“A experiência de gestar, parir e de cuidar de um filho pode dar à mulher uma nova dimensão de vida e contribuir para o seu crescimento emocional e pessoal. Por outro lado, pode causar desorganização interna, ruptura de vínculos e de papéis, podendo, até, resultar em quadros de depressão puerperal. (…) este é o período no qual a autoconfiança da mulher encontra-se em crise. Tornar-se mãe é um ritual de transição e envolve uma reorganização de todos os papéis que integram o autoconceito da mulher. Comentam que diversos sentimentos estarão se mesclando no decorrer dos dias; entre eles pode-se colocar a euforia, o medo, o alívio, a ansiedade, entre outros(1-3). (…)”
Deu pra perceber que não vou falar de filho, né? Vou falar de mãe, da mulher que virou mãe. Vou falar de mim mesma. E pode ser que, sem querer-querendo, eu fale de muitas outras mulheres que andam por aí.
Não tenho dúvida de que a forma de amor mais incrível que eu já conheci – e que nunca pensei que existisse – é esse amor-maior-que-tudo que eu sinto por aquela coxuda que agora está dormindo. Ponto final. Mas isso não impede que eu diga (e sinta): cara, eu tô quebrada.
Não é só um “quebrada” físico não. Estou arrebentada. De todas as maneiras que se possa imaginar, mas o que mais pesa mesmo é a quebradeira emocional.
Clara logo fará 6 meses. Foram 6 meses de amor intenso, de descobertas e, também, de completa atrapalhação e tentativa de adaptação – a TUDO.
Ainda não estou no “meu lugar”.
Simplesmente porque eu não sei mais qual é esse lugar.
Eu era uma pessoa e sabia bem quem era. Mas de repente, pluft, virei outra. E ainda não sei muito bem quem é essa que eu vejo no espelho… Não gosto mais de muitas coisas que gostava antes, passei a gostar de outras que não conhecia, minha vida mudou em todos os sentidos e isso traz bastante confusão. Profissionalmente, principalmente.
Eu vinha montando uma vida com uma finalidade, vinha montando uma carreira que foi toda esculpida para que um dia eu dedicasse 40 horas semanais da minha vida, das 8 às 18 horas, a ela – isso sem contar as infindáveis horas de trabalho em casa, porque todo mundo que é da área sabe que na academia a gente acaba trabalhando a noite, sábado e domingo, além das 40 horas que nos é exigido. Eu vinha montando uma carreira acadêmica e focando incessantemente no sucesso dela.
Mas agora esse modelo não me serve mais… Porque isso significaria ter que enfiar minha filha numa creche das 8 às 18 e saber pelas professoras, na hora de ir buscá-la, quais foram as novidades que ela apresentou no dia. E eu simplesmente não posso viver assim.
Tá, mas e aí? Como fico agora? Aí é que está: não faço a menor ideia… Só sei que assim não vai dar pra ser simplesmente porque eu não consigo. Achei que fosse conseguir, mas antes de ser mãe eu não sabia nada sobre isso, sobre como eu me comportaria como mãe e profissional.
E embora eu me sinta muito sozinha nesse dilema interno, muito angustiada sem saber qual é o meu novo lugar no mundo, e essa angústia gere muita solidão, sei que não estou sozinha. Existe um sem número de mulheres passando por isso também, muitas de maneira muito semelhante.
Aquele trecho que transcrevi lá em cima está em um artigo científico publicado em 2006 por um pessoal da USP. Foi também nesse artigo que encontrei esse outro trecho:
“Ao dar conta do nascimento do bebê, a mulher passa a apropriar-se da nova situação e conscientiza-se de que o bebê é totalmente dependente dela. Assim sendo abre mão de tudo conforme pode-se perceber em algumas falas que compõe a categoria assumindo responsabilidade pelo bebê:Se eu precisar acordar dez vezes à noite, eu acordo. A gente supera o cansaço, pois é uma coisa muito forte. Tudo fica em segundo plano. Meu mestrado vai ficar para a hora que der. Agora, ele é minhaprioridade. Então, tudo na vida fica em segundo plano … (Luiza)”
Luiza sente o que eu sinto.
E o que muitas outras mulheres sentem.
Luiza não precisa explicar porquê o mestrado dela vai ficar pra outra hora, em segundo plano, porque eu entendo muito bem o que ela quer dizer e o que ela está sentindo. Mas muitas mulheres no mundo voltam a trabalhar quando o bebê é muito pequeninho ainda, como a minha filha. Muitas fazem isso. Eu sou uma mulher como elas, portanto devo fazer isso também.
Calma, muita calma nessa hora.
Não. Eu não consigo fazer. Afinal, todas somos diferentes, não?
Nesse momento, eu não vou conseguir colocá-la numa creche. Ela tem 5 meses e precisa de mim. E o mundo está precisando de pessoas que cuidem mais atentamente e presencialmente de seus filhos. Respeito todas as mulheres do mundo que conseguem voltar à vida de antes, respeito muito. Sei que não é nada fácil. Mas eu não estou conseguindo fazer isso…
Depois que amamento minha filha, eu a levanto e ela tomba no meu ombro direito, desmaiadinha e entorpecida pelo leite. Deita a cabecinha no meu ombro, eu afasto a cabeça e, com o canto do olho, fico olhando para ela ali, entregue. E é exatamente nessa hora que eu começo a desconfiar de qual é o meu novo lugar no mundo. E até sei quem está nele…
Como o próprio texto lá em cima disse, estou muito desorganizada internamente, muitos papéis e vínculos que assumi antes foram quebrados e, às vezes, fico mesmo muito chateada por não saber mais qual é o meu nicho ecológico. Em crise mesmo. Estou passando por um ritual de transição e, também como o texto, estou reorganizando todos os papéis que integram o meu autoconceito de mulher. Mas, para mim, esse autoconceito de mulher está definitivamente ligado a estar com a minha filha. Se eu não puder estar com minha filha, então não quero estar.
Sim, estou na mais absoluta crise, mergulhada nela até o último fio do meu cabelo, agora novamente ondulado. Mas CRISE, em grego, significa um conjunto de situações de alguma coisa que está em mudança. Estar em crise significa que se está mudando de uma forma inédita, que ainda não havia sido mudada.
Infelizmente (ou não), não nasci em berço de ouro. E, felizmente, não saí por aí procurando marido rico. Então não posso agir enlouquecidamente.
Mas se tem uma coisa que sou é obstinada. E persistente. E, até, inteligente. Ou eu uso tudo isso em prol da minha qualidade de vida e da vida da minha família, ou eu pego essa porcaria de título e jogo no lixo.
Sim. Talvez eu vá sair da caixa. Mais uma vez…
Fácil não vai ser. Nem um pouco.
Mas quem disse que essa vida seria fácil?
Quem disse que é facilidade que eu busco?
Não serei a primeira.
Nem a última.
E aprendi faz bastante tempo a não temer a mudança.