Quantas vezes por dia você abraça? 
Abraçar mesmo. Peito com peito, braços enlaçando a outra pessoa, olhos fechados de troca. Quantas vezes?

O que o número de abraços dados em um dia – ou em uma semana, ou em um mês, seja lá qual for a unidade de tempo que você queira considerar – diz sobre a qualidade da sua vida, das suas trocas, dos seus encontros, dos seus relacionamentos?
Se você está esperando uma resposta racional, científica, com protocolo de obtenção de dados validado metodologicamente, baseada em um artigo publicado em grande e respeitável periódico científico internacional, ou se você pensa em considerar como válida somente essa qualidade de resposta, esqueça. Feche o link, esqueça essa coisa de abraço, ignore a pergunta e vá em busca de números. 
Aqui você não os vai encontrar.
Aqui, agora, vamos falar de algo que adentra o domínio da subjetividade. Do impalpável. Daquilo que é fundamental e imensurável: afeto, carinho, solidariedade, troca, encontro de um peito com outro. De peitos conhecidos. Ou desconhecidos. Daquilo que um abraço profundo e verdadeiro quer dizer. Daquilo que é produzido em nós – e no outro – quando deixamos de lado nossas armaduras, ou nossos espinhos, para acolher e ser acolhido. Abraço.
Quantas vezes você abraçou quem você ama hoje?
Quantas vezes você abraçou suas crianças?
Qual a qualidade do abraço dado?
Onde estava sua mente enquanto abraçava?
Pode alguém viver sem ser abraçado? E sem abraçar?
Se pudéssemos comparar tempos históricos, será que estamos nos abraçando mais ou menos? Estamos nos tocando mais ou menos? Se menos, por que? Se mais, como?
Há alguma relação entre a quantidade e a qualidade dos abraços que damos em nossas filhas e filhos e o nível de tranquilidade infantil? De confiança estabelecida? De noite bem dormida? De qualidade do diálogo que se tem? De cólica? De medo? De terror noturno?
O que acontece quando nossas crianças, em crise de choro, de irritação, de tristeza, são abraçadas intensa, sincera e carinhosamente?
O que aprendem as crianças que são abraçadas com frequência? E que sabem que têm abraços em abundância esperando por elas?
Seus filhos e filhas (ou sobrinhos, sobrinhas, afilhados, as crianças do seu entorno) abraçam? Muito ou pouco? Se sim, por que e quando abraçam? E como aprenderam? Se não, por que não abraçam?
Um abraço pode ser trocado por outro tipo de interação que signifique a mesma coisa?
Por que trocá-lo? Para quê trocá-lo?
Não sei como é com você, mas comigo abraço também é termômetro. Sei que algo não está muito bem entre mim e o outro pelo tipo de abraço que nos damos. Ou pela sua falta. Ou pela sua raridade, ou pouca frequência. Da mesma forma, sei que posso confiar e me entregar a alguém também por seu abraço. Pelo tempo, pela força, pelo contato. Pelo motivo. E, mais importante, mais especial: pela falta de motivo.
Sei que há amor, carinho e confiança quando o abraço chega inesperadamente e envolve, e faz relaxar mesmo que por poucos segundos, e faz reconhecer o terreno como seguro. Seja com um amigo, com alguém da família, com um colega de trabalho, com filhos, com desconhecidos, com amante.
Abraço é como olhar: não há como menti-lo, fingi-lo, forçá-lo. Ainda que se tente, não é possível. Os corpos não se enganam.
Abraço já virou tabu? Será que um dia vai virar? Como seria uma vida sem abraços?
Por que estou fazendo essas perguntas, e falando sobre abraço, e não oferecendo respostas, mas fazendo perguntas?
No fim desta noite de domingo, depois de buscar minha filha na casa de seu pai, ela dormiu longa e profundamente no meu colo. Por mais de uma hora, esteve deitada em meu peito. Acordou e preferiu continuar ali. Mais tarde, depois do lanchinho noturno e do banho, já nos preparativos para dormir, ela me abraçou muito forte e disse algo que costuma dizer sempre: “Quero ficar no seu abraço pra sempre…“. E eu disse que também queria, que o abraço dela é a melhor parte do meu dia. Ela então deitou, ganhou um beijo, me deu um beijo, e dormiu.
Nessa noite, eu não tinha grandes nem urgentes trabalhos a fazer e, assim, pude relaxar um pouco e pensar em outras coisas que não trabalho – quem tem a noite como dia útil, como eu, de domingo a quinta-feira, sabe que isso não acontece com tanta frequência… 
E naquele silêncio que se fez na casa, na mente, no corpo, senti uma coisa muito forte: saudade. Muita saudade. Saudade, especialmente, de alguns abraços específicos. Do abraço de quem está muito, muito longe. De quem nem está  mais aqui. De quem está distante, porém se fazendo perto. De quem não vejo há bastante tempo. E percebi que saudade também é ausência de abraço. Daquele abraço.
Como sentindo minha própria saudade, minha filha acordou e me chamou. Assim que apareci em seu quarto, ela me disse: “Mamãe, quero abraço“. Sorri e a abracei demoradamente. Ela voltou a dormir em seguida.
Então saí e me dei conta do grande número de abraços que eu havia recebido apenas durante esse fim de semana. Muitos. E sinceros. Conhecidos e desconhecidos. De reconciliação e de reencontro. De encontro. De amizade. De amor. De “boa semana”. E então a
saudade passou.

O que será que sente uma criança que não é abraçada? Ou um adulto que não é abraçado? Alguém que não receba abraços com frequência? O que seria de um mundo em que abraços fossem trocados por eletrônicos? Por máquinas?
Não sei.
Mas desconfio de que não haveria muitos sorrisos, nem muito amor, nem muito gozo.

A vida parece não andar muito fácil nem muito simples pra ninguém ultimamente. Parece estarmos todos vivendo momentos de choque, quebra, confronto, dúvida, espera, momentos que nos colocam à prova, que testam nossos limites emocionais. As diferenças estão mais evidentes que as semelhanças. O confronto mais fácil que o encontro. A acidez mais fluida que a doçura.
Então eu deixei de postar agora um texto sobre psicofármacos e seus abusos para falar sobre abraço.
Porque talvez se tivéssemos mais abraços, precisaríamos de menos fármacos.
Se tivéssemos mais abraços… estaríamos todos mais juntos. Não parece meio óbvio?
Porque “no abraço, mais do que em palavras, as pessoas se gostam“, disse Clarice Lispector.
E parece que estamos um pouco carentes disso.
Que em agosto, que tantos temem não sei porquê, a gente possa se abraçar mais.
Simplesmente abraçar.
E deixar todo esse ranço para trás.
E além de abraçar mais e ser mais abraçado, recomendo que você assista ao vídeo abaixo, que é bem curtinho.
Nada substitui calor humano.



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