Na postagem anterior, há um vídeo impactante sobre a importância do comportamento dos adultos sobre a vida e comportamento das crianças, com o subtítulo de “A criança vê, a criança faz”. Qual a mãe ou o pai que já não se questionou sobre o impacto de suas próprias atitudes sobre o comportamento de um filho? As crianças aprendem, também, pelo exemplo, vendo o adulto fazer. O convivio diário com determinadas situações e contextos faz a criança construir uma visão de mundo em que esses contextos e situações tornam-se naturalmente presentes e – mais importante ainda – indissociáveis. Coisas e situações repetidamente presentes são compreendidas como partes naturais da vida. Quem cresce vendo tapa, aprende que é pelo tapa que se resolve – até que tenha cérebro e sensibilidade suficiente para concluir que não se ensina nada de bom batendo, apenas que um se acha no direito de violentar o outro. Quem cresce vendo tratamentos hostis contra outras pessoas aprende que é assim que se trata o outro. Por outro lado, uma criança que cresce num meio musical aprende que a música é parte natural da vida; que tudo tem som, que os sons são apreciáveis, que podemos falar por música, expressar nossas emoções por música, sorrir, sofrer e sentir musicalmente. Quem cresce em meio a livros também aprende que eles fazem parte da vida, que estão sempre ao nosso alcance, que contém palavras que nos entretêm, divertem, transportam, ensinam e nos levam a refletir.
Aqui em casa, os livros têm lugar de destaque e podem ser vistos em todos os cômodos, sem exceções.
Nós gostamos de livros, estamos sempre com algum em mãos e, pelo menos nesta casa, não são apenas artigos de decoração. No quarto da Clara, onde ela passa pouquíssimo tempo, tem livrinhos desde quando ela ainda estava na barriga: os que eu vou comprando ou ganhando somados aos meus de infância, que guardei para possíveis filhos – a gente só guarda para os filhos o que considera importante…
Um bebê que cresce em meio a livros tende a valorizá-los e a vê-los como naturais. Tanto é assim que, hoje, já existem bebetecas, as bibliotecas para bebês, “voltadas exclusivamente para crianças de quatro meses até cinco anos de idade, com organização planejada para desenvolver a autonomia dos pequenos. O objetivo desses espaços é incentivar o gosto pela leitura desde cedo, atráves da contação de histórias e da apreciação de livros, contribuindo para que a criança desenvolva o pensamento, a atenção, o raciocínio,o estímulo, a imaginação, a comunicação. Além disso, busca-se a interação entre o adulto, o livro e a criança e o acesso à leitura literária é também o foco do trabalho“. Como se subentende pelas aspas e itálico, esse trecho não é meu. É de Márcia M.M. Rabe e Siumara A. de Lima, no artigo “O desafio de formar o leitor diante das novas tecnologias a partir da utilização do espaço bebeteca – biblioteca para bebês“, que você pode acessar clicando ali mesmo no título e que agora está na aba Maternidade Consciente deste blog. As autoras começam justamente afirmando que:
(…) quanto mais cedo a criança for apresentada aos livros e a uma boa leitura, maior será seu interesse por toda a vida.
A Clara é ainda bebê e, ainda assim, sempre teve contato com livros. Talvez porque sempre nos veja mexendo neles, e também porque são coloridos, bonitos e interessantes, ela sempre se interessou.
Começou por um de plástico que levava pro balde e pro banho. Logo que começou a se esticar pra pegar as coisas e engatinhar, procuramos adequar as coisas por aqui, evitando que coisas perigosas ou facilmente quebráveis ficassem ao seu alcance. Não mudamos os livros de lugar. Eles estão onde sempre estiveram, de forma que ela sempre os pôde alcançar, manipular e explorar livremente. E ela assim sempre fez… Rasgou pouquíssimas folhas. Acredito que já desenvolveu um certo cuidado com eles. Já a vi apertando um contra o peito e dançando, sinal claro de afeição. Sim, eles são bonitos, por que estragaria uma coisa bonita?
Aqui temos duas estantes cheias de livros. Numa delas, na parte inferior, estão – propositalmente – os pocket books. E – invariavelmente – todos os dias Clara faz inúmeras incursões àquela prateleira. Eu a observo sistematicamente. Ela vai até lá, tira todos do lugar, passa a mão em todos e escolhe uns dois, nos quais se atém mais tempo. Faz isso muitas vezes por dia. Eu e o pai dela reorganizamos os livros após todas as explorações, e logo ela volta pra lá. É, sem dúvida, o lugar que ela mais explora da casa, embora tenha muitas coisas de fácil acesso. Um deles ela escolheu como brinquedo: o tirou da prateleira e está sempre junto aos brinquedos, nunca junto aos demais livros, exatamente um que é cheio de fotos de cachorros. Fico feliz por esse interesse dela, que sinceramente acredito ter sido, também, herdado. O próprio artigo que mencionei, sobre a bebeteca, diz que “para a sociologia das práticas culturais, a leitura é uma arte de fazer com que se herde mais do que se aprenda“.
Claro que ela ainda não chegou nem próximo da fase da leitura, mas esse contato, essa proximidade e familiaridade ajudam a montar um contexto em que os livros são itens naturais, presentes e, até, necessários. Isso certamente tornará o aprendizado futuro dela muito mais fluido e natural, como enfatiza Emmanuel Fraisse, citado pelas autoras do artigo:
“Se ler verdadeiramente é poder ler algo que ainda não conhecemos, aqueles que não nasceram no mundo dos livros terão necessidade de nada menos que uma reestruturação de seu horizonte cultural para que se tornem leitores”
Se as crianças precisam da encenação, do faz de conta, do reproduzir para construir seu mundo e se verem dentro dele, acredito que os livros, com suas histórias, viagens, estímulos, possam ajudá-las nessa tarefa. Inclusive por isso, acredito que se crianças reproduzem o que vivem, e a leitura é uma forma de vivência, há que se ter muito cuidado na escolha dos livros, para que não incentivemos nossos filhos a quererem reproduzir padrões que reforcem a discriminação, o preconceito e o sexismo.
Escrevi esse texto inspirada em um espaço muito bacana aqui em Florianópolis que todo mundo que valoriza leitura, cultura e livros conhece: a Barca dos Livros. Hoje nós fomos lá depois de uma boa slingada de alguns quilômetros e ficamos sentados com ela na área de livros infantis. Ela adorou! Frank mostrou pra ela, inclusive, um livro incrível chamado “O livro negro das cores“, de Menena Cottim e Rosana Faría.
Ele conta a história de cada cor, dizendo com o que parecem, ao que são atribuídas, a quais sensações estão relacionadas. Só que ele é todo preto e é, também, escrito em braile. Fiquei imaginando que coisa especial uma mãe contar aquela história para seu filho com deficiência visual e ver a criança conseguindo formar a imagem de cada cor sem que possa vê-la. É por essas e outras que eu sempre vou incentivar minha filha a mergulhar nesse fabuloso mundo dos livros… E quem sabe eu ainda escreva um pra ela?
esse tipo de atividade garante a construção de mundo mais elaborado,