Como cientista, um dos meus principais interesses é tentar explicar como as coisas da vida funcionam. Explicar partindo do ponto de vista de que ninguém sabe tudo nem é obrigado a saber e que, se a humanidade ainda tiver jeito – e eu torço para que sim -, as pessoas desejam saber mais sobre todas as coisas para melhorar seus pontos de vista. E neste ponto, vou ignorar a onda obscurantista, que nega explicações coerentes e cientificamente embasadas para tentar defender absurdos só porque leram no grupo de whatsapp do condomínio que 1 + 1 é 11 ou que a terra é plana, por exemplo. E vou focar na esperança de que, muitas vezes, as pessoas só propagam conceitos equivocados porque não tiveram acesso a outro tipo de debate. 

Então vamos lá. Hoje eu vou explicar por quê a frase “PARABÉNS A TODAS AS MULHERES QUE SÃO MÃES E PAIS” é um conceito bastante equivocado, além de ser cruel.

E vou começar dizendo que, sem dúvida, as pessoas que assim desejam não são más ou escrotas, muito pelo contrário. Elas partem de um ponto bacana, pois já estão reconhecendo coisas importantíssimas, como:

1) há mulheres que cuidam de seus filhos sozinhas porque os pais não cuidam;

2) são muitas as mulheres que cuidam sozinhas de seus filhos porque os pais não cuidam;

3) cuidar dos filhos sozinhas porque os pais não cuidam não é tarefa nada fácil, portanto quem está nesta situação precisa ser reconhecida, e a sociedade convencionou dar “parabéns” para quem precisa ser reconhecido.

Beleza, já entendemos isso. Agora precisamos avançar no debate e entender o motivo disso não ser legal, ser cruel e precisar deixar de ser feito.

Há mais de 5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. E quem nos dera isso fosse devido à presença de duas mães em famílias homoafetivas. Não é esse o motivo. O motivo é: abandono paterno. São homens que abandonaram a função paterna quando souberam que as mulheres estavam grávidas, ou homens que “não abandonaram mas também preferiram não constar na certidão” (ou seja, abandonaram) – acreditem, já ouvi isso por aí.  E eu nem estou contando as crianças que têm o nome do pai na certidão mas não os tem em suas vidas de fato. Então, na imensa maioria dos casos, são milhões de mulheres que não tiveram outra opção além de CUIDAR SOZINHAS DOS FILHOS QUE NÃO FIZERAM SOZINHAS. E isso numa sociedade machista, que exclui crianças e que julga mulheres pelo simples fato de existirem, quanto mais se forem mães.

Essas condições fazem com que essas mulheres que não tiveram outra opção além de criar seus filhos sozinhas tenham vidas muito duras. Muito mais duras que a maioria das outras mulheres. Porque tudo na vida delas passará a ser mais difícil: arrumar emprego, gerar renda, descansar, cuidar de si, cuidar das crianças, socializar, manter a saúde física e mental, ter um círculo de amigos, etc. “Ah, eu acho que não é bem assim”. Acontece que não adianta você achar nada se você não conhece essa realidade. É ASSIM. Trabalho com mulheres mães, sou estudiosa exatamente desta área, conheço a teoria e a prática. Basta você ter ao seu redor mães solo – e olhos de ver – e você facilmente verá isso.

Então, veja. Chega o dia dos pais. Essas mulheres muitas vezes já têm que administrar toda a angústia e a dor com inúmeras situações que as excluem e aos seus filhos – como, por exemplo, ter que manejar a dor da exclusão em escolas que ainda comemoram o “Dia dos Pais”, tentando administrar essa dor tanto em si quanto em suas crianças. Sem contar tudo o que vivem nos demais 364 dias do ano. E aí elas recebem, com todo amor e boa intenção, “parabéns” por fazerem papel duplo, como pai e mãe… Gente, isso dói.

É parabenizar alguém por estar vivendo algo muito difícil e à sua revelia. É parabenizar alguém por não ter tido escolha. Por aguentar tudo o que essa condição lhe impõe, compulsoriamente. É dar parabéns por sofrer.

“Mas não era esse o meu intuito, era reconhecer que são mães muito guerreiras”.

Eu entendo. Elas também entendem. E saibam que essas mulheres acham muito bom serem vistas, serem enxergadas, não invisibilizadas. Mas elas só querem, agora, serem vistas de maneira REAL. Não serem vistas como guerreiras. Porque ninguém aqui escolheu ir pra guerra no lugar de ter paz na vida.

Então, agora que você já entendeu como dar parabéns para alguém que está tendo muito mais dificuldade de acesso a coisas fundamentais não é algo muito bom, é hora de mudar o discurso.

E você pode estar pensando: “Verdade, você tem razão. Então o que eu posso dizer a essas mulheres no dia dos pais, para que elas saibam que eu me importo?”.

Você não precisa dizer nada. Se estiver com elas em todos os demais dias do ano, apoiando, fortalecendo, ajudando a diminuir o peso, oferecendo colo, ombro, força, uma mão na logística, para que tenham vidas menos duras, esteja certa de que no dia dos pais você não precisará dizer nada. E ainda assim elas se sentirão amadas, apoiadas e, sobretudo, VISTAS.

E sobre o pai que não é pai de fato e reivindica esse lugar e as homenagens todas neste dia?

Aí você pode ficar completamente à vontade para constrangê-lo. Porque, afinal, foi o que ele escolheu fazer com essa mulher para o resto da vida dela.

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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas mais diferentes questões das suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia, Doutora em Ciências e Doutora em Saúde Coletiva com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.