Não encontrei o autor dessa linda obra

O reinício
Pois é, e já estou eu fazendo doutorado de novo…
As aulas começaram dia 15 de agosto e, sinceramente, ainda estou bastante perdida. Em momento oportuno, darei a sugestão para quem de direito: gente amiga, as pessoas não nasceram sabendo como funciona o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, ok? As pessoas precisam de instruções básicas de sobrevivência do tipo: onde serão as aulas? Quantos créditos são necessários no total, em disciplinas e com a tese? Quando tem reunião? Onde fica a sala de estudos? Quer dizer, tem sala de estudos? E a bolsa, como é que fica a questão de bolsa? Então ainda estou rodando que nem peru bêbado atrás de informação. E olha que tenho know how na coisa… Fico pensando no pobre do aluno de mestrado, recém saído da graduação achando que a vida de cientista é puro glamour, que dá de cara com um estacionamento naufragado, tem que chegar com o pé atolado na lama e caçar a sala onde haverá aula naquele dia. Mas, enfim, esse não é realmente um problema e é facilmente contornável para pessoas que não se incomodam de perguntar as coisas, como eu.
O que é realmente um problema, um grave problema, de difícil contornabilidade, é a questão indecente da falta de bolsa. In-de-cen-te.

A indecência, o espanto e a instauração do caos

Vou explicar: o programa exige dedicação exclusiva. Traduzindo: não quer que as pessoas trabalhem durante o doutorado (ou mestrado), quer que se dediquem total e irrestritamente às atividades de pesquisa. Sendo assim, seria de se supor que todos teriam bolsas. Porque, exceto por aquele povo esquisito que diz que vive de ar e luz, que eu saiba as pessoas ainda precisam se alimentar, morar em algum lugar, ter o que vestir. “Bebida é água, comida é pasto” só cai bem na letra da música mesmo… Devo admitir que estou com um pouco de dificuldade em acreditar que um programa de pós-graduação em SAÚDE COLETIVA que fica dentro de um departamento de SAÚDE PÚBLICA, que objetiva formar massa crítica bem atuante em prol da defesa e melhoria da saúde no país, queira que as pessoas, bem formadas e com mestrado, algumas até já com doutorado, se dediquem exclusivamente, a despeito de não terem ganhos. Isso subentende uma de três coisas: ou é destinado a pessoas bancadas pela família, ou a vencedores de algum prêmo em dinheiro, ou que casaram com quem obviamente não quer fazer doutorado e preferiu ganhar dinheiro na vida. Meus pais são duros, você não me viu no Big Brother e meu marido é jornalista. Ou seja, fiquei de fora dos três grupos populacionais.
Para os 12 alunos aprovados neste ano na seleção de doutorado, existe 1 bolsa. Havia sido dito que um edital seria publicado para estabelecer as regras da distribuição dessa única bolsa – algo, imaginava eu em minha inocência, como não ter vínculo empregatício, ter currículo compatível e um bom desempenho no processo de seleção. Pois não teve edital algum e a bolsa foi para a maior nota da prova, embora o processo seletivo tenha sido composto de outras partes além da prova. Obviamente, se instaurou um clima de desespero, com alunos correndo por tudo quanto é lado pra encontrar uma solução financeira para seus problemas bem conhecidos do brasileiro.
Eu entre eles.

A dúvida
Em função disso, a aura de prazer e alegria por ter sido aprovada e por estar começando uma nova carreira, um novo estudo, uma pesquisa cujo tema me enche o coração, foi rapidamente substituída pelo caos. Pela preocupação sobre como vou gerar renda que permita a continuidade do curso. Em muitos momentos penso em desistir, pintar na secretaria e dizer: “Passa pra cá os papéis do trancamento que é agora!”. Porque é muita angústia não saber como vou conseguir gerar renda tendo um doutorado pra tocar e uma filha de 1 ano pra cuidar. Tenho trabalhado todas as madrugadas até as 4 da manhã, em projetos que podem (ou não) trazer um retorno financeiro. Mas a médio ou longo prazo. Enquanto esse instrumento de possessão demoníaca chamado CONTA A PAGAR tem curtíssimo prazo, a desgraça…

Então todos os dias, antes das aulas, vou pensando se devo continuar. Questiono a mim mesma sobre estar no caminho certo em todos os momentos. Tenho passado as madrugadas acordada, indo dormir geralmente às 4 da manhã, ora lendo, ora pensando, ora traçando estratégias e planos. 
O encontro
Mas aí vou pra aula, me sento na cadeira e acontece o que me aconteceu hoje…
Começo a ouvir coisas, a ler coisas, sou exposta a fatos e falas que fazem meu coração gritar bem alto:
“COMO PUDE TER DEMORADO TANTO TEMPO PARA ESTAR AQUI?”

E aí me vem a vontade inabalável de lutar por isso.

Não será tarefa nada fácil.
Para realizar as atividades, deixo a Clara em casa algumas poucas horas e vou. Não me é tão doloroso quanto era quando ela era bem bebezinha. Afinal, hoje ela se alimenta de outras coisas além do leite materno, ela brinca bastante tempo, ela se entretém e é bem pouco tempo que me ausento. E, afinal – o que conta muito – vou fazer o que gosto de fazer. Algumas vezes chego à aula sem ter conseguido ler todos os textos, pois só tenho, para lê-los, a madrugada, onde faço outras coisas na busca de outras fontes de renda.
Chego à sala de aula. Sento. E começo uma viagem incrivelmente prazerosa. 
De identificação, de descoberta, de redescoberta de mim, de desejo de saber mais, de vontade. 
O enamoramento
A cada aula assistida, participada,  sinto que era ali que eu deveria ter estado todos esses anos. E muitas vezes, tenho que conter a emoção que brota por me sentir tão privilegiada.
Parece que procurei a vida inteira pelas falas que tenho ouvido nas aulas desse início de doutorado. Meu coração se inflama e se enche a cada tema. Minha identificação é imensa.
Hoje, angustiada por ter tido uma manhã complicada, com carro que resolveu enlouquecer, placa que caiu na hora de sair de casa, acabei chegando 20 minutos atrasada. Sentei na cadeira, liguei o computador e a aula começou. Uma excelente aula sobre a abordagem hermenêutica da saúde.
Estou ali, anotando, quando ouço:
“O envolvimento durante uma pesquisa qualitativa, a observação participante, a entrega, muitas vezes vale mais que uma campanha nacional em prol da melhoria da qualidade de vida coletiva; porque aquele momento é um momento ímpar de empoderamento daquele sujeito que está sendo ouvido; é um momento de dar voz a quem precisa falar, mesmo que apenas cinco pessoas, mesmo que apenas 1 pessoa. Cada uma dessas pessoas precisa disso”. 
Imaginei cada entrevista que eu pretendo fazer. Cada mulher entrevistada, falando sobre sua experiência. Externalizando suas emoções, em um processo de confiança, de reciprocidade, de cura, quem sabe…
Sim, quero muito continuar. 
Meus pensamentos não haviam ainda se reestruturado após aquela fala, quando ele diz:
“Somente realiza uma boa pesquisa qualitativa a pessoa que é reflexiva; que vê no sujeito muito
mais do que uma ocorrência de saúde. Que o vê como detentor de uma história que precisa ser respeitada”
Lá estou eu novamente, atônita, emocionada.
E ele conclui:
“… em próximas aulas, vamos discutir um pouco dessa questão da medicalização dos sentimentos. Vamos falar sobre como as pessoas não querem mais sentir qualquer tipo de dor, física ou emocional. Sobre como nos tornamos intolerantes aos nossos próprios sofrimentos”
A criação de um caminho
Então, eu sinceramente não sei ainda como será.
Nem quando.
Mas sei que vou criar um caminho para chegar onde quero, mesmo que pareça não haver um agora.
Fiz aqui uma lista de coisas a serem concretizadas.
Se o caminho que eu conhecia não pode mais ser trilhado, então terei que criar um novo.
Dizem que as boas ideias surgem em momentos de crise, como soluções para uma situação. Vamos ver então se será assim mesmo. Vamos ver se a morte da vaquinha que eu tinha no quintal, que me dava leite todos os dias, realmente me permitirá encontrar alguma outra riqueza que, de outra maneira, eu não poderia ver…
É muito bom se sentir encontrada.
Ainda que bastante perdida…

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