Estou com mais de 15 pés de couve em crescimento. Todas as melissas que tentei enraizar estão fortes e lindas. Germinei semente de uva, maracujá, mamão, tomate. Salvei um passarinho que caiu do ninho. Levei uma pizza pros meus vizinhos. Já tirei o equivalente a 1 litro de biofertilizante que produzi a partir dos resíduos orgânicos que eu mesma utilizei. Usei cerca de 2 kg de composto que também produzi a partir do nosso minhocário. Vi uma flor de lavanda nascer. Devo colher uns 10 mamões nos próximos dias. Aprendi a preparar Negroni. Fiz uns pães diferentes, uns deram certo, outros poderiam ser usados como tijolo. Pretendo pintar mais uma parede. Dormi uma tarde na grama sem querer. Enraizei um monte de espada de São Jorge. Quero aprender a fazer limoncello assim que souber o que posso usar no lugar do açúcar. Aprendi que a semente da manga vive dentro do que eu achava que era uma semente. Plantei capuchinha, pimenta, berinjela, cebolinha, manjericão. Amanhã vou plantar brócolis, capim cidreira e manjericão roxo. Ganhei um vaso lindo do meu vizinho. Vi um gambazinho se alimentar sem que ele percebesse que eu estava ali. Um beija-flor tentou me atacar de novo – não sei que sina é essa. Vi a pele das minhas mãos descamar de tanto álcool. Vi meu ciclo menstrual enlouquecer. Curei uma dor de cotovelo. Produzi uma dor de cotovelo sem querer produzir. Perdi o sono noites seguidas preocupada com minha irmã. Chorei a morte de Miguel, chorei muito. Dei um sorriso para alguém que achei que nunca mais produziria um sorriso em mim. Recebi gentileza de quem nunca foi gentil comigo. E gente que sempre foi gentil comigo foi ácida e sarcástica, o que eu sinceramente entendo e acolho porque estamos todos sofrendo. Ganhei mais de 10 livros. Escrevi um capítulo para um livro. Um texto para outro. Comprei roupa pela internet. Passei um café pro carteiro que não estava legal. Ouvi a versão do Neil Young de Heart of Gold milhão de vezes – e estou ouvindo agora. Senti uma saudade doída de alguém. Indignei-me com alguém e precisei me segurar pra não ir lá dar uma sacudida na pessoa. Fortaleci meus laços com minha irmã – junto de quem eu daria tudo para estar. Fiz e tenho feito projetos criativos com minha filha. Que, inclusive, me acolheu lindamente nos dias mais difíceis. Vi minha prática de educação ser colocada à prova – e passar muito lindamente. Coloquei em prática ações ativistas sem que ninguém soubesse. E consegui barrar coisas absurdas. Acordei de ressaca. Deixei minha gata dormir comigo. Estou enraizando outra lavanda e dois oréganos. Usei batom vermelho num dia em que não me sentia bem e funcionou, senti-me muito melhor. Troquei lâmpada, resistência de chuveiro, consertei equipamento elétrico. Xinguei negacionista, alguns bem na cara. Tomei cafés da manhã que duraram 2 horas com minha filha. Conversamos sobre sexo, sobre política, sobre pertencimento e racismo. Vi minha filha chorar por se sentir desconfortável por ver amigos e professores pela internet. Meditei. Depois xinguei de novo. Descobri que não consigo espirrar de máscara. Usei todos os óleos essenciais a que tive acesso. Assinei uma procuração. Reorganizei meu trabalho. Dormi sentada numa poltrona. Voltei pra terapia. Atendi em mentoria mais de 70 pessoas diferentes. Muitas delas finalizaram relacionamentos abusivos. Outras, colocaram planos em prática. Tive sonhos estranhos. Outros, eróticos. Tive todos os sintomas. Fiz o teste, com o cotonete do swab sendo enfiando no fundo do meu nariz. Chorei com medo de estar doente e deixar minha filha. Me recuperei. Senti falta de toque. Senti falta de abraço. Senti falta de ver minhas amigas. Chorei a morte das pessoas que as pessoas que eu amo perderam. Tive medo de perder minha irmã. Tive muito medo. Fiz coisas que ainda não tinha feito – algumas, arriscadas. Honrei o fato de ser cientista. Voltei a acender incenso todos os dias. E fiz até uma oração, não sei nem pra quem.

E assim foram 100 dias da minha vida.

Sou muito grata. Verdadeiramente.
Porque 50.000 de mim, do meu povo, não puderam contar sua história.
Estou sobrevivendo. Não porque não morri de COVID. Mas porque continuo mantendo meus valores e cuidando de quem eu amo. E vou honrar cada dia dessa vida que está persistindo, enquanto as de tantos estão sendo ignoradas.

100 dias de não solidão.

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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas mais diferentes questões das suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia, Doutora em Ciências e Doutora em Saúde Coletiva com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.