iniciação científica, uma de mestrado e uma de doutorado. Acabava, também, o meu auto-sustento.
Bem no momento em que eu teria uma barriga em crescimento exponencial pra sustentar…
O plano A era começar um pós-doutorado enquanto eu prestava concurso para docente em universidades públicas. Mas a bolsa de pós-doutorado que eu havia pedido havia sido negada – porque nesse país estranho, o governo parece não apoiar mais pesquisas sobre plantas medicinais.
Grávida, tornara-se muito difícil deslocar-me para prestar tantos concursos quanto eu gostaria – ainda mais difícil seria conseguir aprovação ostentando uma barriga de responsa.
E, naquele momento, fiquei sem plano B…
Antes mesmo de saber que estava grávida, eu e meu namorado já havíamos decidido ir morar juntos. Estando eu sem bolsa e sem trabalho, ele assumiu a responsa financeira da casa e trabalhou duro durante muitos meses pra dar conta de tudo.
Embora gravidíssima, não me dei por vencida: batalhei várias oportunidades como se a barriga de grávida não pesasse, em todos os sentidos.
Viajei em busca de trampo, dei palestras, criei planos Bs de onde nem tinha como criar, escrevi projetos e mais projetos. Mas nada… Parecia que a vida queria, mesmo, que eu me dedicasse a curtir minha gravidez e a fazer planos para a chegada da minha amadíssima filha.
Curtir a gravidez é lindo, mas não dá pra esquecer que também é preciso ter um mínimo de dinheiro no bolso.
Bem, não era muito o nosso caso…
O namorado trabalhou duro, varou madrugadas, e foi dando conta, mas às custas de muito estresse.
Mas a coisa não foi brincadeira, não.
Na verdade, não foi nada brincadeira, eu é que estou minimizando a coisa.
Foi punk-rock meeeesmo. Tiramos leite de pedra – talvez num ensaio pra tirar leite do peito… Cobria de um lado, descobria de outro. E eu grávida, cada dia mais grávida. Tive ataques de pelanca por não poder comprar tudo o que eu achava que uma criança precisava (é preciso dizer que eu não sabia nada sobre isso e achava que ela precisaria muito mais do que de fato precisa).
Mas tenho plena consciência de que, do muito pouco, fizemos muito: Clara tem hoje um quarto lindo que foi feito na base do esforço, da criatividade, do bom gosto, do amor e do zelo extremoso. Fui buscar no em mim dotes que nem sabia que tinha e fiz todas as lembrancinhas do nascimento dela, que hoje as pessoas olham e se admiram – e que fiz com amor e alegria.
Muitas vezes bateu o desespero porque a água bateu, mesmo, na bunda.
Mas a gente nasceu pobre, pelado e sem dente, o que veio foi lucro. Ainda assim, foi muito difícil.
Graças ao Poderoso Chefão, nunca nos faltou nada. Quer dizer, quase nada. Faltou paz em muitos momentos, por conta desse maldito assunto monetário.
Nos meus 9 meses de gravidez, eu poderia ter tido uma paz que não consegui ter em função disso. Fiquei sem dormir muitas noites. Pensando em como seria meu futuro profissional, uma vez que estava para ser mãe e queria cuidar dela como ela merecia. Pensando no que eu poderia fazer pra ajudar em casa.
Escrevi, pelo menos, uns 5 projetos de pesquisa nesse tempo. Vale inclusive dizer que estava escrevendo um último quando entrei em trabalho de parto. E fiquei 4 horas, das 29 que durou meu trabalho de parto, escrevendo – por não acreditar que estivesse, realmente, em trabalho de parto.
Mas parecia que não era pra eu conseguir nada naquela época que não estivesse ligado à maternidade… nada saía, nada parecia desenrolar, a não ser a minha filha, que crescia com saúde dentro de mim. Recados que a vida dá e que, se você é uma retardada como eu fui, você não capta.
A coisa foi ficando feia, foi ficando feia. Não é todo mundo que sabe disso em função daquela frase lá de cima, com a qual eu comecei o post… e porque também a gente não precisa ficar falando pra todo mundo – só depois que passa.
E não era só a preocupação financeira. Era a profissional também. Porque nessa minha área de pesquisa maníaca-suicida-sádica-masoquista, 1 ano sem atividade representa um grande buraco, perto dos doentes por produção científica que existem por aí. Eu tinha medo de que, depois da chegada da minha bebê, não conseguisse me reinserir.
Aos 7 meses de gravidez, acordei no meio da noite com uma ideia que, com certeza, havia sido soprada por um dos meus que já estão do lado de lá. Esperei a manhã chegar e fui atrás daquilo. E o prazo para envio do projeto findava em 5 dias. E, a despeito da azia, da dor no ciático e dos trocentos quilos a mais, sentei a bunda na cadeira e escrevi um projeto de pesquisa sobre um tema incrível. Mas eu era realista, 5 dias era muito pouco… Mandei o projeto. A resposta sairia só dali a 3 meses.
Ontem, aqui em casa, a coisa estava tensa. Parecia que não tínhamos mais saída. E também não tínhamos mais ideias – nós, que somos cheios delas. Bateu um cansaço, bateu uma desesperança, bateu um saco cheio.
E eis que, à meia-noite e pouquinho, chega a sétima cavalaria para salvar os mocinhos e a pequena mocinha que dorme ali no sofá. Uma sétima cavalaria que foi gerada no sétimo mês da gestação da Clara. Chega a salvação da lavoura – e do meu currículo, e da minha paz, e da minha carreira: meu projeto de pesquisa em nível de pós-doutorado acaba de ser aprovado pelo CNPq. Aquele, que eu escrevi xingando a dor no ciático aos 7 meses de gestação. E quando faltavam 5 dias pro prazo de envio…

Ao acessar o site – que eu já havia acessado de manhã e não havia nada – li a palavra: DEFERidA e tive uma crise convulsiva de choro.

Vou poder terminhar a minha formação. Vou poder fazer meu pós-doutorado. Vou poder me reinserir na minha área. Vou poder dar uma folga ao namorado, que está tão cansado. Vou poder dar à minha filha aquilo que ela precisar. Vou poder, enfim, responder àquela pergunta que não saía da minha cabeça nesse quase 1 ano: será que vou conseguir?
Porra, que estresse (depois de tudo isso, eu até me libero um palavrão…).

Agora é exatamente meia-noite.
Daqui a 9 minutos começa a Primavera.
Será a primeira primavera da vida da Clara.
E que sejam só flores…

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