Esse artigo segue dois aspectos de observação, incluindo aí, obviamente, minha vivência como advogada e profissional que já trabalhou na área de família, mas também minha experiência como mulher, como mãe, como ativista dos direitos humanos, como observadora da adversidade. Portanto, primeiramente, vou expor os aspectos jurídicos objetivos acerca da Alienação Parental.

ASPECTOS JURÍDICOS: POR QUE O BRASIL NÃO PRECISAVA DE UMA LEI SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL?

Alienação Parental está definida na Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que em seu artigo 2º:

“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”

A Lei dispõe, ainda, que a Alienação Parental fere um direito fundamental da criança e do adolescente, atribuindo penalidades, as quais podem ser vistas acessando o seu artigo 6º. Mas de onde vem esse termo?

Alienação Parental” é um termo criado pelo psiquiatra Richard Alan Gardner, um psiquiatra americano, cujo termo foi emprestado pelo Brasil para definir em sua legislação o que é e como seria punida. Esse artigo é interessante para quem quer conhecer todos os trâmites percorridos pelo Projeto de Lei proposto pelo Deputado Federal Régis de Oliveira, escutar as falas das audiências públicas, as razões dos legisladores e da sociedade civil nas Comissões para se posicionaram contra ou a favor da aprovação da Lei.

Mas anteriormente à Legislação mencionada acima, o Código Civil Brasileiro já regulava as relações familiares dos genitores com seus filhos, a partir do artigo 1.630. Veja:

CAPÍTULO V – Do Poder Familiar SEÇÃO I – Disposições Gerais

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.

SEÇÃO II – Do Exercício do Poder Familiar

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

SEÇÃO III – Da Suspensão e Extinção do Poder Familiar

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5o , parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Art. 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Assim, observando o que diz o Código Civil, vigente desde janeiro de 2003, especialmente os artigos que acabo de mencionar, é possível notar que já havia em nossa legislação ordinária instrumentos determinando o exercício conjunto de pátrio poder, bem como os instrumentos legais para coibir prática de abuso de quaisquer um dos genitores. Mas não é só na Lei Civil que já estava estabelecido o dever familiar em relação aos filhos exercido por mãe e pai. Desde 1988, a Constituição Federal já estabelece as regras de proteção à família,– hoje com algumas alterações – nos artigos 226 e 227 – especialmente no Título VIII, Da Ordem Social – Capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, definindo a proteção do Estado sobre a família, a gratuidade do casamento civil, o reconhecimento do casamento religioso, o reconhecimento da união estável, a dissolução do casamento pelo divórcio e muitos outros reconhecimentos. Mas, especialmente para nossa finalidade aqui, dispõe o seguinte:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifos nossos)

Pois bem. É importante ressaltar, portanto, que o direito à dignidade e prioridade absoluta da criança e do adolescente, bem como os deveres e direitos exercidos na relação conjugal por mulheres e homens em igualdade de condições, já estavam previstos na Constituição Federal, que é a norma maior norteadora das relações coletivas do nosso país. E é mister olhar que tanto na Constituição Federal quanto no Código Civil já existem mecanismos para a proteção da criança e do adolescente de quaisquer abusos praticados por seus genitores. Isso sem falar da criança considerada como prioridade absoluta, sobre o qual dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente. Especialmente o seguinte artigo:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

E já que estamos falando de instrumentos de defesa e proteção das crianças e dos adolescentes, vamos falar também da Declaração dos Direitos da Criança Adotada pela Assembleia das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil; através do art. 84, inciso XXI, da Constituição, aprovada no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n° 28, de 14 de setembro de 1990, e que diz em seu Princípio 2:

A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança.

Quando um Tratado ou Convenção Internacional é assinada e ratificada pelo Brasil, ela passa a ter força de Emenda Constitucional, conforme dispõe o §3º do artigo 5º da Constituição Federal. Portanto, enquanto sistema jurídico legal, antes mesmo da Lei específica sobre Alienação Parental, o Brasil já se encontrava robusto na existência de Tratados Internacionais, Legislação Constitucional, Legislação Ordinária que garantem o direito à proteção da criança e do adolescente de estar a salvo de qualquer tratamento que lhe fira a dignidade, bem como já “reconhecia” que o poder familiar deverá ser exercido em igualdades de condições. O direito da criança e do adolescente como prioridade absoluta à proteção, dignidade e de estar a salvo de violência, e o DEVER DOS GENITORES DE EDUCAR EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES já está determinado em Lei no Brasil, amparado por garantias fundamentais, que bastam que sejam devidamente aplicadas pelos operadores do Direito nos conflitos, sejam eles advogados, promotores, defensores públicos, juízes, desembargadores e ministros das altas Cortes de Justiça do país.

Então, está acima explicitado em detalhes o ordenamento legal aplicado no Brasil que DEVE ser usado para PROTEGER UMA CRIANÇA E ADOLESCENTE DE QUALQUER ABUSO POR PARTE DE SEUS GENITORES, E TAMBÉM O QUE DETERMINA O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES ENTRE HOMEM E MULHER.

Ou seja: não se fazia necessário, do ponto de vista jurídico, uma Lei de Alienação Parental

QUEM CRIOU O TERMO “ALIENAÇÃO PARENTAL” DEFENDIA O QUÊ E QUEM?

A Alienação Parental foi um termo criado, como já dito acima, por Richard Alan Gardner, um psiquiatra americano, que, de forma polêmica, passou a defender abusadores e pedófilos sob a alcunha de vítimas de alienadores parentais. Uma ampla pesquisa no Google pode levar qualquer pessoa a diversos artigos onde se discute a legitimidade de Richard de propor uma nova classificação de violência à criança – “alienação parental” – quando ele reconhecia que a pedofilia era um potencial humano que poderia ser desenvolvido por qualquer um. Sim, isso mesmo que você leu. Diversas polêmicas resultaram no não reconhecimento da “Síndrome de Alienação Parental” pela Associação Americana de Psiquiatria ou qualquer outra Associação Médica ou Profissional.

Mesmo que alguma razão existisse na diversidade dos argumentos de Gardner ao dizer que “Pedofilia, Estupro, assassinato, sadismo sexual e assédio sexual são todos parte do potencial humano. Isso não significa que eu sanciono estas abominações”, ele perde a credibilidade ao olhar possível do agressor, sem estabelecer a criança como prioridade absoluta e sujeito de proteção a todos os seus interesses fundamentais como reza a Declaração Internacional dos Direitos da Criança.

É verdade que a maldade e o sombrio estão no potencial humano? Sim, claro que é. Hanna Arendt no livre “Eischmann em Jerusalém”, ao discorrer sobre a banalidade do mal, nos mostra como essa é inerente do ser humano, independente de gênero. Nós humanos temos todos nossas sombras, nossas dualidades e nossas maldades. Essas, contudo, não podem nunca, em hipótese alguma, colocar em risco ou sobrepujar o direito à proteção que uma criança tenha. Em minha visão, essa desconsideração do olhar da criança como objeto único de proteção retirou de Gardner sua razão e legitimidade em sua teoria. Gardner suicidou-se em maio de 2003, e sua teoria de “Síndrome de Alienação Parental” passou a ser adotada em alguns países, apesar de veemente refutada em outros.

O Brasil é um país que possui leis robustas de proteção à criança e ao adolescente. Igualmente, possui lei robusta para a defesa dos direitos das mulheres, de vedação ao trabalho escravo… O Brasil é inclusive signatário de alguns tratados internacionais que embasam a proteção dos direitos acima referidos.

PATRIARCADO E “ALIENAÇÃO PARENTAL”

Sendo assim, porque então precisaríamos de uma lei específica de Alienação Parental?

Porque vivemos num mundo patriarcal, numa sociedade em que a vontade preponderante do masculino impera nas relações e o direito que serve ao patriarcado (ainda que exercido por mulheres) é referendado em suas aplicações efetivas e práticas nos Tribunais, de olhar conservador, onde o acesso à justiça não é equânime sendo medido pela condição monetária, e os Tratados Internacionais de garantias dos direitos fundamentais não são aplicados. Se assim fossem, não haveria nenhum motivo para a existência da Lei de Alienação Parental.

Quando há uma relação que forme família entre dois indivíduos (sexos opostos ou não) estamos diante da Família Conjugal, relação bilateral, contratual (escrita ou não), definida em lei. Como qualquer contrato, pode ser desfeito a qualquer tempo, apurando-se os ônus e bônus da relação, solvendo-a equitativamente.

Quando há uma relação entre dois indivíduos que dela se origine filhos, não há mais um contrato bilateral. Há a família parental, cujo laço não será desfeito – restando até obrigações pós-morte. Nesse triângulo da família parental, a criança/adolescente estará sempre na ponta ascendente da figura trigonométrica porque é a ela que devem ser direcionados o direito, e as relações que a norteiam: por isso o direito da criança e do adolescente a uma vida digna é prioridade absoluta.

Fôssemos nós, seres humanos, educados no respeito mútuo, e na consideração da vulnerabilidade e fragilidade de uma criança, em uma sociedade equânime no exercício dos direitos por homens e mulheres, raramente falaríamos de alienação parental, porque a criança como foco e objeto de PROTEÇÃO INTEGRAL, ABSOLUTA E PRIMEIRA estaria a salvo de violência – de quaisquer tipos. Mas não é assim que acontece.

A tal "SAP" só vai acontecer quando houver a dissolução da família conjugal com danos a qualquer das partes, com conflito e litígio, confundindo a figura de genitores com a figura de dois contratantes que romperam um contrato celebrado. Simples assim. Simples? Poderia ser.

Quando a dissolução de uma família conjugal (o tal contrato bilateral) acontece de forma madura e respeitosa, os genitores compreendem que o poder familiar deverá ser exercido em igualdade de condições (EM TUDO), compreende-se responsável pela criança/adolescente que originou a família parental, e a protege acima de tudo porque a criança é a parte vulnerável da relação, devendo seus interesses se sobreporem a quaisquer interesses pessoais, financeiros, contratuais. Assim deveria ser se ter filhos pudesse ser uma escolha informada, o que para a mulher brasileira não é.

SEPARAÇÃO CONJUGAL, ALIENAÇÃO PARENTAL, ABUSO, VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E DESRESPEITO A TRATADOS INTERNACIONAIS

O Brasil é o quinto país no mundo em violência contra a mulher. Vivemos numa sociedade em que mulheres são violentadas a todo tempo, onde a desigualdade perpassa a esfera sexual, moral, patrimonial, midiática, profissional… Recentemente, um texto impactante da jornalista Andrea Dip relata a violência sexual dentro do matrimônio (leia aqui). Vivemos em um país onde as violências psicológicas, morais e patrimoniais contra a mulher pouco são reconhecidas e aplicadas de maneira efetiva como disposta nas Leis Federais e na específica.

Recentemente, o Brasil sancionou a Lei do Feminicídio reconhecendo a existência de crimes de gênero: mulheres morrem por serem mulheres e por exercer (ou buscar formas de) sua autonomia. 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos, aponta pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular.

Quando num contrato uma parte descumpre as obrigações legais causando danos à outra parte, ainda que sem a vontade “dolo” – a legislação brasileira define as sanções, responsabilizações e indenizações para reparar o dano lesivo. Assim também ocorre na dissolução da relação conjugal, e as sanções ali aplicadas não podem ser confundidas com tal “SAP”.

Em 01 de agosto de 1996, através do Decreto Nº 1973/96, o Brasil promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Isso quer dizer que o Brasil reconheceu e ratificou os termos de um Tratado Internacional de Direitos Humanos, vinculado à OEA – Organização dos Estados Americanos.

A violência doméstica é “Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Lei Maria da Penha, Art.5º.

Para configurar a violência, nos termos da Lei, a convivência não precisa ser cotidiana, nem atual, nem duradoura, bastando que exista uma relação de afetividade entre a vítima e o agressor, e independe de residirem ambos no mesmo local. Também pode ser considerada violência doméstica aquela ocorrida entre as pessoas da mesma família, incluindo os agregados e também os laços decorrentes de afinidades e/ou vontade expressa das pessoas. Exemplo: pais e mães com os filhos.

A Lei Maria da Penha especifica 5 tipos de violência doméstica: psicológica; patrimonial, moral ou financeira; moral; física e sexual. Quando uma mulher é vítima de quaisquer uma dessas violências, ela tem o direito de denunciar a agressão sofrida e solicitar que as autoridades lhes garantam as medidas protetivas necessárias para mantê-la à salvo de reincidência da violência, além de punir o agressor (inclusive com medidas que, além da perda da liberdade, sirvam como educação para não ocorrer nova violência). Assim sendo, quando há violência doméstica numa família parental, a vítima nunca é somente a mulher. A vítima se torna todo o vulnerável que, de forma colateral, é atingido pela violência: sejam crianças, idosos, pessoas sem o exercício de sua capacidade civil.

E, justamente pelos estudos que comprovam o quanto a violência doméstica torna vítima também os vulneráveis (e aqui nesse caso vou falar especificamente de crianças), a legislação definiu que as medidas protetivas devem ser estendidas para além da mulher. Algumas medidas protetivas:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas;

II – afastamento do lar ou do local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, como: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância; b) contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação (ligações telefônicas, mensagens, e-mail); c) frequentar determinados lugares a fim onde agressor poderá ser preso rapidamente de preservar a integridade física e psicológica da vítima;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores de idade, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Medidas protetivas de urgência à própria mulher e seus filhos, como:

I – encaminhá-la com os dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II – determinar o retorno dela e dos dependentes ao respectivo lar, após afastamento do agressor;

III – determinar o afastamento da vítima do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – determinar a separação de corpos

A Convenção Belém do Pará, que trada sobre a violência contra a mulher, determina em seu artigo 7º que os Estados que a assinaram condenem todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência. Isso aprovado no Brasil no ano de 1996. A Lei Maria da Penha nº 11.340/2006 foi uma imposição da Comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA decorrente de uma denúncia de inércia, por 19 anos, do Estado Brasileiro em relação à ao caso de violência doméstica.

No comparativo da Lei que determina as medidas protetivas à mulher, se a analisarmos isoladamente, sem o contexto da violência e sem a intenção da proteção da parte vulnerável, tais medidas poder-se-iam ser comparadas às ações de alienação parental. Entretanto, o objetivo é bem diverso: há afastamento do genitor agressor para colocar a criança/dependentes à salvo de violências, principalmente as violências psicológicas que sofrem as crianças ao presenciarem agressão. A CRIANÇA/ADOLESCENTE É PRIORIDADE ABSOLUTA NA DEFESA DOS DIREITOS. SE UMA VIOLÊNCIA NA RELAÇÃO CONJUGAL QUE VITIMIZE UMA MULHER POSSUI OS EFEITOS COLATERIAS DE DANO E ATO LESIVO À CRIANÇA, O AFASTAMENTO OU RESTRIÇÃO DE VISITAS NÃO É ALIENAÇÃO PARENTAL: É MEDIDA DE PROTEÇÃO E GARANTIA DE INTEGRIDADE.

O QUE FAZER PARA DIFERENCIAR UMA COISA DE OUTRA?

As mulheres vítimas de violência doméstica têm direito a medidas protetivas quanto estão em situação de risco, e esse pedido pode ser feito na Delegacia de Polícia, no Ministério Público, na Defensoria Pública e/ou através de um advogado(a) de escolha da vítima. Para solicitar medida protetiva não é necessária a realização de Boletim de Ocorrência por parte da vítima.

Na Cartilha sobre Violência contra a Mulher publicada pela LUSH em parceria com a Associação Artemis, e de cuja elaboração eu participei, há uma relação de serviços da Rede de Enfretamento à Violência Doméstica onde a Mulher pode pedir ajuda. Recomendo fortemente que toda mulher que esteja passando por situação de violência acesse e conheça as formas de pedir apoio e proteção. Além destas vias de proteção, é direito da mulher procurar orientação e auxílio jurídico nas Defensorias Públicas do Estado, e também no Ministério Público de sua cidade. Algumas cidades no país contam com Núcleos Especializados na Defesa dos Direitos da Mulher, tanto nas Defensorias Públicas Estaduais quanto nos Ministérios Públicos Estaduais.

A necessidade de escrever sobre Alienação Parental e a diferença entre esta lei e as medidas protetivas da Lei Maria da Penha veio depois da chacina ocorrida na virada do ano de 2017, na cidade de Campinas, onde foram vitimadas 12 pessoas. O artigo de Débora Melo para a Carta Capital (aqui), cujo trecho copio abaixo, mostra as marcas da violência doméstica que atinge de forma colateral a criança:

De acordo com um dossiê divulgado em novembro pelo Instituto Patrícia Galvão, a cada 90 minutos uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. Para Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do instituto e editora-chefe do Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, a chacina de Campinas tem todos os elementos de um feminicídio.

“Além do crime de assassinato cometido em uma circunstância de violência doméstica familiar, o assassino mostra muito menosprezo à mulher, à condição do sexo feminino. Isso abrange todas as vítimas dessa chacina”, afirma. Para Sanematsu, que participou da elaboração do Dossiê Feminicídio, o caso expõe a urgência em debater o machismo na sociedade brasileira.

“O que leva a esse ódio? Isso representa, para mim, a incapacidade do homem de lidar com o empoderamento das mulheres. Esse empoderamento leva as mulheres a dizerem não, e as reações extremas vêm daqueles que não sabem lidar com a contrariedade. Então toda mulher que contraria a sua vontade, a sua ordem e a sua opinião é uma vadia. E é essa mulher que merece ser agredida, que merece ser morta. É muito preocupante”, completa Sanematsu.

Entre as 12 vítimas de Araújo está também João Victor Filier de Araújo, de 8 anos, filho dele com Isamara. Os pais disputavam a guarda da criança, e em 2012 Araújo foi acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente do filho. A Justiça considerou que as acusações não eram “cabalmente comprovadas”, mas determinou regras de convívio restritas. De acordo com Daniela Teixeira, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, a Justiça falhou.

“O Judiciário deve desculpas a essa mulher que morreu e aos parentes que também morreram. Essa mulher já tinha procurado a Justiça para dizer que ele [Araújo] era uma pessoa perturbada. Todo o sistema jurídico falhou na proteção dessa mulher, dessa criança e das outras pessoas inocentes que foram mortas nesse Réveillon”, afirma Teixeira. “As atitudes dele comprovam que ela [Isamara] tinha razão. Esse pai não podia ficar perto do filho. Olha o que ele foi capaz de fazer”, continua.

As medidas protetivas cabíveis em caso de violência doméstica devem sempre ser requeridas. Uma mulher que denuncia na rede, de forma efetiva, a violência sofrida, e consegue uma medida protetiva, possui um documento que pode lhe proteger de eventual alienação parental.

Caso estejam se perguntando: “Mas homens não podem ser vítimas de alienação parental? Mulheres então nunca serão agressoras que afastam seus filhos dos pais por uma frustração pessoal ou sentimento de vingança por uma relação desfeita?”, a minha resposta é: também por tudo o que escrevi acima, eu não acredito em Alienação Parental nos termos em que a lei coloca. Eu acredito que CRIANÇAS SÃO VIOLENTADAS POR SEUS GENITORES QUANDO QUALQUER UM DELES USA DE SEU PODER, POR RAZÃO EXCLUSIVAMENTE PESSOAL, PARA ATACAR O OUTRO GENITOR. TODO SER HUMANO ESTÁ SUJEITO À SUA SOMBRA E A DUALIDADE DE SEU MAL, E A VÍTIMA SEMPRE SERÁ A CRIANÇA, VULNERÁVEL, QUANDO UM ADULTO USA DE VIOLÊNCIA.

Para concluir, me sirvo do ensinamento do magistrado Dr. INGO WOLFGANG SARLET, também professor titular de Direito Constitucional na Escola Superior de Magistratura do RS, entre outros títulos, no artigo que está publicado na Revista de Direito Constitucional e Internacional da RT, de n. 57, fev.2007, com o seguinte título “A eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proteção de Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro” (a referida organizadora da mencionada  obra* é a Excelentíssima Ministra Senhora CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA.”:

Por derradeiro, cuidando da dignidade – e aqui tomamos novamente emprestadas as palavras da ilustre organizadora desta obra*, do que se poderia denominar de “coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana”, é imprescindível que se outorgue ao princípio fundamental da pessoa humana, em todas as suas manifestações e aplicações, (portanto também no âmbito de retrocesso e na correlata noção de segurança jurídica), a sua máxima eficácia e efetividade possível,  em suma, que se guarde e proteja com todo o zelo e carinho, este coração de toda a sorte de moléstias e agressões, evitando ao máximo o recurso à cirurgias invasivas, e, quando estas se fizerem inadiáveis, que tenham por escopo viabilizar que este coração (ético-jurídico) efetivamente esteja ou venha a estar a bater para todas as pessoas com a mesma intensidade.”

A segurança jurídica e a proteção do direito fundamental devem alcançar todas as pessoas com a mesma intensidade. Esse é meu desejo…

Este artigo eu dedico às Elaines Cesar, às Adrianas Mendes, às Goretes, às Marias, às Ludmilas, e aos homens que exercem a paternidade com a responsabilidade que lhe são inerentes, sem violência, RESPEITANDO A PRIORIDADE ABSOLUTA DO VULNERÁVEL E A DIGNIDADE HUMANA.

Ana Lúcia Keunecke

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Este texto foi produzido com o apoio do Instituto Alana

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