– Foi escrito na madrugada e sairá com data de 1o. de abril. Mas JURO que é verdade! –

Esse é o post que registra oficialmente o começo de uma história que já começou linda. Normalmente, as pessoas contam histórias que têm finais felizes. Eu começarei a contar uma de início feliz e que, portanto, tem a chance de ter um fim lindão.
Começa assim…
Tenho muitas amigas que passaram por situações difíceis durante o parto, marcadas por muito desrespeito da equipe médica para com o trabalho de parto delas. Isso sempre me entristeceu muito. Como aceitar que uma mulher em trabalho de parto seja humilhada, ofendida ou reprimida? Eu já sou essa pessoa meio crítica e inquisidora, imagina frente a situações assim. Isso eu nunca consegui engolir. Mas ninguém me chamou e eu não tinha nada com isso, pensei. Aí um belo dia, a Folha de SP publicou uma matéria com base numa pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrando que 1 em cada 4 mulheres relata ter recebido maus tratos durante o trabalho de parto e parto. (a matéria está em modo de assinante, mas copio e colo ali embaixo, pra quem quiser saber mais)
Com cada mulher que eu comentava sobre isso, recebia mais um relato do tipo: “nossa, eu fui muito maltratada”, e meu coração foi ficando muito apertado. Puxa, sei como é importante um parto bacana pra uma mulher… E fico pensando quantas mulheres são maltratadas também mas nem se tocam que estão sendo, porque acham que é normal.
Bem, aí comecei a ter uma ideia de pesquisa que, resumidamente, se baseia em acessar um grande número de mulheres para juntar outro tipo de dado sobre maus tratos no parto, com uma metodologia inovadora de acesso a essas mulheres, um outro tipo de abordagem. Comecei a rascunhar sobre isso, a perguntar a opinião de algumas pessoas, e o projeto foi ganhando status disso mesmo, de projeto.
Aí me toquei que um certo prêmio está com edital aberto, exclusivo para mulheres cientistas. E decidi que, sim, vou entrar nessa. Vou tornar a ideia um projeto de pesquisa oficial – já o estou tornando, escrevendo o projetinho – e submetê-lo a esse prêmio. Estou abrindo mão de submeter meu próprio projeto, da minha área atual de atuação, para submeter esse.
Bem, eu precisaria do apoio de algum professor da universidade – lembrem-se: não estou mais vinculada à universidade, embora faça pós-doutorado. Fui atrás. Pede recomendação aqui, sugestão de nome ali, passo meu óleo de peroba na cara, chamo a coragem e vâmo que vâmo. E-mail aqui, e-mail ali, e ninguém querendo me apoiar nessa. Há muito preconceito, por parte de quem está na academia, com quem quer fazer pesquisa FORA dela. Sem falar que apoiar uma pessoa que não se conhece é uma coisa complicada mesmo. A gente não sabe se a pessoa que está propondo é ética ou não… Mas, de qualquer forma, a academia se tornou uma espécie de Olimpus, onde as pessoas passam a se sentir deuses e semi-deuses. Lógico que não dá pra generalizar, mas uma grande maioria pensa assim mesmo. Já convivi com muita gente assim durante esses quase 16 anos no meio.
Mas tem gente que não pensa assim não. Tem gente lutando por mudanças.
E quando eu estava quase desistindo, consegui. Por indicação de duas amigas diferentes, consegui dois professores para me apoiar nessa iniciativa. Já vou marcar um encontro com um deles para discutirmos a ideia. Ele vai me dar uma carta dizendo que vou realizar a parceria em colaboração com ele e com a universidade e lá vou eu submeter a ideia ao prêmio.
Na realidade, não tenho pretensão de ganhar. Mas só de organizar as ideias em prol de uma causa dessas a ponto de apresentá-la a uma comissão científica, já é muito válido. Muito. E isso está operando uma mudança IRREVERSÍVEL na minha vida que, infelizmente, mas muito infelizmente mesmo, não posso falar agora… A internet é um meio aberto demais pra divulgar informações que não podem vazar. É, mesmo, a ciência a forma que escolhi de contribuir para a melhoria da vida.
O que posso dizer, por enquanto, é que isso vai mesmo mudar a minha vida. Pra sempre. E de uma maneira que, quando contar, vão MESMO dizer que sou louca.
Bem, mas o início dessa história feliz não termina aí.
Hoje cedo, recebi um e-mail de uma amiga da lista de discussão sobre parto humanizado e maternidade consciente divulgando um evento que vai ocorrer na próxima quarta-feira, dia 6 de abril, às 13 horas, na Câmara Municipal de São Paulo, que vai discutir a questão da Violência no Parto, com professores relacionados à tal pesquisa da Fundação Perseu Abramo – que deu base à matéria da Folha que mencionei – e um possível representante do novo programa do governo Rede Cegonha. Adorei a ideia do evento, ainda mais num momento em que estou escrevendo um projeto sobre o mesmo tema, mas ir pra Sampa agora?! Nem sombra de possibilidade! Não tenho a menor condição de pagar 400 pra ir, mais 400 pra voltar, pra estar numa palestra. Aí respondi o e-mail assim:

“Nessas horas que eu gostaira de ser rica… Comprava agora mesmo uma passagem de avião e quarta-feira estaria na Câmara Municipal de São Paulo….”

Desliguei o computador e corri pra casa.
Chegando em casa, fiz o que faço todos os dias quando chego: pego minha filhotinha, dou de mamar, tiro leite pra ela ter no dia seguinte e vou almoçar (aí já são quase 4 da tarde, vai vendo…). Aí ela ficou com sono, fui fazê-la dormir e acabei dormindo junto, cansada como ando e com a chuvinha que caía. Quando acordo, abro meu e-mail e tá lá a maior movimentação: as mães da lista, lideradas por minha amiga Sheila, estavam se mobilizando e juntando dinheiro, um pouco de uma, outro pouco de outra, pra que eu vá representar nosso grupo e coletar informações pro projeto no evento da próxima quarta-feira em Sampa! Dá pra acreditar numa coisa dessas? Elas descobriram que uma companhia área tá com preços em promoção e começaram a juntar. 10 reais de uma, 20 de outra, mais uma quantia maior dali, e foi acontecendo. Fizeram até um leilão de um brinquedo artesanal feito por uma delas, a Lucíola! Eu tomei um susto tão grande que… Olha… nem sei dizer o que eu senti. Foram dezenas de e-mails, todas ajudando, se manifestando, organizando.
Conclusão: agora é meia noite e meia e elas juntaram TODO DINHEIRO QUE É PRECISO para que eu esteja em São Paulo na quarta-feira, representando o grupo, manifestando nossa opinião, colhendo ideias pro projeto e distribuindo o DVD do documentário. Vou conversar com o pessoal no trabalho, dizer que não poderei estar presente na quarta-feira, e fazer um bate-volta. Vou e volto no mesmo dia, porque a viagem Floripa-SP é super rapidinha, 1 horinha e se resolve tudo. Minha filha Clara, minha inspiração pra tudo de novo e de bom que eu tenho feito, vai junto, lógico. Vamos eu, ela, nosso sling e nossa mochila cheia de documentários a serem distribuídos.
Dá pra imaginar o que estou sentindo vendo tudo isso? Vendo a confiança que essas mulheres estão depositando em mim?
Quando acontecem coisas como essa na vida, não dá pra negar que há um caminho sendo mostrado. E tantas e tantas vezes eu me peguei pedindo: “me mostra um caminho, me mostra um caminho” e agora taí.
Digo que é uma história com começo feliz que, com certeza, terá um fim bem legal.
Mas vai demorar um pouco pra poder relatar aqui qual será o final.
Porque será, de novo, um longo caminho…
Mas quem disse que vim à passeio?
Tomei uma decisão importante na minha vida, que vai mudá-la totalmente pra melhor, vai mudar nosso futuro e estou certa e segura dela (bom, pelo menos nesse momento).
Estou conseguindo, mesmo, unir ciência e maternidade. Literalmente.
Como disse uma mãe da lista na última semana: “pessoas pequenas, em lugares pequenos, fazendo pequenas coisas, podem ajudar a mudar o mundo”.
Não vamos mudar o
mundo com isso, pelo menos não agora, embora seja esse nosso objetivo. Mas a minha vida, garanto que já estamos mudando.

Vai aqui o meu agradecimento EXPLÍCITO e emocionado a:
– Sheila (não há o que te dizer, amiga)
– Tamara
– Thais
– Lucíola
– Sandi
– Jane
– Renata
– Valquíria
– Elis
– Tade
– Carol
– Priscila
– Marcela
– Ana
– Iara
– Ana Paula
– e mais tantas que ainda estão escrevendo manifestando apoio e contribuindo, SEM QUE NINGUÉM TENHA PEDidO NADA (tem e-mail chegando até agora…)

… e assim começa minha nova história.
 
Segue, abaixo, o anúncio do evento, pra quem estiver em Sampa e quiser participar também.

No dia 06/04 – quarta-feira próxima, às 13 horas, na Camara Municipal de
São Paulo (Viaduto Jacareí, 100 – Metro Anhangabaú) – 8º andar – Salão
Nobre – acontecerá um evento importante que tratará do Parto Humanizado.
Nesta ocasião o Prof. Gustavo Venturi – Professor da USP – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas apresentará pesquisa em parceria
com a Fundação Perseu Abramo sobre a violencia no parto – matéria
recentemente veiculada na Folha de S.P. – que despertou muitas reflexões
nos diversos cenários de assistencia ao parto e entre os profissionais e
usuários dos serviços de saúde.
A pesquisa será apresentada e debatida por especialistas envolvidos com
a formação de profissionais para a assistencia ao parto e por gestores
de serviços e organizações publicas. Entre eles: Profa. Dra. Nadia
(Curso de Obstetricia); Dra. Anke Riedel (Casa Angela); Dra Ma.
Aparecida Orsini (Coordenadora do Programa Mãe Paulistana) e,
representante do governo federal que falará sobre o projeto Rede Cegonha
(a confirmar). A organização e coordenação Vereadora Juliana Cardoso e
assessoria.
Convidamos a todos e todas para participar desta atividade e marcar

presença nas discussões acerca do cuidado à mulher durante o processo de
parto.
Divulguem! A entrada é franca!
Aqui, a matéria da Folha de SP sobre maus tratos no parto:
Uma em 4 mulheres relata maus-tratos durante parto
Queixa é mais frequente em hospital público, mas ocorre também em particular
Agressões vão de exames dolorosos a xingamentos e gritos; secretário diz que situação é intolerável
 
LAURA CAPRIGLIONE DE SÃO PAULO

Chorando em um hospital, agulhada pelas dores das contrações do parto, mulheres brasileiras ainda têm de ouvir maus-tratos verbais como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?”; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo”; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais”.
Uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpretada por profissionais de saúde que deveriam acolhê-la e zelar por seu bem-estar.
São agressões que vão da recusa em oferecer algum alívio para a dor, xingamentos, realização de exames dolorosos e contraindicados até ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele.
Os dados integram o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado em agosto de 2010 pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc e divulgado agora.
A Folha obteve com exclusividade o capítulo “Violência no Parto”, que pela primeira vez quantificou à escala nacional, a partir de entrevistas em 25 unidades da Federação e em 176 municípios, a incidência dos maus-tratos contra parturientes.
Coordenado pelo sociólogo Gustavo Venturi, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o estudo constatou uma situação que Janaina Marques de Aguiar, doutora pela Faculdade de Medicina da USP, já tinha captado em estudos qualitativos. “Quanto mais jovem, mais escura, mais pobre, maior a violência no parto.”
O estudo mostra, por exemplo, que as queixas são mais frequentes no caso de o local do parto ser a rede pública, com 27% das mulheres reportando alguma forma de violência. Em 2009, foram quase 2 milhões de partos feitos nas unidades do Sistema Único de Saúde. Quando a mulher dá à luz em um serviço privado, as queixas caem a 17%.
Ressalta no estudo a diferença de tratamento em municípios pequenos, médios e grandes. Quanto maior o município, maior a incidência de queixas.
Segundo Sonia Nussenzweig Hotimsky, docente da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a diferença pode ser atribuída à “industrialização” do parto nos grandes hospitais. “Em uma cidade pequena, as pessoas acabam se conhecendo e o tratamento tende a ser mais humanizado”.
Desde 2004, o Ministério da Saúde tem entre suas prioridades a humanização do parto. Mesmo assim, até hoje não conseguiu nem sequer universalizar o direito das parturientes a um acompanhante de sua confiança, conforme lei de 2005.
Segundo Helvécio Magalhães Jr., secretário de Atenção à Saúde do ministério, a situação “é intolerável”. Segundo ele, “a humanização do parto está no centro da política de saúde do governo”. Sobre a lei do acompanhante, o secretário diz que é essencial seu cumprimento até para “coibir os abusos”.

 

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