Digite “sala de aula” no Google.
É mais ou menos isso que você vai encontrar na maioria das imagens…
A volta às aulas das crianças costuma ser um momento recheado de emoções. 
De um lado, a ansiedade por rever os velhos amiguinhos, a vontade imensa de estrear o material escolar, a caixa de lápis colorido de 48 cores, a mochila nova, a animação por poder começar tudo novo de novo. 
De outro, o medo da escola nova e dos novos amigos que estarão por lá, a angústia por não querer que as férias terminem, o aborrecimento pela rotina massacrante, e tantos outros sentimentos, entre positivos e nem tão positivos assim. Claro, estamos falando das crianças que já conseguem processar e identificar os próprios sentimentos.

Mas e as mães e os pais?
Não ficam muito atrás no turbilhão de emoções…
É sempre um momento de grande apelo emocional mesmo pra quem já está cansado de saber como a escola funciona. A busca pelos materiais adequados, a preparação dos mesmos, pensar a merenda, a expectativa pela qualidade da nova escola, ou do novo professor ou professora, a ansiedade por querer os filhos de novo na velha rotina para se “retomar” a sua própria. Isso sem falar dos que estão debutando no universo escolar… O medo da rejeição do filho à nova vida, a angústia por se pensar longe de quem mais se ama (ainda que por algumas poucas horas), a ansiedade fruto do desconhecimento do novo esquema que se inicia, e que se perpetuará por anos a fio.
Obviamente, estar nesse ponto significa já ter passado por um outro, ao final do ano anterior, que é a escolha da instituição de ensino que acolherá a criança no ano seguinte.
Não se iluda: essa não é sempre uma escolha pensada e repensada, de maneira crítica e consciente. Não é. Por diferentes motivos. 
Muitos simplesmente não têm escolha. Precisam colocar os filhos na escola do bairro, de ensino público, independentemente de conhecerem/concordarem ou não com a forma como ali se ensina, se convive e se constrói. Isso quando há vagas na escola do bairro, é bom que se lembre. Claro que existem excelentes estabelecimentos públicos de ensino, constituídos por gente dedicada, envolvida, crítica, ativa, que faz disso sua vida e procura mudar sua realidade imediata através da educação, ainda que o que receba para isso mal dê para custear a própria vida. Mas a gente sabe que, nesse quase infindável país, essa não é a realidade majoritária, nem de longe.
Outros, simplesmente não questionam. Seguem vivendo suas vidas mais preocupados com suas próprias rotinas e carreiras, mais preocupados em seguir a lei educacional vigente no país – que obriga todas as crianças a frequentarem instituições de ensino, ainda que pouco, nada ou muito duvidoso controle ou avaliação seja feita sobre as mesmas -, sem preocupar-se com questões fundamentais com a qual todo cidadão, independentemente de ser pai ou mãe, deveria se preocupar no que tange à educação que está sendo oferecida àqueles que vão construir a sociedade futura. Sem se preocupar com questões que dizem respeito à formação humana, pessoal, ainda que muito se valorize sobre a técnica e o conteúdo. Acham que falar sobre isso é perda de tempo, é desnecessário, não se interessam pelo assunto, sequer buscam leituras sobre. Estamos falando de nossos filhos e do que eles estão recebendo na vida. Mas esse não parece ser um argumento muito válido para muitas pessoas, veja você.
Uma grande amiga minha, educadora há mais de vinte anos, completamente envolvida e dedicada à formação humana das crianças, outro dia disse para mim o seguinte, em tom de desabafo e melancolia:

“O pessoal tem procurado a escola perguntando mais sobre quanto tempo as crianças terão de aula de inglês, espanhol, francês e mandarim, ou sobre quantos instrumentos tecnológicos a escola incentivará a usar, ou se a instituição oferecerá um tablet na matrícula, do que quanto tempo elas ganharão de colo, quanto tempo terão de contação de histórias ou subindo nas árvores. Poxa, elas não têm nem 6 anos!”

Esse é um assunto extremamente complexo. E que perpassa múltiplas outras questões. E muita gente tende a querer focar nas questões sempre discutidas – poucas instituições de ensino com proposta diferenciada, custo altíssimo das poucas que existem, falta de investimento governamental, carga horária trabalhista excessiva, etc, etc, etc – do que falar sobre o próprio envolvimento na formação educacional do filho. Basta questionarmos o envolvimento materno ou paterno na educação do filho para ouvirmos sempre um, “mas é que…”.
Deixando os “mas é que” de lado, meu intuito é sempre o de estimular o pensamento crítico sobre as próprias escolhas, sobre o que estamos fazendo para mudar a realidade que nós próprios criticamos, sobre o que estamos ofertando às nossas crianças. Não é uma tarefa muito grata nem muito fácil – como acontece com tudo aquilo que é extremamente relevante e importante, e que de fato pode mudar alguma coisa nesse mundo.
Nesse início de ano letivo infantil, com centenas de mães e alguns poucos pais postando nas redes sociais suas angústias (ou alívios) referentes ao retorno dos filhos à escola, e com o objetivo de contribuir à reflexão sobre que educação estamos oferecendo às crianças, trago o trecho de um livro que gosto e recomendo, e ao qual sempre recorro para continuar minha própria reflexão sobre o assunto. É, na verdade, um trecho de um diálogo entre Gilberto Dimenstein e Ricardo Semler. Transcrevo abaixo o trecho não do início, mas já transcorrido, para que possamos juntos pensar mais a respeito. Giberto Dimenstein está perguntando a Semler como é a escola que ele criou aqui no Brasil, como ela funciona, por que ele decidiu criá-la, o que valoriza, entre outros pontos.
RS – (…) Lá não há salas de aula do tipo que as pessoas estão acostumadas a encontrar nas escolas. Há salas grandes e as crianças, de diferentes idades, estão misturadas. Passamos três anos elaborando o projeto, buscando criar algo novo, que não fosse totalmente empírico, experimental. (…) Visitamos mais de 200 escolas, foram longas visitas, tentando entender como funcionava cada uma. Fomos a algumas universidades que acompanham o que acontece pelo mundo afora. (…) Passamos três anos estudando e nos perguntando: Se esse professor está obsoleto e não se transmite sabedoria, como é que, com foco no conhecimento, nós vamos desenhar algo novo? O desenho final ao qual chegamos para o começo do trabalho foi dividir a função do professor em duas. Procuramos duas pessoas muito diferentes: um tutor à antiga, que seja um guia, que sirva de ponto de apoio – com conhecimentos nos ramos da psicologia, da sociologia, da antropologia – e que, ao mesmo tempo, seja uma figura tribal. Transmitimos informação ancestral, passando essa sabedoria – normalmente com os mais velhos, com a mãe – de uma forma tribal. Então, essa figura é uma só. E a esta figura chamamos de tutor, mas houve muitas reclamações e, por fim, decidimos chamá-la apenas de educador. Esse educador trabalha com 12 alunos. Essas 12 criança
s estão sob a guarda, sob a esfera de influência de um adulto. Esse adulto, o educador, é responsável por apoiar, por entender e por saber onde elas estão naquele momento de vida e na escola. Nós dizemos que se cada um desses educadores não tiver passado 15 minutos sozinho com uma criança debaixo de uma jabuticabeira todo dia…

GD – Debaixo do quê?

RS – Da jabuticabeira. Todo dia, se não houver muitas crianças no colo desses educadores em algum momento, é porque alguma coisa não está funcionando. Essa era a primeira função que identificamos e criamos. A segunda função era a de achar um jeito de transmitir o conhecimento acumulado da humanidade ou, pelo menos, de deixar isso à disposição das crianças, de expor. Então, criamos para a nossa escola a figura do mestre. Depois de muita discussão, em duas reuniões por semana durante três anos com 21 pessoas, chegamos a duas características fundamentais: que fosse um expert em alguma cosia e que fosse apaixonado. Se a pessoa tivesse essas duas características, estaria aprovada como mestre. Quanto à didática, à capacidade de fazer as crianças se interessarem, procuramos resolver isso com outro mecanismo: desobrigamos as crianças de ir à aula. Isso porque partimos do pressuposto de que o momento de conhecimento sólido, ou seja, do que tem permanência ou valor residual, é aquele em que a criança, naquele momento, está interessada e em que há alguém apaixonado do outro lado. E o conhecimento que se forma nesse momento, dessa junção, que é quase sempre uma sinapse de dois seres, esse sim tem valor. Afinal, como é que vamos saber se a criança está interessada se a mandamos sentar lá por 45 minutos? Partimos do pressuposto de que ela tinha de estar na escola por uma série de razões, além das legais, sociológicas e tribais. Mas para ir à aula, à atividade, “ao curso”, naquele momento, isso podia ser livre. Começamos a ter experiências extraordinárias! Por exemplo, há uma professora de química da USP que dá aula de culinária, porque a área de paixão dela é essa. Então ela quer dar química via culinária. Como também dá matemática via culinária. Porque ela diz para crianças de três ou quatro anos: Me dê metade do açúcar. No outro dia ela pede: Me dê um terço do sal. Ela está dando uma aula de matemática que, em sala de aula, não conseguiria que a criança entendesse…
Uma escola não precisa ser aquilo que nós, tradicionalmente, conhecemos sobre escolas. Nem o que a mídia nos mostra. Nem o que o senso comum dos buscadores da internet vão incutindo em nós. Uma escola sequer precisa receber esse nome. O mesmo para as salas de aula. Mas para conhecê-las – e reconhecê-las – é preciso uma dose extra de esforço, porque não é uma missão das mais fáceis.

Caso você queira ler mais sobre o assunto, recomendo muitíssimo, principalmente neste início de ano letivo, os livros “Escola Sem Sala de Aula“, de onde retirei o trecho transcrito acima, “A Escola Com Que Sempre Sonhei Sem Imaginar Que Pudesse Existir“, de Rubem Alves (esses dois primeiros estão disponíveis aqui no blog), além de “A Primeira e Última Liberdade”, de J. Krishnamurti e “Sociedade Sem Escolas”, de Ivan Illich. Só para começar.

Acredito verdadeiramente que a mudança de consciência de mães, pais e educadores sobre a importância do processo educativo como prática de liberdade e de inserção verdadeira na experiência de vida é o que vai mudar tudo de desumano que temos hoje por aqui. Inclusive, mudando o que os próprios buscadores da internet – representação do que as diferentes mídias nos apontam simbolicamente sobre as coisas – nos apontam como “sala de aula”. A ponto de que a imagem abaixo também nos seja mostrada quando falamos em uma. Ou da ausência dela. Porque, de fato, ela é.

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