Tirinha de um ótimo site que visito há muito tempo, o PhD Comics, de Piled, Higher and Deeper.
Clique para ampliar. Tradução livre feita por mim mesma.

Entrei na universidade em 1996 e passei 13 anos nesse mundo, quase ininterruptos, uma vez que durante os poucos anos que não estive oficialmente vinculada ainda assim mantive algum tipo de vínculo informal com o modus operandi do sistema. No final de 2009 saí e no meio de 2011 retornei. São muitos anos de formação, para concluir que esse não é o melhor lugar para estar durante quase metade da sua vida. Não. Obviamente não levei todos esses anos para concluir isso, concluí muito antes. Ainda assim, se voltei (e não voltei apenas uma vez, voltei duas vezes), é porque eu ainda acredito que é possível fazer um bom trabalho dentro desse sistema. E meu conceito de “bom trabalho” não se reduz a produtividade e publicação. Na verdade, voltei porque, além de acreditar que é possível, vivemos num país que não respeita ou valoriza pesquisa científica fora dos muros das universidades. Lembro-me que, quando surgiu a primeira semente do projeto que estou começando a desenvolver agora, recebi alguns NÃOs pelo fato de não estar oficialmente vinculada ao sistema. Pronto. Agora estou. Minha forma de trabalho irá mudar pelo fato de estar “regularmente matriculada”? Não. Porque sou ética e tenho muito respeito pela metodologia da pesquisa científica. Sou a mesma pessoa. Mas agora tenho um número e, brevemente, uma carteirinha. Agora sou confiável…
Encontrei, nas diferentes universidades pelas quais passei, pessoas com os mais variados perfis.
Profissionais altamente produtivos cientificamente que eram maus professores.
Excelentes professores que não produziam tanto cientificamente.
Excelentes professores que eram máquinas de produção científica.
Professores bons que eram bons pesquisadores e prezavam pelo bom relacionamento professor-aluno.
Professores bons que eram maus pesquisadores, embora prezassem pelo bom relacionamento de trabalho.
Péssimos professores que eram bons pesquisadores e não prezavam nada.
E as demais combinações possíveis.
Fui orientada apenas por mulheres. Professoras, pesquisadoras, mulheres com diferentes perfis. E nunca tive graves problemas, apenas os naturais dentro de uma relação orientador-aluno. Acredito que isso tenha acontecido porque eu valorizo muito o elemento humano, além de não ter vocação pra capacho e de não admitir nenhum desmando autoritário e injustificado pra cima de mim. Acertei em todas as escolhas. Tive um ou outro probleminha, que sempre procurei resolver, e tenho a grande alegria de tê-las como minhas amigas pessoais.
Mas nesse caminho, de vez em quando a gente esbarra em gente que não te vê como gente, te vê como um cérebro a serviço de seus próprios interesses ou dos interesses da máquina. Mesmo quando você não é mais aluno, é difícil perder o estigma de que você já foi um dia. Para essas pessoas, se você virou aluno – principalmente de pós-graduação strictu sensu -, você não precisa ser tão respeitado assim, vá…
Na semana passada, encontrei duas pessoas na universidade, no mesmo dia. Docentes. A pessoa 1 trabalhou comigo durante uma parte de minha formação – na real, eu trabalhei com essa pessoa. Ou PARA essa pessoa. Com a pessoa 2, trabalhamos juntos num projeto no início do meu doutorado. A pessoa 1 trabalha numa área que não te valoriza pelo qualidade do seu trabalho e do seu envolvimento e, sim, pelo número de artigos que você gera ao final. A pessoa 2 preza pela qualidade do trabalho, pelo valor humano, pelo grau de envolvimento. Pela publicação ao final também, mas ela não é um fim em si mesmo.
Encontrei a pessoa 1.
– Oi pessoa 1! Que bom revê-lo! – estou sendo sincera, foi bom revê-lo, foi uma pessoa importante pra mim.
– Oi Ligia, quer dizer que você está aqui de novo… Que bom, preciso mesmo te perguntar sobre um arquivo que eu pensei que tinha mas não tenho.
Assim. Sem lubrificante. Me viu e enxergou meu número de matrícula. Esqueceu que eu não sou mais sua aluna e, muito pior, esqueceu que existe cordialidade.
Não consegui disfarçar. Dei uma risadinha, respondi no automatismo, disse que tinha aula e estava atrasada, e tudo de bom, até mais ver. Desapontada. Embora devesse estar preparada para isso…
No final da tarde, encontrei a pessoa 2. Pois foi ela quem me cumprimentou.
–  Ligia! Que bom te ver aqui de novo! Fiquei sabendo que voltou às salas de aula. Bem-vinda de volta. E como está a filha?
Se as duas pessoas estivessem concorrendo à mesma vaga para docente em uma universidade pública, a primeira seria facilmente contratada em função de seu currículo praticamente insuperável. Formaria dezenas (ou centenas) de alunos – como formou – com base no que essa pessoa tem pra dar: conhecimento técnico.
E então eu me pergunto: em que parte do currículo está a indicação da contribuição à formação humana que uma pessoa pode dar?
Quantos desses formadores técnicos existem na universidade para cada formador humano?
Quem está formando os futuros profissionais nas melhores universidades brasileiras?
Quando eu era criança, ao invés dos professores me levarem à diretoria, eu mesma ia, reclamar da má atuação deles.
E agora, que eu virei adulta?
Com quem eu falo?
Eu gostaria de viver num mundo em que “educador” e “professor” fossem sinônimos.

“Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente”
Paulo Freire

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