Em maio de 2015, eu descobri o trabalho dela e fiquei fã logo de cara. O motivo é óbvio: pouquíssimas pessoas têm a coragem necessária – e é preciso muita dela – para falar sobre suas próprias dores, angústias, abrir o coração e não poupar sentimento apenas porque ele é doloroso. Se essas dores têm a ver com a maternidade exercida em versão solo – e ela dá uma aula aí embaixo sobre o que é ser ou estar solo – a coragem precisa ser ainda maior e mais contundente. E isso porque o que a maioria das pessoas faz é julgar, apontar dedo e achar que sabe o que é melhor praquela mulher. A gente não sabe nem o que é melhor pra gente mesmo, quanto mais pra outra… Então quando a vi retratando a maternidade na real, na cara e na coragem e ainda por cima com uma pegada artística, apaixonei. Mandei uma mensagem dizendo que queria apoiá-la de alguma maneira. O tempo passou e, enfim, a gente se reencontrou. E num momento bem crucial para ela. A GENTE PRECISA AJUDÁ-LA.

Em 2015, quando nós participamos do Social Good Brasil Lab, muitas acompanharam a dureza que foi transformar o blog Cientista Que Virou Mãe nesta plataforma colaborativa que aqui está, que agregou muitas outras mulheres mães para falar sobre maternidade, empoderamento feminino e valorização da infância, sendo remuneradas por seu trabalho e isso não por empresas, corporações, indústrias, mas por quem de fato se vê representada na informação que produzimos: outras mulheres, outras mães, outras pessoas interessadas nesse tipo de informação. Nós estamos completando 1 ano e se isso foi e está sendo possível, administrando inúmeros ajustes tecnológicos, aguardando repasse de verba de edital, ajustando o trabalho de todo mundo, foi porque inúmeras outras mães e interessadas em empoderamento e infância nos apoiaram e acreditaram em nós. E agora é a Thaiz Leão, criadora da página e do projeto MÃE SOLO, quem precisa do nosso apoio. Thaiz está lá na Benfeitoria com um projeto lindo, importante e que só vem fortalecer a proposta de dar voz à maternidade por nós mesmas, independentes. Hoje, dou a palavra a ela, que fala com muita propriedade de algo que tantas de nós vivemos: a maternidade solo. Cheia de desafios, dificuldades e momentos de aperto no coração, no estômago e no bolso. Mas que para muitas têm se transformado numa grande ferramenta de fortalecimento, especialmente quando encontramos a rede de apoio que nos acolhe. Thaiz: é uma alegria estar junto contigo e tê-la aqui com a gente. Obrigada por escolher falar sobre isso, que reflete tantas vezes o que tantas de nós sentimos. 

 

A SOLIDÃO MUITO ALÉM DO ESTAR SOZINHA

ou 'como status de relacionamento não deveria dizer nada sobre ser mãe'

Por Thaiz Leão – criadora do projeto MÃE SOLO

 

Solteira, casada, divorciada, viúva, amigada… Quer a verdade? A única relação que nos define na maternidade é a nossa relação com nossos filhos, e ponto.

Nos dois anos que vivi e criei a Mãe Solo eu aprendi muita coisa,  mas uma das primeiras e mais desconcertantes para mim ("mãe solteira") foi que na verdade toda mãe é, foi ou estará solo. Doa a quem doer, ser mulher e mãe em 2016 não tá fácil pra ninguém.

Muita gente, até mesmo o Papa Chico, já entendeu que tachar uma mulher de mãe solteira é feio, mas parece que quase ninguém entendeu que chamar uma mulher de mãe solo pelos mesmíssimos motivos é só um jeito descolado de dizer a mesma coisa. O que, convenhamos, não adianta de nada.

Quando inventei essa de colocar o nome do projeto de Mãe Solo, eu tava menos preocupada em afirmar minha solteirice e mais profunda e sinceramente encasquetada com a minha solidão. Solidão de parceria e divisão sim, mas também de entendimento, de família, de comunidade, de amigos, de cafezinho, de criar, de educar, de alimentar, de escolher, de ir atrás, etc., etc. Solidão é isso: um bicho amargo com entrada vip pra qualquer coisa em qualquer vida, é só escolher o caminho — qualquer caminho — solidão é estar sozinha nele. E a verdade é que ela pode aparecer mesmo com alguém do lado, mesmo com alguém BEM perto.

Sei que vai ser difícil desconstruir essa imagem, mas começo assim: estar junto não é necessariamente mais pesado que estar sozinha, e estar sozinha não é necessariamente mais pesado que estar junto. O que pesa mesmo — pura e simplesmente — é o peso. E cada mulher conhece intimamente o que leva nas costas, na mente e no espírito.

De qualquer jeito, não se preocupe se você ainda não pegou bem o lance da empatia, tem milhares e milhares de anos de história trabalhando contra a gente.

Já é de tempos que a nossa cultura legitima a exclusão — e uma das táticas mais rudimentares é a de discriminar quem tá passando por uma barra, qualquer que seja, deslegitimando o sentimento dessa pessoa pela ilusão de que tem gente passando coisa muito pior: quem tá junta poderia estar sozinha, quem tá sozinha poderia estar na Antártida, quem tem um poderia ter tido cinco, quem viveu poderia ter morrido… Parece que em questão de sofrimento não há fim no buraco, sempre tem alguém pior e por isso melhor que você nessa coisa de sofrer. O que convenhamos não faz sentido nenhum, não estamos competindo nas olimpíadas do sofrimento.

É claro que tem gente passando por coisas terríveis — e a gente tem que lutar pra que essas pessoas cresçam e floresçam em toda sua complexidade porque essa é nossa obrigação individual e faz parte do pacote de existir na interdependência — mas isso não faz com que todos os outros reles mortais com causas menos mortíferas passem de fase nessa vida sem ter de enfrentar seu abismo íntimo também. Todas e todos vão — ou deveriam. 

A primeira grande piada desse mundo foi nos convencer de que não temos importância, o que colateralmente nos fez acreditar que não temos relevância. O que complica muita coisa.

Olha mana, mina, parça… não importa o tamanho do buraco, importante seria que todo ser humano tivesse o prazer de conhecer e viver a melhor versão de si mesmo. Não é?

Quando nossos filhos caem e ralam o joelho a gente não chega neles e fala "reclama não que tem muita gente que cai e morre por aí". O caminho empático é lidar com o sofrimento deles até que a dor diminua e que seja possível se levantar de novo pra andar e tomar outros tombos. Mesmo que nem tenha machucado nada, a gente vai lá e trata pelo menos o susto.

Eu vejo hoje o tanto de mulher que se reconhece nas tirinhas que faço, estando sozinhas, estando juntas, estando sem, estando com 8…  Todas elas também passaram pelas mesmas situações, mas elas veem e acham que essa coisa de 'mãe solo' é coisa pr'aquelas mães sozinhas. Não, amiga, sozinha ou junta a gente tudo se lasca! Quando não de um jeito, de outro, mas sempre tem uma treta pra enfrentar nessa vida.

Às vezes a barra é não ter com quem contar, às vezes a barra é ter com quem contar e essa pessoa não fazer a parte dela. Os buracos são muitos… Não tem modelo pronto pra se falar de uma "mãe guerreira", — que é outro péssimo termo que podemos falar depois — não dá pra glorificar quem mais sofre, a gente não tá competindo pra ver quem se ferra mais! Nós deveríamos era estar lutando contra as coisas que fazem a grande maioria dos seres humanos passarem nessa vida apenas pra sobreviver.

Todo inferno é pessoal e intransferível e não segue modelinho não! Esqueçam os modelinhos, todos eles vão sambar em você.

Entendidas? Então bem vinda ao solo.

Thaiz Leão, 26, mãe e criadora do Projeto Mãe Solo, um diário de bordo crítico e (quando dá) bem humorado sobre a experiência contemporânea que é a maternidade para a mulher, e que tem como objetivo desconstruir o projeto-imagem romântico da super-mãe que oprime a mulher na relação dela consigo mesmo, com seus filhos e com a sociedade. Vai lá: fb.com/mamaesolo / instagram @choralombar

Vai lá ajudar o projeto a se tornar realidade! É só clicar na imagem e conhecer a proposta.

Foto: Gabi Trevisan

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