O mês de agosto tem um significado muito melhor e mais potente do que pensar que é um mês difícil – inclusive porque nunca na história deste país este mês passou tão rápido (ouvi amém?). Um desses significados positivos confere ao mês a alcunha de “Agosto Dourado”. Você sabe por que? Te explico. Em agosto, todas e todos que trabalham em prol da amamentação e do aleitamento materno, intensificam suas atividades e ações para ajudar a promover a proteção e o apoio à amamentação. Porque, sim, amamentar é fundamental. É muito importante enquanto ação coletiva de promoção da saúde materna e infantil, para além de sua importância na criação de manutenção de vínculos amorosos e saudáveis não apenas entre mãe e bebê, mas entre todos da família.
Isso não significa, em absoluto, que quem não amamenta não desenvolve fortes vínculos com a criança. E dizer isso beira, além do absurdo, a crueldade, especialmente em um contexto em que grande parte das mulheres deixam de amamentar por falta de incentivo, apoio e orientação profissional (e familiar) adequada. E reconhecer essa dificuldade também não diminui a importância do aleitamento, e isso também é fundamental reforçar.
Isto posto, reforcemos: amamentar é fundamental. Para a mãe. Para o bebê. Para a família. Para a saúde da coletividade. E é por isso que todos, sejamos ou não mães, temos papel relevante nisso – o que tira da mulher mãe a exclusiva responsabilidade por seu sucesso. Porque uma mulher não amamenta sozinha, ela só consegue bem amamentar quando recebe boa informação, apoio e acolhimento.
“Só amamenta quem gesta, certo Ligia?”. Errado. Embora seja comum que se pense assim…
Afirmar isso, além de ignorar práticas e orientações que existem, funcionam e precisam ser incentivadas, exclui um número imenso de mulheres mães: as mulheres mães lésbicas que não gestam e, ainda assim, querem (e podem) amamentar.
Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça: estamos falando de amamentação no Agosto Dourado. Que talvez seja dourado sim, mas também multicolorido: o agosto da Visibilidade Lésbica.
Durante o mês de agosto (este mês que é preciso ressignificar), nós também precisamos falar de VISIBILIDADE LÉSBICA. Esse é o mês destinado a falar sobre isso, mais especificamente o dia 29 de agosto. Uma data criada há pouco mais de 20 anos e que se destina a falar sobre a existência das mulheres lésbicas. Porque, sim, elas existem, mesmo que seu preconceito não aceite isso. São mulheres que sofrem maiores e diferentes formas de violência e que tem suas vidas dificultadas – quando não ceifadas – em função de quem amam e de quem são. E aqui é importante ressaltar a mudança da sigla GLS para LGBT, mudança essa que tem como uma de suas principais justificativas o não apagamento de outras existências: L na frente, para que não seja invisível (embora o B – bissexuais – ainda sofra apagamento e o T – travestis e transexuais – seja morto todos os dias).
Então, quando tornamos Agosto aquilo que ele é – dourado multicolorido – encontramos um espaço maravilhoso para falar sobre algo que poucos falam: a amamentação das mulheres lésbicas que não geraram filhos biologicamente. E que sim, acontece.
Mas falar sobre essa tristeza que é invisibilizar quem existe, muita gente fala. O que quero falar aqui é sobre O APOIO NECESSÁRIO A AJUDAR MULHERES MÃES LÉSBICAS A AMAMENTAR. E existe apoio. Existe fortalecimento.
Daiana Almeida é minha amiga pessoal. E, além de tudo de bom que ela vem fazendo, vem também apoiando mulheres lésbicas que querem amamentar. E hoje, 29 de agosto, dia da visibilidade lésbica, nós duas estamos aqui para falar sobre quem e o que não é falado: É POSSÍVEL AMAMENTAR SENDO MÃE LÉSBICA QUE NÃO GESTOU.
Daiana é da maravilhosa Salvador. É facilitadora em Aleitamento Materno, presencialmente ou à distância, auxiliando mulheres a atigirem os seus objetivos na amamentação, desde o pré-natal até o desmame, passando pelo atendimento no pós-parto, auxílio no retorno ao trabalho e indução da lactação. Também é psicóloga com formação em Análise do Comportamento e em Psicologia do Puerpério, e também é mediadora de uma roda de conversa para gestantes e puérperas, além de podcaster de maternidade no GNH Podcast – que eu recomendo de olhos fechados que você ouça.
Fiz algumas perguntas à Daiana, com dois objetivos: tirar da invisibilidade o aleitamento entre mães lésbicas e apoiar essas mães – bem como mães adotivas de bebês – a amamentarem seus bebês. E convido todas e todos a participarem dessa conversa.
Ligia Moreiras – Daiana, você tem apoiado mulheres lésbicas que não engravidaram a amamentar seus filhos. Quer contar um pouco com tem sido?
Daiana Almeida – Sim! É maravilhosa a experiência de acompanhar uma mulher na realização do desejo de amamentar o seu filho. O que me dá também a oportunidade de assistir à transformação daquela família, duas mães podendo compartilhar a amamentação e os outros cuidados com o bebê. O problema é que a maioria das mulheres que são mães sem gestar, incluindo aí as mães adotivas, desconhecem a possibilidade de amamentar seus filhos. Eu gostaria de apoiar mais mulheres, mas, infelizmente, poucos profissionais orientam os casais sobre essa possibilidade e acaba não existindo tanta demanda quanto poderia.
Ligia Moreiras – Daiana, pode explicar um pouco pra gente como acontece a técnica de indução da lactação?
Daiana Almeida – A indução da lactação não é algo novo. Mulheres que não gestaram os seus filhos, colocavam o bebê no seio e a sucção e o contato com o bebê podiam estimular o aumento de prolactina e ocitocina, e aí “mágica” acontecia. O que temos hoje é o desenvolvimento de protocolos bem estruturados que aumentam a probabilidade de que ocorra a produção do leite e influenciam também na quantidade da produção. Existem protocolos diversos, que vão ser adaptados para cada mulher. Podem ser apenas com o estímulo mecânico de sucção, já citado, ou podem incluir hormônios e galactogogos [compostos que estimulam a produção de leite materno] fitoterápicos ou alopáticos. Em resumo: o que o protocolo faz é mimetizar a gestação no corpo da mulher, estimulando as glândulas mamárias e, posteriormente, estimulando o aumento da prolactina, que levará à produção do leite. É importante que seja acompanhado por profissional com conhecimento dos protocolos, como uma consultora de amamentação, por exemplo, para que possa ser adaptado para cada realidade, bem como por um profissional da área de saúde que possa prescrever e avaliar o uso dos medicamentos, sejam alopáticos ou fitoterápicos.
Ligia Moreiras – Quais são os benefícios para a mãe e o bebê, para além dos benefícios do próprio aleitamento?
Daiana Almeida – É inegável que o leite materno é um alimento tão completo e rico, e qualquer gota conta. É fantástico que ela possa produzir leite materno para um bebê que de outra forma poderia precisar de complementação com fórmula láctea. Mas a amamentação vai além de nutrição. A participação da mãe que não gestou na amamentação do bebê pode trazer uma realização pessoal inimaginável, para além dos benefícios físicos já pesquisados em mulheres que amamentaram, como a redução do risco de alguns tipos de câncer e outras doenças como osteoporose. Socialmente, também é bastante importante a discussão em relação à licença maternidade, por exemplo, para essas novas configurações familiares. E dentro da família, a gente pode imaginar muitos benefícios em ter dois pares de peitos para acalentar o bebê [das duas mães que estão recebendo esse bebê]. Imagine uma família com gêmeos!
Ligia Moreiras – Você gostaria de contar mais alguma coisa que acredite ser importante para essas mulheres – e para toda a sociedade? E as mulheres lésbicas que assim desejam, o que elas precisam fazer/ir em busca?
Daiana Almeida – Acho importante salientar que a indução da lactação é algo que deveria ser acessível inclusive nos serviços públicos, dados os benefícios para toda a sociedade do bebê ser alimentado por leite materno. Existe a indicação pelos órgãos de saúde de que seja uma possibilidade oferecida às mulheres. Entretanto, não se percebe isso nos serviços, possivelmente pela falta de pessoal capacitado. Os medicamentos utilizados em alguns protocolos são comuns e acessíveis para a maioria das mulheres.
As mulheres que desejam amamentar os seus filhos mesmo sem ter gestado devem buscar informações tão logo saibam da chegada do bebê. Quanto antes se iniciarem os protocolos, maiores as chances de que haja uma produção satisfatória de leite. Importante salientar, novamente, que a amamentação vai além da nutrição do bebê e que qualquer quantidade que venha a ser produzida já trará inúmeros benefícios para ambos.
Se gestar e parir um bebê num país como o Brasil já não é missão das mais fáceis, ser uma mãe lésbica conta com ainda maiores dificuldades. O que desejamos é que todas as mulheres mães possam receber apoio, acolhimento e fortalecimento de todas as esferas da sociedade. Certamente, nem todas as pessoas que chegarem a esse texto tinham conhecimento de que ser uma mãe lésbica que não gestou e amamentar não são coisas incompatíveis. O que nos mostra que, muitas vezes, o que nos impede de apoiar outras pessoas – e sermos apoiadas – é também a falta de informação e o preconceito.
Não apenas em agosto, mas todos os dias e meses do ano, que todas as mulheres, mães e não mães, tenham voz. Que possam ser vistas e apoiadas em suas demandas.
Isso muda o mundo positivamente.
Para entrar em contato com Daiana Almeida e receber apoio e acolhimento para amamentar: www.gerandonovashistorias.com. Instagram e Facebook: @gerandonovashistorias.
“Terra de heróis, lares de mãe
Paraíso se mudou para lá
Por cima das casas cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonhos semeando o mundo real
Toda a gente cabe lá”
Que todas caibamos em nossos próprios mundos. Que, na verdade, é um só.
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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas mais diferentes questões das suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia pelo Departamento de Psicologia e Educação da USP, Doutora em Ciências/Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Saúde Coletiva também pela Universidade Federal de Santa Catarina, com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.