Pessoas e instituições excluem crianças de: imóveis que estão para alugar; espaços de ensino e aprendizagem; feiras e convenções; eventos; espaços comuns de convivência em condomínios; restaurantes; locais de hospedagem, e inúmeros outros espaços. E esse comportamento de não querer criança, não gostar de criança, não tolerar criança, não é algo novo em nossa história, ao contrário do que muitos pensam. O pessoal diz por aí que os tempos têm estimulado o ódio nas pessoas e que por isso as crianças estão sendo tão agredidas e excluídas. Mas isso não é verdade. Acreditem: se agora as coisas para as crianças parecem ruins, já foi muito pior. E é isso que me move a crer que, sim, nós vamos conseguir melhorar ainda mais.

Crianças sempre foram excluídas agredidas, oprimidas e violentadas. A história da defesa dos direitos das crianças é muito recente. Agredi-las moral ou fisicamente sempre foi prática corrente, tida como educação e legitimada por muitos. Inúmeros relatos de agressão estão presentes em obras de valor histórico, principalmente obras de cunho religioso. Essa banalização da violência contra a criança faz com que as pessoas aceitem com naturalidade diferentes formas de violência contra elas. O infanticídio foi adotado como prática corrente em muitas sociedades, como forma de eliminar do convívio crianças que nasciam com deficiências, ou de controlar o número populacional, ou a proporção entre os sexos, ou por não serem capazes de acompanhar os adultos em demandas extremas. Em outras épocas históricas, era aceitável que um pai pudesse reconhecer ou não o direito de viver de seu filho, assim como de determinar se deveria ou não morrer. Hoje, tais medidas nos espantam e provocam estranhamento. Porém, aceitamos com facilidade outras formas de opressão contra as crianças. Tal como excluí-las, de maneira banalizada e trivial, da convivência em função de suas características. Tem se tornado muito comum nos dias atuais, marcados pelo avanço de uma onda fascista de total exclusão de direitos, que pessoas se sintam à vontade para manifestar sua repulsa às crianças. E isso passa, muitas vezes, sem maiores indagações, como se fosse aceitável. Quando não o é. Hoje, qualquer pessoa que exclua outra, adulta, de ambientes sociais de convivência, é exposta e tem seu comportamento discriminatório evidenciado, muitas vezes sendo passível de punição legal. Porém, quando se trata de uma criança, há aceitação e naturalização de sua exclusão.

Com argumentos baseados em egoísmo e individualismo, como  Não sou obrigado a conviver com as crianças, ou “Tenho direito de vir jantar sem ser incomodado por crianças”, que seriam vistos como inaceitáveis quando dirigidos a adultos, pessoas acreditam estar em seu direito e defendem a si próprios, banalizando o mal que se esconde na exclusão de outras pessoas. Mas se esquecem de algo muito básico para uma espécie – a humana – que vive em sociedade: sim, você é obrigado a conviver com todos que co-existem ao seu redor.

“Eu tenho direito de não querer criança por perto” – A banalização do mal

Não podemos aceitar a exclusão das crianças apenas porque a sociedade assim o faz, porque a empresa assim mandou, porque a universidade não permitiu, porque o condomínio não as aceita. Fazer isso, aceitar a exclusão, é banalizar o mal, como discutiu Hannah Arendt. TEMOS QUE QUESTIONAR. Ainda que não nos seja confortável. É preciso questionar quando o que está em jogo são outras pessoas, especialmente os que não podem se defender de maneira assertiva. A banalização do mal está em praticarmos o mal cotidianamente, como um ato qualquer. E muitas vezes não fazemos isso porque queremos ser maus. Fazemos isso por falta de reflexão ativa sobre atos e consequências dos atos. Você, que aluga imóveis, já pensou sobre o mal que está fazendo a famílias que têm muito mais dificuldade para encontrar um lugar para morar quando têm crianças? Já pensou em como uma criança se sente ao ouvir sistematicamente que ali ela não pode morar? Você, que não aceita crianças em sua pousada, já pensou em como está agindo de maneira discriminatória por motivos capitalistas? Você, que exclui ou aceita a exclusão das crianças, já refletiu verdadeiramente sobre como está sendo preconceituoso? Pois é justamente quando as pessoas não pensam sobre as consequências de seus atos que o mal é praticado e banalizado. Quem exclui crianças não é um monstro, um ser antissocial. É uma pessoa comum que não pensou adequadamente sobre seu papel no mundo e as consequências de suas ações. Como Hannah Arendt chamou, são pessoas tomadas por um “vazio do pensamento”. E é por isso que estamos aqui. Queremos que as pessoas passem a pensar mais na vida… Quando você pensa sobre as consequências da exclusão de pessoas que nada de ruim têm feito aos outros e vê como isso não é e nunca será aceitável, quando você sai do clichê, quando você questiona o preconceituoso, quando você não aceita, nos domínios do seu círculo pessoal, quem discrimina, você sai do ciclo da banalização do mal. Você já está lutando contra ela.

A exclusão das crianças: filha do patriarcado, dos valores capitalistas, do higienismo e da propriedade privada

A exclusão das crianças é bastante comum em sociedades patricarcais  – como a nossa. E isso porque nessas sociedades, os valores predominantes são os que enaltecem o homem – patriarca – e o capital. Assim, se você não é o primeiro ou não está a serviço do segundo, você não tem valor. E crianças preenchem ambas as condições. Nesta linha de raciocínio, em épocas em que a exploração do trabalho infantil era prática comumente aceita, as crianças contavam com maiores medidas de proteção do que hoje. E não porque seus direitos à liberdade, integridade e proteção fossem reconhecidos. Mas porque eram vistas como meios para um fim: ferramentas de trabalho.

A defesa do “não ser incomodado” tem uma base higienista e tem grande relação com o conceito de propriedade privada. É meu, eu mando. Eu pago, eu mando. Tô pagando, quero do meu jeito. O que é absolutamente elitista e classista. Entenda aqui que o fato de você poder pagar por algo não te faz dono das pessoas ao redor. Embora seja isso o que muitas pessoas desejam, você não terá o controle da sociedade em que vive, seja no micro seja no macro. Portanto, meu caro, aprenda urgentemente a lidar com as pessoas que co-habitam em seu espaço. A noção de propriedade privada implica na subordinação, especialmente da mulher e da criança, aos interesses patriarcais. Veja até onde precisamos ir para discutir a questão da exclusão das crianças…

A sociedade quer tornar as crianças invisíveis. Faz isso por meio da prescrição desenfreada de Ritalina como ferramenta de controle, faz isso pelo impedimento de tê-las em diferentes locais, faz isso pelo constrangimento às mulheres mães, faz isso pelo incentivo à violência. Nós só aceitamos as crianças ao nosso redor quando estão “de acordo” com o que esperamos delas, quando estão “moldadas” ao que consideramos “adequado”. O que não deixa de ser uma prática higienista, que exclui pessoas e seus direitos em função do desejo de um grupo que paga, que detém o capital. É considerada uma “criança boazinha” aquela que cala, que consente, que se mantém imóvel, que não questiona, que brinca em silêncio, ou nem brinca, que obedece a todas as ordens.

Muitos argumentam que as crianças estão “sem limites”. Porém, o que são limites? É um conceito onde há consenso? O que é um limite aceitável para mim também é para você? Assim, como podemos exigir das crianças que cumpram “limites” subjetivos? Outra questão: crianças são criadas por adultos. Se elas não estão sendo bem orientadas, não é justo com elas que sejam duplamente vitimizadas e culpabilizadas. Mais uma questão: há mais crianças ou adultos sem noções de limites? De quem é a autoria das centenas de comentários agressivos, cheios de ódio e ignorância que vemos diariamente nas redes sociais? Não são de crianças, são de adultos. Portanto me parece que há imensa maior proporção de adultos sem qualquer noção de limite do que crianças. E, ainda assim, esses seres possuem seu direito de ir e vir garantido, e temos que conviver com eles – ainda que não queiramos. E por que, então, esse livre direito de ser e estar é garantido a seres desprovidos de qualquer noção crítica de civilidade, ao contrário do que acontece com as crianças? Oras, porque vivemos na sociedade de consumo, onde tem valor quem paga, quem compra. Se crianças não são as detentoras deste poder capital, podemos excluí-las livremente. Se elas não possuem voz ativa nesta sociedade adultocêntrica, então tudo bem silenciá-las sempre e cada vez mais, das mais diversas formas. É assim que pensa a sociedade atual. É nisso que se baseia quem naturaliza a exclusão das crianças.

“Ninguém e obrigado a conviver com birras e falta de educação”

Não é o que me parece, quando somos diariamente obrigados a conviver com adultos totalmente desprovidos de “educação”, considerando que estejamos chamando de “educação” a capacidade de respeitar o direito dos outros. Somos obrigados sim a conviver com essas pessoas, vivemos isso todos os dias. No limite de velocidade extrapolado. No xingamento do trânsito. Na pessoa que fura a fila. No comentarista de rede social que chama todo mundo do que quiser chamar. No colunista mimado, grosseiro e preconceituoso da revista. Na alienação parental tão comum. Nas agressões morais que tantas pessoas sofrem. No último volume do aparelho de som, obrigando toda a vizinhança a ouvir o que você quer ouvir. Na mesa do restaurante onde todos gritam, desconsiderando os demais à sua volta. E todos adultos. Por que os toleramos e não às crianças? Por um claro exercício de poder. Porque a sociedade é historicamente adultocêntrica, e vê a criança como inferior. Ou você, que oprime e agride crianças, tem a mesma coragem para fazer isso também com um adulto? O que diferencia as situações?

Ah, mas as crianças são birrentas”. E como você está classificando essa birra sem saber se é uma birra, ou uma tristeza, ou uma angústia? Haverá ali uma criança com dor? Uma família em sofrimento? Você teve sensibilidade o suficiente para questionar-se sobre isso? A criança não sabe se expressar com a eficiência com que nós adultos sabemos (ou deveríamos saber), portanto sua forma de expressão pode estar sendo rotulada equivocadamente como birra. Não querer que uma criança expresse sua birra é não querer e não permitir que ela se expresse. E o motivo de não querer ver uma criança expressando seus anseios é o mesmo que faz com que a maioria das pessoas, pelo menos aqui no Brasil, considere os problemas das famílias como “do domínio do privado”. Porque não queremos nos sentir responsáveis pelas outras pessoas. Quando somos…

 

 “Os pais têm preguiça de educar”

Pode ser que sim. Mas aí também entra o julgamento, tão fácil quando nos falta empatia. É muito mais fácil olhar para o outro e julgá-lo pelo que achamos que deixa de fazer do que voltar o dedo para si e reconhecer: VOCÊ NÃO SABE LIDAR COM CRIANÇA. Fato. “Ah, mas eu não sou obrigada”. Sim, é. Se nós somos obrigados a conviver com pessoas que não se sentem responsáveis pelos outros, então essas pessoas também são obrigadas a conviver com todos, crianças inclusive. Não querer conviver com criança, não gostar de criança, não tolerar criança tem um nome bem incômodo: PEDOFOBIA.

Exclusão das crianças: exercício de controle dos OUTROS

De maneira geral, a sociedade rejeita a discussão sobre a descriminalização do aborto e, quando assim o faz, invoca a plenos pulmões os direitos das crianças. Oras, deixemos de hipocrisia. Esta é a mesma sociedade que vê com naturalidade a exclusão das crianças de ambientes onde não as julgam interessantes. Então parece bastante claro que o que interessa mesmo é o CONTROLE. Controlar os comportamentos das pessoas. Controlar os comportamentos das pessoas ao que NÓS julgamos como adequado. E não importa que o que é adequado para mim não o seja para você. Nesta sociedade egoísta, o outro não parece ser muito importante. Especialmente o outro que não consome. Não é compreensível nem eticamente coerente uma sociedade que criminaliza mulheres que buscam exercer seus direitos reprodutivos, porém não acolhe as crianças filhas dessas mesmas mulheres…

A incapacidade de aceitar a diferença

Crianças são seres subversivos. Elas não estão muito aí para regras quanto nós, adultos, estamos. São seres espontâneos, que aprendem pela experiência direta e por meio de perguntas, muitas perguntas. E isso não é muito bem aceito numa sociedade de aparências, que rejeita o aprofundamento das questões. Crianças se diferenciam dos adultos não apenas na idade e no tamanho, mas especialmente na capacidade de fazer questionamentos e espantar-se com as coisas do mundo. Isso tudo é muito diferente para nós, adultos. Se nós, nos dias atuais, já temos dificuldade de aceitar e compreender um adulto que é diferente de nós, imagine a dificuldade de compreender quem é diferente em todos os sentidos? A incapacidade de aceitar a infância e o que ela traz consigo reflete nossa incapacidade de aceitar e de nos adaptarmos às diferenças.

Por que não posso alugar este imóvel se tenho uma criança? A resposta que nos é dada é: crianças fazem barulhos naturalmente, crianças são agitadas, crianças perturbam a paz, crianças são DIFERENTES dos adultos. Digo sem medo de errar que a grande maioria dos distúrbios da paz de condomínios se dá pela atividade de adultos. Música alta. Saltos sendo utilizados sem critério. Gritos de discussões. Buzinas. Gente que joga lixo onde não se deve jogar. Brigas entre vizinhos. E, no entanto, são todos bem aceitos. Claro, eles pagam… Claro, eles são mais parecidos com a gente… Crianças não. Crianças são diferentes em tudo. Então, sim, nós não estamos sabendo lidar com as diferenças.

Sim, as crianças conseguem entender e aprender

Não adianta eu ir lá falar com as crianças, criança não entende nada”. Errado. Criança entende sim. E entende mais quanto mais nos esforçamos para ensiná-las.  O que criança não entende é linguagem adultocêntrica, ou fora da sua realidade. Experimente jogar uma real para as crianças, de maneira direta porém cordial. Experimente pedir a ajuda delas para algo. São grandes as chances de termos pequenos aliados que compreendem nossas orientações. Também é discriminação contra a criança achar que ela não é capaz de algo, que ela não  irá conseguir algo jamais.  Dê uma chance às crianças. O mundo tem estado muito acostumado a não acreditar nelas…

Crianças mostram a própria fragilidade do adulto

Hoje, nossa sociedade valoriza a independência e a autosuficiência. O que em outras palavras significa que é julgado como mais valoroso aquele que não depende dos outros e não se mostra vulnerável, e isso exatamente porque não sabemos lidar com um fato extremamente básico: somos todos dependentes. Somos todos vulneráveis. E como isso nos deixa inseguros, negamos. E negamos tudo aquilo e todos aqueles que nos lembram desse nosso temor. E as crianças são lembretes diários de nossa própria fragilidade, dependência e vulnerabilidade. Por isso, também, a sociedade as nega e não as aceita.

A presença de uma criança nos obriga a aprender a lidar com o imprevisível, com a quebra de normas e regras. E poucos de nós estão preparados para isso. São elas as erradas por não se enquadrarem cegamente às regras ou nós por estarmos despreparados para acolhê-las?

Negar a criança é negar a si mesmo, posto que todos sem exceção já fomos um dia. Dizer que não suporta criança é o mesmo que dizer que não suporta ou não suportou uma fase ou parte de si. Neste caso, um exercício crítico e avaliativo é imprescindível, a fim de identificar a origem deste ódio destinado a seres tão vulneráveis quanto as crianças. Crianças mostram a própria fragilidade do adulto. E isso dói nas crianças insuficientemente amadas que os adultos foram…

Excluir crianças de espaços de convivência é DISCRIMINAÇÃO

As crianças podem ser excluídas dos espaços de duas formas: por discriminação direta ou indireta.  Discriminação direta é quando se proíbe a entrada de crianças em ambientes que não representam qualquer risco a elas, como restaurantes, lojas, espaços de aprendizagem. Discriminação indireta acontece quando não se proíbe a presença de crianças de maneira explícita, mas dificulta-se sua presença no local, como não proteção de locais perigosos, como exclusão de mulheres mães, como não oferta de acolhimento, entre outras situações. E todas essas formas de discriminação são muito graves. Não podem ser contemporizadas. E por que? Porque o direito à não discriminação é o cerne da luta pelos direitos humanos em todo o mundo. Nós lutamos todos os dias contra a discriminação das pessoas. Por que, então, vamos aceitar a discriminação das crianças? Não discriminar as crianças é agir de acordo com o princípio da igualdade. O princípio da igualdade não subentende que crianças e adultos devam ser tratados de maneira igual. Mas que ambos têm igual direito de ter acesso às oportunidades e espaços.

Todos os principais sistemas de proteção de direitos humanos, tais como as leis das Nações Unidas, as convenções de direitos humanos, os tratados da Convenção Europeia de Direitos Humanos, entre tantas outras instituições, proíbem a discriminação e se baseiam no fundamento da igualdade. Portanto, não é possível discriminar crianças sem infringir tratados, leis e convenções que garantem o respeito aos direitos humanos. Não ser discriminado e ser protegido contra discriminação é um direito humano inalienável. Crianças não estão isentas do cumprimento deste direito, pelo contrário: elas compõem um grupo prioritário em sua garantia.

Já caminhamos relativamente bem no reconhecimento da discriminação que acontece com base na idade. Um exemplo é a conquista de direitos especiais a pessoas idosas. Mas ainda não caminhamos quanto precisamos caminhar na conquista dos direitos das crianças. E a luta contra a discriminação infantil é uma prioridade imediata e urgente.

Lutar pela eliminação da discriminação de pessoas significa olhar com mais atenção para grupos que são vítimas históricas de preconceito. E as crianças fazem parte deste grupo de vítimas. É pertinente lembrar, inclusive, que um dos primeiros casos registrados de defesa de criança violentada foi feito, ainda no século XIX, não por uma sociedade de proteção à infância. Mas por uma sociedade protetora dos animais. As sociedades protetoras dos animais surgiram muito antes das de proteção à infância. Isso diz muito sobre que tipo de olhar destinamos historicamente às crianças…

Vamos esperar criar leis que punam a exclusão? Não, vamos agir agora!

Vamos esperar que medidas legais sejam criadas para impedir que as crianças sejam discriminadas ou vamos agir com base no bom senso e no respeito aos direitos de todas as pessoas, independente de sua idade? Vamos gastar dinheiro público que poderia ser utilizado para outros fins para fazer aquilo que podemos fazer sem isso? Vamos sempre esperar que nos legislem? Será que só funcionamos de maneira a não promover o dano social se houver leis que nos obriguem a isso? Não. Vamos agir agora. Todos. Vamos contribuir para a mudança de perspectiva. Está faltando empatia e comportamento pró-ativo para bem acolher as crianças. Está faltando a sociedade ser madura emocionalmente para conversas positivas com vizinhos. Está faltando sensibilidade para substituir o xingamento ao bebê que passa a madrugada chorando (ou aos seus cuidadores) pela atitude pró-ativa de oferecer ajuda, de perguntar se precisam de algo, de mostrar-se interessado pelas pessoas. Está faltando que os adultos se coloquem em seus lugares de educadores – todos, sem exceção.

Vamos abordar as crianças com gentileza, confiando nelas.

“Gente, chega mais. Vou explicar uma coisa pra vocês. É o seguinte. Será que vocês podem brincar um pouco mais pra lá, ou de repente brincar em volume um pouco mais baixo? É que aqui nesse bloco tem velhinho, tem bebê que nasceu faz pouco tempo, tem gente muito cansada, e aí eles não conseguem descansar. Podemos então transferir pra outro lugar? Obrigada, pessoal. Valeu mesmo”. Sobe, faz pipoca, leva pra galera, em agradecimento pela gentileza. Ou qualquer outra coisa que mostre a eles como você está grato por ter sido ouvido.

Vamos abordar outras famílias com delicadeza e empatia. Poxa, somos seres sociais, vamos lá, vamos fazer esse exercício.

“Olá, boa noite. Desculpe interromper. As crianças estão correndo ali perto dos garçons e pode ser perigoso pra elas, de repente vira um prato quente, ou qualquer coisa assim. Será que eu poderia pedir a elas que viessem mais pra cá?”.

Vamos exercitar a empatia. Está faltando a gente aprender a ser empático. Está faltando agir em comunidade, bater na porta do vizinho e dizer:

“Oi Ana, tudo bem? Seguinte, os meninos estão derrubando tudo quanto é lixo ali. Você quer que eu dê uma força e converse numa boa com eles?”. E ir lá, e conversar com eles, e fazer um esforço no sentido de colaborar. Sem essa de cobrar DOS OUTROS que ajam sobre as crianças. Participe. Peça permissão aos cuidadores e vá lá, mostre-se atuante na sua realidade.

Vamos fazer reuniões inclusivas.

“Pessoal, vamos fazer uma pequena reunião de condomínio pra conversar com as crianças e entrar num acordo sobre barulho, brincadeiras e tal. Queremos que as crianças participem. Queremos ouvi-las.”. Vamos ouvir as crianças. Vamos pedir que nos ouçam. Isso é muito melhor do que chegar com um calhamaço de regras impostas por adultos que não sabem como funciona a dinâmica das crianças daquele lugar. Vamos incluir as crianças nos processos de decisão. A participação das crianças tem sido reconhecida como positiva nas Nações Unidas, por que não o seriam num condomínio?!

Vamos imprimir este texto e entregar, gentilmente, nas mãos dos proprietários de imóveis que proíbem crianças.

Estive aqui semana passada, mas o senhor me informou que infelizmente não aluga para quem tem crianças. Compreendo seus motivos. Mas gostaria de deixar um convite aqui para uma reflexão. Muito obrigada, viu?”.

Ah, mas não sou obrigado”. Amigo, já desconstruímos essa frase e mostramos que sim, você é obrigado. Mas não queremos que você se sinta obrigado. Queremos que você se sinta convidado. Dê uma chance às pessoas ao seu redor. Olhe para as crianças com menos rancor, com mais empatia, converse, olho no olho, ajude, colabore. Que tipo de mundo você está querendo, afinal? Se seu mundo ideal envolve apenas você e seus interesses, então é um problema seu, não das crianças. Tentar resolver esse problema pode ser muito bom pra você. “Ah, mas tem adulto que não gosta que a gente interfira”. É verdade. Tem mesmo. Mas mesmo assim, faça a sua parte. Vamos fazer o que for de nossa responsabilidade. Vamos agir dentro dos nossos domínios.

Deixei para o fim algo extremamente importante e que não pode deixar de ser discutido, justamente para que você não se esqueça. Sim, a naturalização da exclusão das crianças faz diariamente milhares de vítimas. Mas essas vítimas são, em sua grande maioria, crianças negras, crianças pobres e crianças da periferia. Quando aceitamos a exclusão das crianças como algo natural e normal, nós agravamos ainda mais a situação social de crianças que fazem parte de grupos sobre os quais são depositados séculos de violências, crueldades e exclusões. Quando naturalizamos a exclusão das crianças, damos a racistas, a elitistas, a meritocratas legitimação para que excluam crianças negras, pobres e da periferia utilizando argumentos que todas as pessoas usam para se referir às crianças em geral. A naturalização da exclusão das crianças, portanto, atua como manto invisibilizador do racismo e de outras formas criminosas de preconceito e discriminação.

E então? Vamos aceitar que os direitos humanos sejam apenas os direitos de adultos? Vamos manter as vantagens dos adultos e adiar a equidade das crianças?

Não.

Vamos proteger as crianças. Vamos aceitar as crianças. Vamos incluir as crianças.

O que você pode fazer já, em seu condomínio, em sua universidade, em seu bairro, em sua empresa, para diminuir essa desigualdade de acesso? Vamos fazer.

Não duvide de sua própria capacidade de fazer a diferença. No agora.

 

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