É possível que muitas pessoas acreditem que não. Que não é possível ser feliz por 100 dias seguidos. Oras, a vida é muito dura, estamos muito ocupados fazendo aquilo que todos (chefe, colegas, companheiros, vizinhos, nós mesmos…) esperam que façamos, e não tem sentido algum querer ser feliz 100 dias seguidos porque isso é ostentação, é futilidade, é ilusão, ninguém pode ser feliz 100 dias seguidos e querer isso é nutrir uma altíssima expectativa sobre a vida e abrir portas à frustração. Vida não precisa ser assim, extrema, não precisa ser assim, sempre feliz, vida não é isso.
Bem… Assim é para você, se lhe parece ser…
Mas talvez apenas porque "felicidade", para você, seja aquela flor rara e única que floresce somente uma vez sobre o cume da mais alta montanha, onde somente os escaladores e desbravadores mais vorazes são capazes de subir… e alcançar. Talvez apenas porque o seu conceito de felicidade envolva grandes feitos, grandes somas, grandes atos, grandes fatos, grandes eventos, tudo grande, tudo imenso. E isso – sinto lhe dizer – isso sim é ilusão.
Mais que ilusão.
É uma porta constantemente aberta para um caminho de insatisfação com a vida e de perda dela mesma.
Mais que ilusão.
É um desperdício imenso de sua capacidade, de sua percepção, de seus sentidos.
Felicidade está mais para mato.
Talvez ela exista em todos os lugares. Talvez ela seja, muitas vezes, arrancada como erva daninha a fim de dar lugar a construções, a produções, a méritos, essas coisas que nos consomem todo o tempo e muitas vezes nos impedem de ser feliz ou de ver felicidade em coisas simples. Talvez seja um mato que a rotina nos impeça de ver. E que, mesmo estando sempre ao nosso lado, e faça parte de nosso trajeto, de nosso caminho, não seja visto por nós por uma questão de habituação do olhar.
Os momentos de grande perda e de ruptura da vida colocam em cheque, também, nossa capacidade de ver, sentir e perceber a felicidade. Algo que pode ser chamado de "anedonia": a perda da capacidade de sentir prazer. De tornar-se e manter-se e fazer-se feliz com coisas que antes nos faziam ser. A perda da busca por sentir prazer. E o aceitar, resignado, da apatia do olhar.
Pessoas que passam por experiências difíceis e traumáticas – e todos passamos, mais cedo ou mais tarde… – também passam por essa fase.
É natural. É esperado. Não precisa ser combatido com unhas e dentes. Também faz parte de nós.
Nosso emocional precisa de um tempo de resguardo, de ressignificação, de reprocessamento, precisa assentar o ocorrido e se reestruturar com base em uma nova realidade.
Estou passando por isso…
E, paradoxalmente, nos momentos de quietude, de tranquilidade, de olhar distraído e mente serena, é a beleza sutil e sempre presente da vida que tem me saltado ao olhar. Que tem trazido força e cura.
Uma coruja que pousa no carro. Um pássaro que permanece em cima de um galho por horas, até o escurecer. Cachos de flores amarelas aqui na janela, em frente de onde escrevo. Um grupo de pássaros em rota migratória. Os olhinhos pequeninos da minha filha quando acorda. Suas brincadeiras com seus amigos imaginários. Uma palavra de conforto do carteiro. O tchau dos trabalhadores da limpeza pública ou dos entregadores de gás para minha filha. Uma vizinha que vem trazer flores que ela mesma colheu, para que eu enfeite minha sala naqueles dias tumultuados. Três irmãs sentadas numa lanchonete de rodoviária tirando o esmalte gasto de tantos dias, como se assim fugissem do mundo e fossem somente as três, novamente as três, abraçando-se e rindo a despeito da dor. A grama seca pelo sol escaldante, que volta ao viço depois de um balde d'água. Um por do sol acontecendo enquanto minha filha boia tranquilamente na água calma de uma baía. O cheiro de bolo de chocolate na casa da amiga. O abraço carinhoso de quem sabe o que você está sentindo. A dancinha sem ritmo do Arnaldo Antunes. Uma comidinha de surpresa. A remoção de uma angústia documentada. Um e-mail cheio de amor enviado por quem você nunca viu, mas que sabe próximo. Uma notícia boa. Um livro prazeroso. O cheiro de água que cai sobre o chão quente e evapora instantaneamente. A voz da Rita Ribeiro cantando "Oração ao Tempo". Um artigo sobre a importância do vínculo, escrito magistralmente. Um amigo reencontrado. Uma amiga que estava longe e agora está mais perto.
Tantas coisas absolutamente rotineiras e, ainda assim (ou talvez por isso mesmo), tão felizes. Tão importantes. Tão capazes de nos curar.
Talvez justamente por isso, ou justamente porque valorizo isso, ou porque esteja vivendo um momento de processamento da perda, uma proposta me encantou. Chama-se 100 HAPPY DAYS. 100 Dias Felizes. Você pode conhecer a proposta, em sua versão em português, aqui.
Pergunta-se:
Não sei quem criou. Fiz uma leve busca e não encontrei. Torço para que não seja uma banal campanha de alguém mal intencionado que, realmente, não sabe ser feliz por 100 dias.
Mas é uma belíssima proposta.
Encontrar, em sua rotina, motivos para que se perceba feliz em 100 dias corridos.
Sem precisar escalar montanhas em busca da flor rara…
Para se ver feliz. Para ver a felicidade acontecendo nas pequenas ou grandes coisas. Para cultivar o otimismo. O otimismo que muda padrões mentais, que libera endorfina, que muda nossa fisiologia, que melhora nossa vida. Por gratidão ao que vivemos de bom, ainda que tantas vezes passe desapercebido…
Conheci essa iniciativa acidentalmente, por uma grande amiga, e, talvez em função do momento que vivo, soou-me extremamente agradável e prazeroso. E decidi participar, retrospectivamente, começando em 31 de janeiro de 2014. E está me fazendo grande bem.
Para muitos, parecerá uma grande bobagem. Uma perda inútil de tempo. Algo para o qual não devemos destinar energia e tempo. Uma bobeira qualquer.
Tal e qual mato.
Aquele.
Que é arrancado para dar origem a coisas mensuráveis, consumíveis.
Assim será. Se lhe parecer.
A mim, não.
Não me assusta que seja uma bobagem qualquer. Assusta-me, isso sim, saber que a felicidade esteve comigo por 100 dias seguidos e fui simplesmente incapaz de vê-la.
Esse é o meu remédio. Esse é o meu tratamento. Essa é a minha medicação.
Enxergar a felicidade onde ela realmente está.
Esse é o meu remédio. Esse é o meu tratamento. Essa é a minha medicação.
Enxergar a felicidade onde ela realmente está.
Se você tiver olhos para ver, veja. E participe também.
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Mario Quintana