Mamadeiras cheias de refrigerante. 
Na mãozinha ainda cheia de furinhos da criança de no máximo três anos, um sanduíche industrializado. Na do bebezinho de uns 10 meses de idade, batatinhas-fritas.
Cinco crianças em uma mesa, acompanhadas por dois adultos falando em inglês. Todas comendo diferentes produtos do McDonald’s. 
Na mesa ao lado, uma senhora discute com a filha que está dando coca-cola à criança que ainda não sabe andar e recebe como resposta: “O filho é meu, dá licença?“. 
No restaurante, junto com a conta, como cortesia e símbolo de hospitalidade, chega também uma linda sacolinha de papelão como presente para crianças que acompanham adultos. Dentro, cinco balas, dois chicletes e dois pirulitos. 

Das mãos carinhosas dos Papais Noéis, as crianças que ainda não se acostumaram à figura vermelha de barba branca com quem não têm muita familiaridade e que, portanto, ainda choram ao encontrar, recebem pirulitos e balinhas.
Bolachas com recheios coloridos ostentam carinhas felizes. Brinquedinhos muito fofos são distribuídos como brindes que acompanham o kit de lanchinho infantil.
Há grandes filas de pessoas nos múltiplos caixas do restaurante norte-americano de fast food. “Temos pressa”, “Não tenho opção”, “Não tem tanto problema assim, vai…”. Enquanto isso, na loja vizinha, que vende sucos naturais e saladas de frutas, duas atendentes conversam em um canto, esperando clientes, enquanto uma terceira usa um liquidificador para bater a banana que dará origem ao creme que cobrirá as muitas frutinhas picadas que serão oferecidas à criança da única mãe que está sendo atendida. Em cinco minutos fica pronto, a mulher paga e segue para sua mesa. 
Fast and good food.

Na semana passada, perguntei no Facebook se as pessoas ali presentes ofereciam alimentos do estilo do McDonald´s aos filhos e por que. Nada tinha a ver com essa postagem. Tinha a ver com a angústia que senti tendo ido, um dia antes, a um shopping e visto dezenas (eu disse dezenas) de crianças menores de 4 anos, algumas ainda bebês, alimentando-se de McDonald´s. Eu queria ter uma ideia não só da frequência, mas também dos motivos que levavam as famílias a oferecerem esses alimentos aos seus filhos. Curiosidade pura e simples, junto com uma tentativa de compreender. 
Muitas pessoas responderam. 
Numa panorâmica bem rápida, os resultados para a pergunta “Você oferece alimentos como os do McDonald´s para seus filhos? Por que?” foram:

  • 11 pessoas responderam SIM
  • 15 pessoas responderam ÀS VEZES
  • 63 pessoas responderam NUNCA
  • outros ainda, embora não tenham respondido, teceram comentários a respeito e compartilharam vídeos sobre o assunto
(Em tempo. É importante mencionar que esses resultados não refletem o que realmente acontece por aí na maioria das vezes. Isso porque as pessoas que o Cientista Que Virou Mãe agrega já detêm um conhecimento prévio do assunto, já valorizam a importância da boa alimentação e da criação de filhos feita de maneira diferente da usual. Somente por esse motivo encontramos mais pessoas que nunca deram e não querem dar esse tipo de alimento às suas crianças. São resultados que refletem a visão de um grupo específico de pessoas. Fico muitíssimo feliz em saber que esse blog e sua fan page no Facebook congrega pessoas que já estão refletindo sobre o assunto, mas me entristeço por saber que, obviamente, esse perfil não reflete o pensamento dominante.)

Dos comentários que surgiram, os mais frequentes foram:
  • 15 pessoas disseram não gostar de “radicalismos” (não entramos no mérito de tentar saber o que para cada um é radical ou não)
  • 4 não veem nenhum tipo de problema em oferecer esses alimentos
  • 6 pessoas disseram que até gostam desses lanches, mas mudaram de hábito e deixaram de comer depois que os filhos nasceram, com o objetivo de dar o exemplo (Eu faço parte desse grupo. Mudei muitos hábitos depois do nascimento da minha filha, tanto em função da amamentação quanto por uma mudança de pensamento. Não critico adultos que se alimentam desses lanches, mas eu prefiro não comer mais, inclusive porque ela sempre está comigo. Minha filha nunca comeu, eu nunca ofereci. Ela também nunca bebeu refrigerante, nem comeu bala – exceto de algas. Já comeu brigadeiro e docinhos em festas. Não comeu nada com açúcar antes de 1 ano. E se tivesse dependido apenas de mim, não teria comido antes dos 2 anos. Não somos xiitas e nem é fácil para nós.). 
  • 9 pessoas enfatizaram que não gostam e nunca dariam aos filhos
  • 3 pessoas consideram esses produtos como de boa ou excelente qualidade
  • 4 pessoas disseram não ver problemas em deixar a criança comer
  • Muitas mencionaram a dificuldade se lutar contra a mídia e o marketing, enfatizaram a questão do brinquedo chamar a atenção da criança, que passa a querer, e que a televisão tem tido grande papel no despertar do desejo das crianças por esse tipo de alimento. 
  • Muitos mostraram não saber como lidar com a questão de proibir e
    deixar a criança passar vontade.
  • Muitos mencionaram a influência dos amiguinhos que comem e, portanto, estimulam as crianças a comerem.
Foram resultados muito interessantes. De forma geral, o que mais chamou a atenção foi a questão midiática e da associação de brinquedos com os lanches, além da consciência dos prejuízos que esse tipo de alimentação pode causar nas crianças, mas a dúvida sobre como proceder quando a criança solicita, o medo de proibir e estimular ainda mais o desejo. 

No trabalho intitulado “Desenvolvimento do comportamento alimentar infantil“, de Maurem Ramos e Lilian Stein, as autoras falam, como tantos outros autores, sobre a participação dos pais no estabelecimento dos hábitos alimentares das crianças.

Em termos psicossociais, o padrão de alimentação envolve a participação efetiva dos pais como educadores nutricionais, através das interações familiares que afetam o comportamento alimentar das crianças. Em especial, as estratégias que os pais utilizam na hora da refeição, para ensinar as crianças sobre o que e o quanto comer, desempenham papel preponderante no desenvolvimento do comportamento alimentar infantil.”

Elas dizem ainda que na primeira infância, além dos hábitos familiares, o que influencia em muito na escolha dos alimentos é a preferência alimentar da própria criança. Já sabemos há bastante tempo que os açúcares e gorduras despertam naturalmente a preferência alimentar nos mamíferos, especialmente entre os seres humanos. São razões que remontam ao tempo em que precisávamos lutar pela comida sem saber quando a teríamos novamente, sendo necessário estocar energia para nos manter por tempo incerto. E os açúcares e gorduras são justamente isso: fontes energéticas. Em função dessa preferência inata é que a participação dos pais na escolha alimentar torna-se ainda mais importante, para bem orientar a criança na determinação de seus hábitos e preferências futuras. 

Ainda de acordo com as autoras:

“a criança não come apenas pela sugestão da fome, mas também pela sugestão do ambiente e do contexto social como, por exemplo, brincando com amigos na pracinha ou em festas de aniversários”

Sendo assim, se o ambiente social em que ela vive reforçar continuamente a ingestão de maus alimentos, a chance de que ela desenvolva uma boa alimentação é praticamente inexistente. Afinal de contas, com quem ela aprenderá a se alimentar bemA primeira infância é momento crucial para o estabelecimento de hábitos alimentares bacanas, veja só:

“São nestes primeiros anos que a criança começa a aprender sobre o que comer, quando comer, por que certas substâncias são comestíveis e outras não, e quais alimentos e sabores são apropriados para combinar, de acordo com a cultura do grupo social ao qual ela pertence. A criança aprende a gostar e a não gostar de alimentos, através da ingesta repetida, associando os sabores dos alimentos com a reação afetiva do contexto social e a satisfação fisiológica da alimentação”

Ou seja: se a ela são oferecidos sanduíches industrializados, biscoitos cheios de gostos artificiais e conservantes, entre outros “alimentos”, ela aprende que tudo bem comer isso; aprende que são coisas apropriadas. E a repetição do oferecimento, juntamente com a associação entre o oferecimento e o afeto (“Filho querido, se você for bonzinho, mamãe te leva no Mac pra comer um lanchinho”, ou “Filha, coma sua comida e o papai te dará um biscoito recheado”) faz com que a satisfação e preferência alimentar por aquele produto se estabeleça. Ainda que seja “só de vez em quando”. 

Veja o que as autoras dizem sobre isso:

As evidências sugerem que os alimentos com baixa palatabilidade, como os vegetais, são oferecidos em contexto negativo, normalmente envolvendo coação para a criança comer. Ao contrário, os alimentos ricos em açúcar, gordura e sal são oferecidos em um contexto positivo, potencializando a preferência para estes alimentos. Frequentemente são esses os alimentos utilizados em festas e celebrações, ou como recompensa para a criança comer toda a refeição, em uma interação positiva, tornando-se assim os preferidos.

Isso sugere que a alternativa encontrada do “só de vez em quando” talvez seja ainda mais deletéria do que o “não deixo nunca”. Afinal, o “só de vez em quando” estaria associado a um contexto positivo para a criança e, portanto, reforçador. 
Esse artigo é recheado de informações interessantes e úteis e eu sugiro a leitura na íntegra, pois além de tudo isso fala também sobre a influência das estratégias de alimentação como preditor de peso ou sobrepeso. Muito interessante mesmo.

E se você acha que a televisão não tem nada a ver com a alimentação, errou feio. Muitos estudos já demonstraram que quanto maior o tempo despendido pelas crianças na frente da TV, maior a preferência e consumo de alimentos hipercalóricos e de baixo valor nutricional, os quais respondem por mais de 50% dos anúncios televisivos. Um estud
o realizado em Florianópolis e publicado em 2010, do qual participaram 91 estudantes, mostrou que mais de 60% dos estudantes entrevistados referiu assistir TV em 4 ou mais ocasiões por dia, sendo classificados como espectadores frequentes. E foi esse mesmo grupo que gastava significativamente mais dinheiro com lanches e doces – dinheiro recebido como mesada -, quando comparado com os espectadores moderados. E esses resultados foram semelhantes aos obtidos no Chile, Escócia e Estados Unidos, mas diferentes dos da Turquia, onde as crianças compravam mais roupas, livros e revistas. Os autores ainda afirmam que o preço acessível dos alimentos de baixo valor nutricional contribui para que sejam consumidos em larga escala. Importante também dizer que os estudantes que afirmaram ser expectadores frequentes de televisão também afirmaram que esse hábito era bem pouco controlado por seus pais em ambiente doméstico. 


publiquei aqui no blog os resultados chocantes de um estudo sobre introdução de alimentos supérfluos no primeiro ano de vida e sugiro a leitura novamente. É extremamente indignante ver que bebês estão se alimentando de pirulito e mortadela, apenas para citar alguns dos itens oferecidos. 

Mas por que estou falando novamente sobre alimentação infantil e suas consequências? Por dois motivos: porque esse é um assunto de fundamental importância e merece ser discutido sempre e porque quero indicar a todos que leem esse blog um documentário absolutamente imperdível. 


É o documentário MUITO ALÉM DO PESO, produzido pelo mesmo grupo que fez “Criança, a alma do negócio” (que, aliás, é outro da lista dos indispensáveis).
A sinopse de divulgação diz o seguinte:

Pela primeira vez na história da raça humana, crianças apresentam sintomas de doenças de adultos. Problemas de coração, respiração, depressão e diabetes tipo 2. Todos têm em sua base a obesidade. O documentário discute porque 33% das crianças brasileiras pesam mais do que deviam. As respostas envolve a indústria, o governo, os pais, as escolas e a publicidade. Com histórias reais e alarmantes, o filme promove uma discussão sobre a obesidade infantil no Brasil e no mundo.


Assista. Indique aos seus familiares. Organize uma apresentação no seu condomínio, bairro, escola, grupo de amigos. Vale a pena assistir e debater. 

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