Quando estava grávida das minhas filhas mais velhas, quase treze anos atrás, descobri a “blogosfera”: fuçando na internet, comecei a descobrir uma infinidade de blogs de mães que compartilhavam causos de sua vida diária com as crias, curiosidades, fatos engraçados, fotos, experiências divertidas, desafiadoras, interessantes.

Eu, que escrevo desde que me entendo por gente – tenho guardada comigo uma porção de cadernos rabiscados, recheados de memórias da minha meninice e de caraminholas que passavam pela cabeça da menina que fui, uma menina toda voltada para o seu lado de dentro, que tinha nas letras uma alegre companhia –, animei-me logo com a possibilidade de, diante de uma experiência tão nova e (para mim, naquele momento, e de certo modo ainda hoje) misteriosa quanto a maternidade, escrever a respeito e compartilhar minhas impressões, sentimentos, desejos, elucubrações.

Foi assim que comecei a “blogar”, lá nos idos de 2004. De lá pra cá, foram três blogs pessoais (um deles mantenho até hoje, com minhas tentativas literárias), dois blogs maternos (um deles está ainda hoje no ar) e um blog inteiramente dedicado às estripulias, anedotas e descobertas das minhas três meninas. Ao longo desses treze anos de experiências compartilhadas na rede (quase) infinita da internet, já expus um bocado daquilo que sou e penso, daquilo que vivo e experimento com as minhas filhas, das minhas (quase) certezas, das minhas (muitas) dúvidas, da infinidade de tentativas e erros, realinhamentos de rota, tombos e aprendizados que fizeram e fazem parte da minha caminhada como mãe. 

Como trabalho com fotografia, inevitavelmente compartilho também incontáveis fotos nossas – e principalmente delas, minhas três filhas. Ouvi, muitas vezes, o discurso do medo: 

“Não se exponha tanto!”

“Você não sabe quem está do outro lado, te vendo/lendo!”

“Cuidado com as informações que você dá!”

“Você não tem ideia do que podem  fazer com essa foto!”

“Não fale tanto do que você vive, atrai inveja”

“Cuidado com as energias negativas de quem te lê!”

Por filosofia de vida, ceder ao medo e à negatividade é algo que não faz parte do caldo de fatores que me move adiante na vida, e me faz tomar este ou aquele caminho. Não nego que há muita gente doida, negativa e/ou mal intencionada no mundo – fazê-lo seria de uma perigosíssima ingenuidade da minha parte. Porém, penso sempre que, no dia em que deixar de ser quem sou, ou fazer aquilo que desejo fazer, algo de que gosto ou em que acredito, por receio de que isso possa ser transformado em uma coisa ruim, terei perdido algo que me é muito precioso: minha alegria de existir no mundo com liberdade, saindo do meu casulo e estendendo a mão para tocar o outro, fazendo a diferença com aquilo que sou, penso, sei e sinto.

É claro que tomo cuidados. Sou positiva, não boba. Mas sobretudo me esforço um bocado para não deixar que o medo tome conta da minha mente, nem do meu coração. Ser cuidadosa sem me render ao pânico desenfreado: essa é a minha busca, sempre. Não compartilho detalhes sobre a nossa rotina – lugares, horários, informações que possam ser usadas com malícia para qualquer fim. Jamais posto fotos de minhas filhas sem roupa, ou em posições sugestivas ou constrangedoras. Sempre penso em como elas se sentiriam ao ver aquela foto, ou aquele fato, tornado público – e hoje, com elas mais velhas (têm quase doze e quase oito anos), converso sempre e respeito seus limites naquilo que querem ou não que eu compartilhe publicamente. Muitas vezes, elas mesmas me dizem: “Mãe, não quero que você coloque isso (uma foto, ou uma historinha qualquer que vivemos juntas, ou que elas me contaram) na internet, tá?”. Eu, obviamente, respeito. Conversamos muito sobre isso. Elas, principalmente as mais velhas, já leem e veem muito do que escrevo e posto e acham bacana que histórias que experimentamos juntas se tornem fonte de inspiração, ou alegria, ou carinho, para outras pessoas. Juntas, aprendemos como é bonito dividir pedacinhos nossos, coisas importantes e lindas, conquistas, aprendizados, com pessoas que nos querem bem.

Ao longo desses treze anos de experiências compartilhadas, ganhei um bocado de amigos, pessoas que eram desconhecidas e se tornaram queridas. Há quem acompanhe o crescimento das meninas desde que eram recém-nascidas e, hoje, quando elas se tornam pré-adolescentes, emocionam-se com cada pequena transformação que conto e me inunda o coração de emoção e alegria. Há quem me chame para dividir comigo a imensa diferença que fez um relato meu, de uma experiência qualquer, e o quanto ler aquelas palavras foi transformador para a sua própria caminhada. Há quem venha me contar que deve um pouco (bem pouco, sempre faço questão de enfatizar, pois a caminhada do empoderamento e da maternidade consciente é uma porta que se abre fundamentalmente pelo lado de dentro) da maternidade que vivencia hoje, com os próprios filhos, a tudo o que já escrevi, expus e compartilhei. Não tenho dúvidas de que tudo isso vale mais, muito mais, do que um ou outro sopro de energia negativa ou más intenções de quem me acompanha com qualquer outro fim que não seja o de dar as mãos e caminhar junto, mesmo estando distante.

Ter compartilhado um relato detalhado de meu primeiro parto, normal gemelar (especialmente quando não era nada fácil encontrar relatos de mães gemelares parindo naturalmente – eu não encontrei nenhum, antes de vivenciar a experiência eu mesma), acompanhado de fotos, certamente ajudou mães que buscavam descobrir se parir gêmeos era, afinal, possível. Ter dividido com quem me lia a minha experiência (trabalhosa, desafiadora, mas tão incrível e linda) com a amamentação exclusiva e continuada de minhas filhas gêmeas, bem como as fotos de alguns dos nossos momentos de amamentação, talvez tenha sido muito importante para que outras mães acreditassem que sim, poderiam alimentar seus filhos gêmeos sem a ajuda de uma lata de leite artificial. Ter contado sobre meu segundo parto, um nascimento à jato na sala de casa, e compartilhado fotos desse parto, pode ter feito a diferença na experiência de mulheres que duvidavam da própria capacidade de ter um parto domiciliar. Dividir uma série de desafios da caminhada diária para criar, educar, ensinar e aprender com minhas três filhas talvez tenha sido de grande ajuda para mães que enfrentavam desafios semelhantes, e nos momentos de maior cansaço, ou medo, ou dúvida, questionavam-se sobre a viabilidade de criar filhos sem violência, com escuta empática, respeito à individualidade e ao tempo de cada um, com liberdade e amor.

O ser humano é um bicho feito para o convívio. Não tenho dúvida de que somos melhores quando nos damos as mãos, olhamos nos olhos, falamos ao pé do ouvido (ou pelos fios invisíveis da rede mundial de computadores), temos com quem compartilhar o que vivemos, pensamos e sentimos, e deixamos que o outro nos toque e seja por nós tocado também. Temos mais protegido tudo o que guardamos para nós. Mas o que guardamos para nós, por mais seguro que esteja, não vê a luz do dia, e desconhece a magia de transformar a experiência do outro, alimentar-se e engrandecer-se por isso. É das coisas mais bonitas da existência humana: a possibilidade de transformar, e deixar-se transformar.

Quanto a mim, protejo-me da melhor maneira possível: tomando os cuidados práticos que listei acima, e cercando-me da fantástica energia de amor de tanta gente boa que há pelo mundo, disposta a ensinar e aprender na lida de todos os dias.

Até hoje, tem dado bem certo. 

 

Leave a Reply