Sou aquela tupiniquim de veia fortemente biológica que nunca pensou em morar definitivamente fora do país. Admiro meus amigos que se despojam de sua terra natal para dar a cara a bater em países de língua, costumes e cultura muitas vezes absolutamente diferentes da nossa, às vezes sofrendo preconceitos por serem brasileiros, às vezes ouvindo elogios pelo mesmo motivo. Mas nunca tive coragem. Acredito que os motivos que sempre me levaram a essa recusa em alterar meu domicílio para outra nação giram em torno de um profundo patriotismo que nutro por minha terra natal. Gosto de ser brasileira, gosto de ter publicado artigos em revistas internacionais (ainda que poucos) ressaltando o fato de que sou brasileira. Escolhi minha profissão fortemente influenciada, inclusive, por esse patriotismo. Acho realmente que as aves que aqui gorgeiam não gorgeiam como lá. Tenho consciência de todas as mazelas pelas quais passam os cidadãos brasileiros, que vão da dificuldade financeira ao iminente perigo de vida pela qual passamos muitas vezes, frente à violência urbana que cresce nos grandes centros – também, mas não só, por isso tenho horror a grandes centros e sempre fujo deles quando percebo crescimento desordenado. Conheço diferentes locais do Brasil, dos mais bonitos e integrantes do “circuito CVC” (como meu marido chama aqueles locais turísticos lindos mas já saturados de visitação) aos mais inóspitos e ricos em beleza humana, porém desprovidos de beleza natural. Sou feliz porque minha filha é nascida aqui, brasileira como eu.
Mas, falando sincera e friamente, não sei porque ainda sou uma patriota.
Principalmente hoje, dia 25 de maio, dia em que acordo com uma forte sensação de luto. Com vergonha de ser brasileira. Com vergonha alheia. Profundamente envergonhada por ter justificado meu voto na última eleição. Profundamente triste pelo descaso ao nosso patrimônio biológico – nosso na concepção de NOSSO, DOS TERRÁQUEOS, não “nosso, dos brasileiros”. O que temos aqui é um patrimônio mundial, planetário.
Sinto-me profundamente triste no dia de hoje pela aprovação do novo Código Florestal Brasileiro. Sinto-me verdadeiramente desrespeitada ao ver a foto do Deputado Aldo Rebelo (PC do B – oi?!) sorrindo junto com seus comparsas – minha concepção sobre a política brasileira diz que, em muitos casos, não há aliados, há comparsas – pela “vitória” alcançada, que visa beneficiar gente de muito dinheiro e de muito poder, ruralistas e desmatadores que podem ser anistiados caso isso realmente se concretize. Ele, membro do Partido “Comunista” Brasileiro… que logo mais poderá substituir a foice e o martelo pela garrafa da Coca-Cola em suas bandeiras.
Não foi o governo da presidente Dilma Rousseff quem sofreu sua primeira derrota. Fomos nós, cidadãos brasileiros, que sofremos nossa derrota número sei lá qual. Foi o patrimônio biológico brasileiro. Foi um massacre do bom senso, da ecologia, dos princípios morais e éticos nacionais, onde 273 votaram a favor da anistia a desmatadores e criminosos ecológicos, 182 tentaram impedir, e 2 nem sabiam o que estavam fazendo lá, se abstendo. Fui atrás da lista completa dos parlamentares votantes. Eu, que sempre fujo desses nomes como o diabo da cruz. E compartilho aqui algumas informações com você, que também não gosta de política e prefere falar de ciência ou de filhos ou de qualquer outra coisa, como eu:

– todos os parlamentares do DEM, esse demônio, votaram SIM para o crime ecológico, exceto o Sr. Fernando Torres (que votou NÃO) e o Sr. José Nunes (que se absteve). Nunca ouvi falar deles.
– todos os parlamentares do PC do B (!) votaram SIM para o crime ecológico, exceto o Sr. Edson Pimenta (que votou NÃO). Nunca ouvi falar dele.
– todo o PMDB, esse outro demônio, também voltou SIM para o crime ecológico, exceto o Sr. Camilo Cola. Também nunca ouvi falar dele. Atente para o fato de que, se acaso acontecer algo que impeça nossa presidente de continuar a governar, é o PMDB, esse demônio, quem estará com a batuta na mão. Tá bom pra você? Tá legal? Tá gostoso? Tá divertido?
– 90% do PSDB foi lá e fez oposição e votou SIM para o crime ecológico. Oposição ao meio ambiente.
– Todo o PT votou NÃO ao crime ecológico, exceto o Sr. Taumaturgo Lima, que disse “SIM, eu quero desmatar mooooooito” (palavras inverossímeis)
– Todo o PV votou NÃO ao crime ambiental.
(eu nunca ouvir falar dos nomes que citei, mas pode ser por pura falta de participacão política, ignorância mesmo)

Pelo novo código, que ainda precisa ser aprovado em outras instâncias, 420 mil quilômetros quadrados de áreas de preservação permanentes (PERMANENTES?!) já desmatadas até 2008 às margens de rios e encostas de morros no país estarão liberados para ocupação. Um reconhecido jornal brasileiro afirmou que os ministros dedicaram o dia para telefonar aos líderes aliados (oi?) e aos deputados para pedir voto contrário à emenda. Politica via telefone? O que é isso? “Pedir” voto contrário à emenda? “Pedir”? Por que tanta coisa duvidosa nesse país é compulsória e coisas fundamentais como essa ficam a cargo de “pedidos por telefone”? Tô confusa ou as coisas estão quase anárquicas mesmo?

Então hoje estou me sentindo uma palhaça, uma idiota, uma imbecil elaborando um projeto altamente relevante do ponto de vista farmacológico que envolve uso de uma espécie vegetal e dedicando dias e dias e dias e dias, já chegando a meses, a adequá-lo às exigências do CGEN – Conselho Gestor de Acesso ao Patrimônio Genético Nacional do Ministério do Meio Ambiente -, para que o Governo – O GOVERNO! – me autorize a coletar frutos de uma espécie já muito conhecida da população, que dá em todo canto.
Estou às voltas com toneladas de documentos para conseguir direito a coletar, de maneira sustentável e racional, frutos de uma única espécie, correndo o risco claro e declarado de não conseguir apenas por questões burocráticas, enquanto na capital do meu país uns miseráveis engravatados sorridentes comemoram a liberação de 420 km de área de preservação permamente. Eu poderia coletar esses frutos apenas mediante autorização do produtor e dono da terra – são apenas alguns quilos de frutos, não é a planta inteira, fica lá a planta -, mas queremos fazer tudo direito, como manda a lei e o figurino. E enquanto isso, em Brasília…

É uma grande vergonha e afronta para mim, como cidadã, me defrontar com imagens como as que mostro abaixo. Estou me sentindo muito envergonhada mesmo. E, sinceramente, quando a Clara me perguntar: “Mãe, porque esses moços de terno e gravata estão felizes porque os outros moços que fizeram mal às plantas e aos animais que viviam lá se deram bem? Mas mãe, você não me disse que não é legal arrancar os galhinhos e as folhinhas das plantinhas lá de casa? Por que eles podem?”, me recuso a responder: “Porque eles têm dinheiro, filha. E nesse país, quem tem dinheiro manda”. E se ela disser: “Mãe, não tô gostando desse país, podemos nos mudar para outro?”, eu vou responder: “Vamos ali no Mapa Mundi escolher um outro agora, então?”
Estou, nesse momento, tirando a carteirinha de sócia do Brasil da bolsa, porque pode pegar mal.
Mas ainda acredito que do Senado não passará.
Eu, essa patriota suicida altamente irresponsável.

Fotos da verdadeira miséria brasileira.

 Fonte: Jornal O Estado de São Paulo

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