Eu ontem vim aqui e falei da vergonha que ando sentindo de ser brasileira, embora tenha sido a vida inteira uma patriota ferrenha. Vim e manifestei toda a minha indignação pela aprovação do novo Código Florestal e blablá blablá blablá. Falei que tenho perdido a fé nesse país e tal.
Aí ontem mais tarde tomei uma naba – sem querer ofender os defensores da moral e dos bons costumes.
Por volta das 17 horas, saí com a Clara pra dar uma espairecida depois de um dia meio tenso. Ela no seu meio de transporte favorito: meu sling – um deles, da minha orgulhosa coleção. Fomos ali ver a Lagoa, curtir o fim de tarde, mostrar a família de patinhos que mora ali pra ela e tal.
Rolou até essa fotinho linda aqui, ó:
Bom, aí fui caminhando em direção à padaria, conversando com ela, rindo, feliz, enquanto ela batia palminhas enquanto eu cantava a inédita BORBOLETINHA (que ela instituiu como o seu FELIZ ANIVERSÁRIO oficial). Cheguei, comprei o que tinha que comprar e voltei, já no lusco fusco. Estava eu caminhando no acostamento – quem conhece Floripa deve saber que nosso prefeito decretou o fim das calçadas aqui na cidade e mandou dinamitar todas para tornar inviável caminhar por elas (é mais ou menos isso mesmo), quando ouvi um burburinho atrás de mim. Virei e vi 4 jovens rapazes caminhando atrás. Já me pelei. Comecei a rezar e pedir a proteção do altíssimo – nessas horas, é impressionante como a gente fica super religioso, né? Bom, mas aí eles passaram por mim e tudo numa boa. Uuuuufa, pensei, que susto. Mas nem terminei o pensamento e os meliantes, os gatunos, os patifes, os parvos, os trafulhas me pararam. E aí um deles, com uma cara cínica, me pergunta, na maior calma: “E AÍ, TEM DINHEIRO?”.
Eu bem tava a vendo a hora que ele ainda ia me chamar de “mãezinha”, o porra – vai me desculpar o palavrão, mas num momento como esse a pessoa deve ter o direito de se expressar como se deve.
Eu respondo que tenho pouco, porque saí sem bolsa – quando deveria, na verdade, ter problematizado a questão dizendo: que dinheiro, moleque filho duma égua? Não tenho nem pra mim vou ter pra você, nojeira? E ele me pede o que eu tenho, o lazarento. Eu entrego, ele pega e ainda olha pra Clara e diz: “Oi nenê!”.
Oi nenê?!
Depois de descumprir o combinado, que era de assaltar só a noite e quando não tem filho junto, ainda dá “oi pro nenê?”.
Mas isso não foi o pior.
Sabe o que foi pior?
O pior foi ver essa minha filha linda e simpática dar tchau pro meliante… praquele filho dum jumento velho. E o cínico ainda diz: “que linda, que simpática!”. Sabe aquele momento de filme em que passa a pessoa descontrolada, socando a cara do sujeito com gosto, jogando ele no chão e pulando em cima como se fosse dar uma barrigada na piscina, e quando você vê era apenas a imaginação dela? Então. Rolou isso. Me vi dando uma voadora ninja na cara do sujeito, enquanto a Clara segurava os braços dele gritando: dá nele, mãe, dá nele! Mas ao contrário disso, obviamente fiquei quieta e os deixei ir embora.
Assim que se viraram, comecei a tremer mais que plataforma vibratória de pilates, meus olhos se encheram d’água, olhei pra Clara e pensei que somos muito muito muito protegidas. Agradeci ali pela proteção e continuei andando, voltando pra casa. Que bom que ela não entende ainda… Que pena que é muito logo que ela vai entender.
Eu morei até os 17 anos no ABC paulista. Nunca tinha sido assaltada na vida. Desde que vim pra Floripa, esse “paraíso”, já tive o carro arrombado duas vezes e agora tenho um assalto pra contar no Lattes. É por isso que eu digo: de paraíso o inferno tá cheio. E olha que já morei em dois supostos – paraísos, quero dizer.
Não se pode confiar nem mais no ladrão, minha gente.
Onde eu me deserdo dessa terra?
Agora, ironia mesmo, ironia pra valer, é lembrar que, na ida, fui cantando, NÃO FAÇO A MENOR idEIA DO PORQUÊ DESSA BIZARRICE, a seguinte estrofe:
“recebe o afeto que se encerra em nosso peito juveniiiiil. Querido símbolo da terra, da amada terra dooo Brasil” – já falei pra não perguntar porquê. E juro que não uso drogas.
PS: Essa ótima de dizer que o combinado era assaltar de noite e sem bebês foi de autoria da amiga Juliana Sell – eu adorei. Foi bem a ironia da situação.