Falar sobre violência infantil é uma coisa muito difícil para mim, que não assisto nem leio notícias que falam sobre maus tratos a crianças. 
Não gosto de saber, não gosto de ver, não gosto nem de ouvir falar. 
Perdi as contas de quantas vezes já me intrometi em um ato de violência contra criança, na rua. Já chamei o conselho tutelar para denunciar vizinhos que espancavam seus filhos. E farei isso sempre que precisar. Para mim, bater em criança é uma coisa inadmissível, horrível, cruel, injusta e pronto. Sem discussão. Nada justifica.

A questão é que, quando se fala em violência infantil, logo se pensa numa criança tomando porrada. Falo assim bem claramente mesmo, sem florear a coisa, porque esse assunto não pode ser floreado. Criança que sofre abuso físico é criança que toma porrada.

Mas violência física não é a única forma de violência infantil. Na verdade, talvez seja a mais simples de ser combatida, porque ela deixa marca, deixa roxo, deixa marca de cinta, deixa marca de tapa, de beliscão, de cigarro e de todo tipo de baixeza torpe. E, vendo, é mais fácil de saber que está acontecendo. Mas como violência infantil ainda se incluem negligência e violência psicológica ou emocional. E essas são as mais difíceis de serem combatidas. São camufladas. Não deixam marcas visíveis. E, no entanto, marcam tanto quanto – ou mais… Chego a dizer que a violência emocional, psíquica, chega a ser mais deletéria que a física, porque mexe com o modo como a criança se vê no mundo.

Criança que sofre esse tipo de violência passa a questionar seu valor, a se achar incapaz de ser amada. Ela não entende como aquela pessoa que mais deveria amá-la pode dizer aquelas coisas para ela, ou ameaçá-la, ou tratá-la com desprezo, ou humilhá-la, ou privá-la de amor. Fica pensando “Por que? Por que?” sem que encontre a resposta. Às vezes, como resposta, convence-se de que é porque ela merece. E talvez cresça achando que merece ser tratada assim. E criança alguma merece crescer pensando isso…

O Conselho Americano de Pediatria alertou, em 2002, que crianças submetidas a violência psicológica podem apresentar os seguintes traços: medo, baixa estima, sintomas de ansiedade, depressão, pensamentos suicidas, instabilidade emocional, problemas em controlar impulso e raiva, transtorno alimentar, abuso de substâncias, comportamento anti-social, problema de apego, entre outros problemas.

Aí tem gente que pergunta assim: por que algumas pessoas levam uma vida normal mesmo tendo sido submetidas à violência quando crianças, enquanto outros viram delinquentes ou desenvolvem problemas severos?
Entra aí uma ideia ainda pouco discutida que é o conceito de resiliência. Ser resiliente significa ter a habilidade de se adaptar, com êxito, a eventos estressantes, mesmo tendo sido um indivíduo exposto a fatores de risco. Em outras palavras, seria a habilidade de continuar com uma baixa suscetibilidade a futuros estressores, mesmo tendo sido exposto a um. Ou ainda, seria conseguir se recuperar de uma adversidade, se adaptar e ter uma vida significativa e produtiva “a despeito de”.

Existem indivíduos mais resilientes, outros menos – ou nada – resilientes. Os primeiros são os “duro na queda”: envergam com dificuldade, quebram raramente, aguentam aparentemente tudo sem muitos danos aparentes. Os segundos são os mais frágeis, os que adoecem (física ou mentalmente) ao menor estresse, que não têm uma estrutura emocional capaz de aguentar muito tranco.

Por que essa diferença?
O que faz com que as pessoas sejam assim diferentes nesse aspecto?
A explicação está (como não poderia deixar de ser) no cérebro.
Qual a diferença entre o cérebro de uma pessoa mais resiliente e o de uma menos resiliente? Ainda não se sabe exatamente, embora se saiba que envolve complexos mecanismos de neuroplasticidade e neurogênese em estruturas-chaves do sistema que controla a resposta ao estresse.
E como saber se uma criança faz parte do time dos mais resilientes ou dos menos resilientes? Não, não tem como saber. Talvez só se saiba mesmo lá na frente… O resiliente levará uma vida aparentemente normal. O não-resiliente talvez tenha uma vida completamente desestruturada. Mas uma coisa é certa: AMBOS sofrerão com as lembranças da violência a que foram submetidos. Porque ser resiliente não afasta o sofrimento de saber que alguém te tratou mal, te machucou e te fez chorar até dormir…

Esse ano rolou uma polêmica grande sobre a lei da palmada. Muita gente criticou o fato do governo querer se intrometer em assuntos familiares (como se já não se intrometesse…). Outros foram contra, dizendo que palmada serve pra educar ou dar um “susto” na criança, evitando que ela perca os limites. Na verdade, a lei não regulamenta, simplesmente, a palmada. Ela fortalece o direito de crianças e adolescentes de serem cuidados e educados sem o uso de castigos corporais ou tratamento cruel.

Muita gente atribui a violência contra criança à falta de instrução, de educação, à privação financeira ou ao fato de ter sido agredido quando criança. Mas NADA disso serve como justificativa. Muita gente passou por essas condições e é incapaz de fazer mal a uma criança. Qual a diferença entre esses dois tipos de pessoas? Simples!
Não, não é cérebro não.
É coração…

… olho pra minha filha dormindo e cada vez mais me pergunto: como pode alguém surrar um filho?

Essa é uma postagem retroativa ao dia 19 de novembro, dia nacional de combate à violência contra crianças e adolescentes.
Sim, sou uma pessoa bizarra: não deixo bebê chorar desnecessariamente, sou a favor da amamentação exclusiva até os 6 meses e continuada, minha filha está quase sempre no colo ou no sling, e ela não apanhará de mim nem do pai. Acho que o melhor tratamento pra tudo é o amor. Em doses alopáticas. “Moderninha”, né? É.
Como se amor, respeito à condição humana e valores baseados em afeto fossem coisas da modernidade…

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