Na semana passada, dei um pulo em um sebo (amo!) onde havia um bom crédito esperando por mim há mais de 1 ano. Troquei esse crédito por livros como “A Genealogia da Moral” (Nietzsche), “Variações sobre o prazer” (Rubem Alves), “O Médico” (Rubem Alves), “A sujeição das mulheres” (Stuart Mill), “Mulher daqui pra frente” (Marina Colasanti) e mais dois livrinhos sobre bichos para a Clara.
Pouco antes de ir embora, encontrei um título – sendo vendido a R$ 2,00 – que me chamou a atenção: “Um parto místico? Palavras a uma gestante”, Dr. Marcos Iankilevich.
Não reconheci nem o título nem o autor.
Folheei e encontrei algumas frases muito agradáveis.
Decidi levar para saber do que se tratava.
Tirei uma foto da capa e postei na fan page do blog no Facebook, perguntando se alguém o conhecia e se eu deveria temer a leitura – nos dias de hoje, essa é uma pergunta prudente a ser feita…
Algumas pessoas disseram não conhecê-lo, outras procuraram informações sobre o autor, descobriram que ele já havia falecido, alguém chegou no fato de que ele teria sido professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, então, foi um pulinho até o obstetra Ricardo Herbert Jones. Então o Ric postou lá o seguinte comentário:
Eu fui aluno do Dr. Marcos, mas por pouco tempo antes de ele se aposentar. Ele era, naturalmente, execrado pelos médicos no hospital. Lembro bem de um médico jovem, atual professor da faculdade, me dizendo: “Fuja dele”. Ora, o que ele tinha
a dizer que causava tanta irritação? Claro que isso atiçou a minha curiosidade. Eu assisti umas poucas aulas dele e fiquei impressionado com a visão que ele tinha do nascimento humano. Sua aula colocava o parto dentro de um modelo cosmológico e teleológico extremamente sofisticado e interessante. Ele acrescia conceitos da física e da biologia, algo absolutamente inusitado na época, e que só conheci muitos anos depois, lendo livros da Robbie e Sheila Kitzinger. Lembrem: quando assisti suas aulas o parto ainda era para mim um “evento médico”. Comprei o livro dele somente alguns anos depois, quando o encontrei em um sebo. Para mim, que já estava lendo Moysés Paciornik, não trazia nenhuma novidade, mas falava do modelo Lamaze, que ele dizia ter introduzido em Porto Alegre (tem um outro professor, também aposentado, que reivindica essa primazia). Na época o texto me pareceu interessante mas eu logo percebi que a ativação “conciente” dos estratos mais superficiais do cérebro seria contraproducente, e o apagamento dessas áreas um modelo mais racional e inteligente. A própria biologia, com seu ramo mais novo, a etologia, nos mostrava de forma inequívoca que os animais tem facilidades no parto exatamente por não precisarem “pensar” conscientemente sobre ele (além das questões anatomicas, por certo). Nossos processos motores (caminhar, deglutir, respirar, etc.) funcionam com facilidade exatamente por essa razão. Dessa forma, o livro nos mostra a tentativa de um nobre professor em desvendar o enigma da “dor do parto”, porém utilizando as ferramentas racionalistas dos anos 60 do prof Lamaze. Como bem o sabemos, os próprios defensores dessa proposta já a abandonaram em direção ao “apagamento neocortical da partolândia”, que surgiu depois, principalmente através dos livros de Michel Odent. Eu tenho a convicção de que, se vivo estivesse, o professor Marcos estaria engrossando a fileira dos humanistas. Para ele faltou apenas o conhecimento que temos hoje das razões sociais para a dor do nascimento: A hospitalização, o medo, a tensão, a frieza do contato com a equipe médica, a ausência de compaixão, o mecanicismo exacerbado, as rotinas, o abandono e todos aqueles elementos desumanizantes que caracerizam o parto no mundo ocidental. O rechaço que o Dr Marcos recebia na época é semelhante ao que alguns colegas (e eu mesmo) recebem dos representates do paradigma hegemônico. Espero que essa agressão continuada possa produzir mais estudantes curiosos em saber as verdadeiras razões para esse desprezo. Obrigado Dr Marcos, por ser um desbravador em sua época, e alguém que soube receber com altiva suavidade a violência e o menosprezo daqueles que o atacaram.