Esses dias estava pensando sobre como eu não sabia nada sobre nada quando me tornei mãe. Hoje continuo sabendo bem pouca coisa mas, como dizia o poeta, desconfio de algumas. Foi uma tremenda reviravolta mental e de valores nesses quase quatro anos de descoberta da maternidade.

Por exemplo.
Antes de ficar grávida, eu achava que todo bebê, sem exceção, se alimentava por mamadeira. Achava que mamadeira era item obrigatório no enxoval.
Antes de ficar grávida, eu achava que todo bebê precisava nascer no hospital. Desconhecia qualquer outra possibilidade.
Antes de ficar grávida, eu achava que fralda descartável era uma das maiores invenções da humanidade e que fralda de pano era coisa da época da minha avó.
Antes de ficar grávida, eu achava que a figura mais entendida de bebês se chamava pediatra.
Achava que o único jeito de levar o bebê sempre juntinho era no carrinho. Que carrinho era item obrigatório na lista multimilionária de compras da gravidez.
Achava que lugar de criança tomar banho era a banheira, e só a banheira.
Que colo era um lugar para se estar não por muito tempo porque… vai que vicia, vai que mal acostuma, vai que…
Antes de ficar grávida, eu achava que o lugar obrigatório do bebê dormir era o berço. E que qualquer outra possibilidade seria fadado ao fracasso ou ao mau hábito.
Não problematizava tanto assim a questão da alimentação infantil (embora já achasse altamente bizarro ver criança comer bolacha recheada com coca-cola no café da manhã).
E também achava que lugar de criança pequena era… na escola.

Perdoai-me, ó vida, pois não sabia o que dizia…
E não sabia o que dizia apenas porque nunca havia parado para pensar criticamente sobre nada disso.

Se penso diferente hoje é porque fui aprendendo a toque de caixa, em função da necessidade imediata, da reflexão sobre PORQUÊs. Cada questão surgida, desde então, vem obrigatoriamente acompanhada de um POR QUE?
Tal e qual criança que está descobrindo o mundo.
E isso torna muito evidente que tudo aquilo que trazemos (ou grande parte do que trazemos) vem por osmose do senso comum, como compra involuntária daquilo que a sociedade te vende, via transmissão oral, via mídia, via preconceitos, via comodismo, via tantas outras coisas.
E é só quando conseguimos enxergar isso, que aquilo que te vendem como "é assim porque sempre foi assim" talvez não precise ser, é que conseguimos nos abrir para novas possibilidades. 

Mas por que mamadeira – se eu tenho peitos, se queria amamentar, se o leito que produzia era o melhor alimento para meu filho, de graça, na fonte, sem me tornar refém de mais um item constante de consumo?
Mas por que hospital – se não estou doente, se não tenho uma gravidez de risco, se meu bebê está se desenvolvendo bem?
Mas por que fralda descartável – se há fraldas de pano modernas, se as descartáveis representam grande quantidade de lixo ambiental? (E, a despeito de fazer o questionamento, não tive o traquejo e a sabedoria de deixá-las de lado…).
Mas por que quem entende de criança é o pediatra, se eu é que sou a mãe, se sou eu quem conheço meu filho, se ele não é uma tabela, nem uma média, nem um robô que irá se comportar como todos os outros?
Mas por que sempre no carrinho, se existem os slings?
Por que sempre banheira, se existem os baldes e o colinho debaixo do chuveiro?
E por que não colo, se colo acalma, tranquiliza, é natural e até eu gosto?
E por que berço, se nem eu que sou adulta durmo sozinha? Se eles são pequenos, frágeis e gostam de se sentir seguros e próximo?

Esses dias tenho pensando novamente nisso, em como tudo seria diferente se eu tivesse um segundo filho. Em como eu perderia tão menos tempo, energia e dinheiro com coisas absolutamente desnecessárias e supérfluas e, ao mesmo tempo, ganharia tanto tempo para me dedicar ao que realmente vale a pena, ao que realmente pode melhorar minha vida como mulher mãe e fazer a diferença na minha própria vida e na vida de um filho.
Acho que se tivesse um filho hoje, não compraria nada além de algumas roupinhas. Não gastaria tempo algum pensando sobre quarto, sobre acessórios, sobre superficialidades. Leria tudo aquilo que ainda não li. Escolheria uma prática que me ajudasse a me conectar comigo mesma. E me prepararia – de fato – para um parto respeitoso, para fugir da violência obstétrica.

E todas essas coisas vieram à tona novamente porque, entre outros motivos, enfim consegui concluir a arrumação do quarto da minha filha. Estamos morando em nossa nova casa há pouco mais de um mês e somente agora consegui concluí-lo. E, ao concluir, fiquei alguns momentos olhando para ele, pensando em como foi chegar até aquele formato, como foi bonito e importante abrir mão de crenças sem fundamento para chegar ao modelo que deu certo para nós e que contém alguns dos nossos pensamentos e valores. Pode parecer apenas um quarto, mas é muito mais. É a conjunção de crenças sobre a infância, sobre a vida, sobre as fases de desenvolvimento, sobre economia, sobre valores financeiros, sobre o peso que damos às coisas.
Eis o quartinho em seu formato (quase) final.
 

 
 

 

Esse quartinho diz coisas importantes sobre o que pensamos, aqui em casa, sobre nossa filha, sobre como queremos que ela cresça, sobre o que é importante valorizar.
Aqui não tem grandes valores, nem grandes compras corporativas. Na verdade, de grande empresa aqui só tem o edredon – ainda assim comprado em promoção – e as almofadas azuis – idem.
O restante foi todo pensado para ser pessoal, para representar o que a Clara valoriza e o que nós valorizamos.
É o quarto onde dorme uma menina. E é azul.
Porque queremos que ela cresça sem essa noção sexista que se vê por aí, onde às mulheres está reservado um mundo falsamente cor de rosa e onde brinquedos azuis são tirados da sua mão se você for uma menina.
Um quarto de nuvens porque aqui dorme uma menina que, desde sempre, mostrou grande encantamento pelo céu e que sabe dizer, olhando para ele, em que fase da lua estamos.
Uma cama em um nível baixo para valorizar sua autonomia de ir e vir, sem pedir ajuda para subir ou descer – e sem correr o risco de cair durante o sono. Feita de pallets de madeira, elevada do chão apenas para evitar possíveis umidades ou friagens.
Almofadas quadradas que foram compradas a R$ 3,00 cada uma em uma loja de departamentos (e cuja etiqueta sinalizava "indústria brasileira").
Bandeirinhas e almofadinhas de nuvens feitas por uma artesã de Recife, que encontrei em um desses portais que reúnem artesãs e que escolhi pela beleza do trabalho e da apresentação e, também, pelo bom preço. E que me atendeu com muita gentileza.
Dois dos armários do quarto são feitos de caixa de feira unidas, pintadas em azul com nuvenzinhas brancas e com rodinhas de silicone, para que possam ser transportados facilmente. A arte das caixas foi feita pelas mesmas artesãs que fizeram a cama de pallets, e que conheci em uma tradicional feira de artesanatos aqui em Florianópolis.
Embora não dê para ver, há um grande tapete no quarto, de algodão, feito em tear por artesãs daqui de Florianópolis também. Um tapete branco, azul e lilás – para desespero geral das mães. Sim, um tapete branco em um quarto de criança. Sobre o qual nunca caiu tinta, suco ou qualquer outra coisa que o manchasse definitivamente. E isso porque quando montamos o quarto ainda na outra casa, conversamos com ela e explicamos como as pessoas precisam cuidar de seus quartos. E, embora a bagunça geral seja liberada (e ela bagunce pra valer mesmo), lá ela não come nem brinca com coisas que podem sujar – faz essas coisas em outros lugares da casa. No fim, acho que o tapete acabou sendo o lugar do quarto que ela mais gosta… Passa incontáveis horas dançando sobre ele, como se fosse um palco, e encenando esquetes de peças imaginárias que só ela entende…
Os quadrinhos redondos são, na verdade, bastidores, feitos por mim. Sem qualquer mistério: escolhi tecidos que tinham a ver com o tema do quarto (nuvens), comprei pequenos pedaços, comprei os bastidores (que são muito baratos) e os montei. Fácil, fácil, barato, barato. Uma super ideia para quem quer decorar a casa sem gastar muito. A parede de entrada da sala aqui de casa tem uma coleção deles também, dessa vez feitas por diferentes artesãs e amigas, uma coleção que é o meu xodó.
E ali no canto esquerdo dá para ver um aparelho de som. Esse aparelhinho velho de guerra tem um papel de destaque nesse quarto e na forma como a Clara o utiliza. Ela gosta muito de música, não passa sequer um dia sem ouvir e, então, reservei esse aparelhinho para ela. Por ser já bastante usado, bem velhinho, não tenho qualquer paranoia com ele: ela pode mexer a vontade. E foi assim que aprendeu, sozinha, a colocar o CD que quer ouvir, na hora que quer ouvir, e mudar quando tem vontade. Sempre que chega um amiguinho, ela coloca uma música e dançam juntos, virou um elemento agregador. E ela tem uma coleção muito bacana de CDs infantis, que fomos garimpando por aí.

Eu jamais poderia imaginar, antes de ser mãe, que montar um quarto para um filho pudesse ser algo econômico, personalizado e que contasse uma história, a história sobre o que se valoriza naquela casa. Mas hoje vejo que pode ser assim também. Que não precisa ser aquela coisa sempre igual de berço-cama-guarda roupa (aliás, o guarda roupa dela é uma cristaleira de madeira, linda, que foi dada por alguém a quem consideramos como seu padrinho, e que foi comprada em uma loja que vende artigos de demolição). Não precisa ser caro, não precisa ter luxo, não precisa ter nada que, de fato, a criança não vá usar. Na verdade, nem precisa ter. Mas, tendo, é possível fazer tudo com economia e muito toque de mãe e pai.
Clara tem 3 anos e dorme em seu próprio quarto há apenas seis meses, tendo ido espontaneamente depois de compartilhar o quarto com seus pais desde que nasceu. Sem choro, sem drama, sem luta.

Eu terminei de colocar os bastidores – as últimas coisas que faltavam – no dia em que escrevo isso. Ela estava na natação com seu pai e eu já havia terminado minhas atividades acadêmicas. Fiz uma pausa, peguei os tecidos, os bastidores e a tesoura, montei e preguei na parede. Quando ela chegou, disse a ela que tinha uma surpresa no quarto. Ela subiu rapidamente e, ao ver a novidade, puxou o ar com toda força, me abraçou e disse "Obaaaa! Muito demais, mamãe! Quadrinhos de nuvens no meu quarto de nuvens. Obrigada". Chamou o pai para ver e disse: "A mamãe que fez, papai", toda feliz.
Poucas coisas dão o gosto de orgulho que fazer as coisas para um filho dá, colocando seu amor e criatividade ali.

Antes de ser mãe, eu achava que não seria capaz de fazer essas coisas. Achava até meio bobagem.
Hoje… Bom, hoje estou sempre pensando em como melhorar as coisas para ela, em como tornar tudo mais aconchegante para que ela se sinta à vontade e confortável.
E vai ver que é também por isso que ela sempre me diz:

"Mamãe, sabe uma coisa? Eu tenho um presente pra você. Um céu de estrelas no seu quarto…"

E me abraça bem apertado.
Das coisas que a gente não pode nem imaginar antes de ser mãe…

 

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