No texto “Eles não são tijolinhos“, compartilhei algumas reflexões minhas sobre educação à luz de uma vivência da qual participei com Ana Thomaz. Caso você esteja buscando mais informações sobre Ana, encontrará facilmente, pois ela é uma referência no Brasil na questão da desescolarização. Ela também mantém um espaço de reflexão, o Vida Ativa.
Algumas pessoas não gostaram de ler a expressão “desescolarização” aqui. Em função disso, acredito que tê-la lido agora novamente não deve ter assustado tanto assim… O que é ótimo, porque pretendo falar algumas outras vezes sobre isso. Se você sentiu um estranhamento, tenha calma. Pode ser somente fruto do desconhecimento de seu real significado. Algo como o que muitos sentiram quando leram pela primeira vez a expressão “parto em casa”. É assim mesmo, tudo sobre o qual não falamos com frequência gera estranhamento. Isto posto, é fácil entender que, depois de ter acesso a outras informações e de ler mais sobre o assunto, a coisa perderá seu caráter surpreendente e assustador. E, olha, não se assuste se, até, começar a fazer sentido. Então, coragem! Perca seu medo e vamos juntos falar sobre. Estou te convidando para outras investidas, que tal?
Não gostar da escola que está aí não é exclusividade minha. Grande parte das pessoas também não gosta. Mas se contentam porque, se assim é, então é assim que é. Claro que existem as escolas menos piores e as boazinhas. Mas não acho razoável buscarmos – e ansiarmos e agradecermos – pelo menos pior ou pelo que é “bonzinho, quase lá”. Então estou buscando alternativas, novos espaços, novas propostas, novas leituras, novas reflexões a respeito. Não é uma busca egoísta, no sentido de “eu quero para minha filha”. Não. Minha filha não se criará sozinha no mundo, ela se fará na interação com outras pessoas. E o mais rico em tudo isso será, quem sabe, um dia, tenho esperança, poder inseri-la, inserir-nos, em um espaço onde será um coletivo a buscar a mudança.
Como não sei quanto tempo levarei nessa busca – que não é das mais fáceis nem das mais simples –
pode ser que, no decorrer do percurso, ela acabe sim entrando em alguma escola – desse estilo aí, a menos pior ou a boazinha. Não rejeito totalmente esta hipótese, embora seja grande minha rejeição. Não pense você que Clara não pede para ir à escola. Pede. Quase todos os dias em que ela ouve algum amiguinho ou amiguinha falando sobre sua própria escola. Da mesma forma que pede chocolate sempre que o vê. Deu pra entender, né…
O que eu entendo por desescolarização até o ponto onde estou no estudo desse assunto?
Não se trata da retirada pura e simples da criança de dentro de uma instituição. É muito mais forte, profundo e desafiador que isso. É a retirada da escola, enquanto instituição rígida e padronizadora, de dentro das pessoas, de dentro das crianças, de dentro de mim. De dentro dela mesma como está hoje. Baita desafio. E por que essa retirada? Para retirar elementos profundamente nocivos de dentro de nós, que são os pilares dessa sociedade adoentada que temos aí. Competição, acirramento de ânimos, ensino quantitativo, padronização, rótulos, propagação do preconceito e discriminação, tudo isso disfarçado de coisas absolutamente aceitas e, muitas vezes, bem vistas. Ah sim, claro, você conhece escolas que não são assim. Você conseguiu encontrar a agulha no palheiro e a escolheu para seu filho ou filha. Mas você também deve saber que agulhas no palheiro não representam o montante da palha, não é mesmo? E que, tirada a agulha, o resto é palha mesmo. Então, olha, tenha calma na defesa irrestrita da escola porque, você sabe… a escola não defende você tanto quanto você a defende.
Mas vamos então falar sobre desescolarizar?
Quem é que deve ser desescolarizado? As crianças, as pessoas? Não. As escolas. Mas como é que se mudam escolas? Mudando pessoas. Bem lá em seus íntimos.
Veja o que diz Ana Thomaz no texto “Caminhos para a Desescolarização“:
“Desescolarização é o termo que tenho usado para expressar o desejo de tirar a escola de dentro de mim, a escolarização, que eu defino como massificação, colonização e que cria desejos artificiais em seus alunos. Seria mais preciso falar sobre mudança de paradigma de uma cultura e de um sistema. Hoje, nossa cultura vigente é a patriarcal, e nosso sistema é o capitalista. Ambos são processos anti-vida, desqualificadoras da potência de vida, pois nos coloca a serviço e uma cultura patológica. por isso é anti-vida, pois a vida é biológica. (…) No nosso modo de vida sob a cultura patriarcal e o sistema capitalista, a autopoiese é totalmente desinvestida e não desejada, e ao invés de confiarmos e potencializarmos nossas potências, somos induzidos a pensar, sentir e agir da maneira que siga alimentando nosso sistema e nossa cultura vigentes, criando um ciclo vicioso”.
Isso é muito afim ao que sinto e penso. E por isso estou tão absorta em buscar novas alternativas, alternativas que fujam dessa coisa padronizada que temos aí hoje. Escolas sem laicidade, sem verdadeiro respeito pela autonomia das crianças, sem incluí-las no processo decisório, sem formá-las para o questionamento do sistema em si. Busco diferentes alternativas, busco a desescolarização da própria escola, um espaço de construção verdadeira do conhecimento sobre a vida, não a partir de currículos, mas a partir da própria vida, sem subdivisões artificiais nem imposições injustificadas.
Esses dias, meu companheiro encontrou um texto bastante interessante e compartilhou comigo. Eu já havia lido algo a respeito desta escola, que fica em Portugal, na região do Porto. É uma escola pública e representa um marco educacional não só em Portugal, mas no mundo, e não é recente. A Escola da Ponte tem mais de 30 anos de atuação e foi criada para respeitar as diferenças individuais das crianças, sob coordenação de José Pacheco, seu idealizador.
Uma matéria já antiga publicada na revista Nova Escola diz o seguinte:
José Pacheco não é o primeiro – e nem será o último – a desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, no entanto, o educador português pode se orgulhar por ter transformado seu sonho em realidade. Há 28 anos ele coordena a Escola da Ponte. Apesar de fazer parte da rede pública portuguesa, a escola de ensino básico, localizada a 30 quilômetros da cidade do
Porto, em nada se parece com as demais. A Ponte não segue um sistema baseado em seriação ou ciclos e seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma específicas. As crianças e os adolescentes que lá estudam – muitos deles violentos, transferidos de outras instituições – definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais. A cada ano, as crianças e os jovens criam as regras de convivência que serão seguidas inclusive por educadores e familiares. É fácil prever que problemas de adaptação acontecem. Há professores que vão embora e alunos que estranham tanta liberdade. Nada, no entanto, que faça a equipe desanimar. O sistema tem se mostrado viável por pelo menos dois motivos: primeiro, porque os educadores estão abertos a mudanças; segundo, porque as famílias dos alunos apóiam e defendem a escola idealizada por Pacheco.
Então hoje compartilho aqui a entrevista que lemos aqui em casa esses dias, justamente com José Pacheco. Nessa entrevista, ele fala sobre como um dos maiores problemas educacionais do Brasil é o próprio Ministério da Educação e a forma como é organizado, além da indignação que ele sente ao ver que o Brasil despreza seus próprios grandes educadores, endeusando outros que ele considera já bastante ultrapassados.
Convido você à leitura, para que juntos possamos problematizar a educação que a nova geração está recebendo.
Ter um futuro verdadeiramente bom, pacífico, justo, rico em equidade e respeito, passa por educação. Mas não por qualquer uma delas. E educação não é e nunca será sinônimo de escola. Principalmente essa que temos por aqui, em qualquer esquina. Que dispensa comentários…
Por fim, antes de passar à entrevista, quero apenas dizer o seguinte: um pensamento destoante não é uma ofensa particular. É um convite a um pensamento diferente, apenas isso. Tenha sempre em mente uma outra questão também tratada aqui neste espaço: o parto em casa e as manifestações do movimento de mulheres em defesa do direito de escolha. O que ele nos ensinou e nos ensina todos os dias ainda?
Que você não precisa desejar determinada coisa para si.
Mas que respeitar as diferentes escolhas e o direito que toda pessoa tem de exercer sua autonomia é um verdadeiro exercício de cidadania e civilidade.
José Pacheco: Brasil despreza seus educadores geniais
huma sala de aula. Fala-se, mas não se faz.
dade escolar e do poder público juntos.