A mãe passou 9 meses sonhando com a chegada do filho, preparando o ambiente para recebê-lo. Comprou um berço lindo, seguro e confortável, pronto para aquecê-lo quando chegasse, onde ele dormiria como anjo em suas sonecas diurnas e no longo e profundo sono noturno. Providenciou um pijama quentinho, que o ajudaria a dormir mais relaxado. Montou uma playlist de músicas para bebês, que sonhava em colocar para embalar o sono de seu filho. Ela sonhava com uma rotina pós-nascimento linda: banhos de sol todos os dias, mamadas frequentes e abundantes, brincadeirinhas fofas, beijos, abraços, muito amor, o banhinho de fim de tarde, o pijaminha quentinho, o embalar para dormir, a música tranquila, a mãe cantando uma suave canção de ninar enquanto embala docemente seu bebê que, aos poucos, fecha os olhinhos e simplesmente dorme. Sonho perfeito: o bebê relaxa, dorme, tranquilo e feliz, até o dia seguinte, enquanto sua mãe aproveita o horário noturno para descansar.

Então, enfim, chegou o bebê.
E, junto com o bebê, chegou a vida real, pra acabar com tudo.
Tchau, sonho, um beijo pra você!
Por que raios a vida insiste em se meter nos nossos sonhos?! Nunca dá muito certo isso.

E então os planos não saem bem como o esperado e, de repente, o bebê não quer dormir. Ele simplesmente quer ficar acordado com sua mãe, em seu colo quente e confortável, porque, afinal, ela é seu porto seguro e ele ainda não sabe que depois do dormir vem o acordar, que o devolverá a mãe que o sono levou. Ele sabe, apenas, que “DORMIU = SEPAROU”. Com a recusa do bebê em dormir, lá se foi para a Terra do Nunca o sonho feliz de Pollyanna. Polly – vou chamá-la carinhosamente, porque acredito que ela habite em quase todas nós, ainda que se esconda bem – começa a se questionar sobre o que está fazendo de errado.
Será que mamou demais?
Será que mamou de menos?
Será que é a fralda?
Cólicas?
Coceira?
Dor em algum lugar?
Ansiedade?
Será um “bebê high need“? – não gosto muito desse nome, mas voilá.

“O que está acontecendo com meu filho?!”

Então, aquela amiga super experiente em assuntos de maternidade, ao saber que o filho de Polly não quer saber de dormir no horário e na rotina estabelecida (no sonho), dispara à queima-roupa, mesmo que ninguém tenha pedido sua opinião:

“Polly, amiga, meus filhos dormiam a noite IN-TEI-RI-NHA! Isso é MANHA, minha filha. Você precisa ensinar esse menino a dormir!”.

E então, Polly se sente ainda pior… Outras amigas, na tentativa de ajudá-la (parece que todo mundo “quer ajudar”), também palpitam:

“Polly, amiga, esse menino está te manipulando! Está de manha, de birra! Você não pode ceder, com o risco de estar criando um pequeno tirano”.

Além de se sentir culpada, Polly entristece… Puxa vida, com que facilidade seu bebezinho se transformou de um simples bebê em um manipulador de adultos! Será mesmo seu filho um pequeno tirano? Um serzinho perverso? Que usa de manhas e artimanhas para manipulá-la? Que fica confabulando sobre qual a melhor estratégia para manipular a tonta da mãe? Polly entra em crise:

“Céus! Terei parido Darth Vader?!”

Polly passa a achar que seu filho não é “como os demais”, afinal os demais (os de suas amigas) “dormem a noite toda”. De duas uma: ou ela está fazendo alguma coisa errada mesmo ou terá que admitir: pariu o rei do lado malvado da força. Um bebê indisciplinado, manhoso, birrento, manipulador.

Então, ela começa a desenfreada e obsessiva busca por aprender a fazer o filho dormir e descobre que existem algumas técnicas divulgadas em livros que GARANTEM que o bebê dormirá facilmente em poucas noites, com base em algo simples: deixar o bebê chorar até dormir. Polly ouve e lê alguns comentários sobre esses livros, gente dizendo que “Funcionou! É um milagre!“, enche-se de esperança, o compra, lê e começa a “domar o seu bebê”, no melhor estilo “Como domar o seu dragão”. Polly já tinha ouvido algumas mulheres cientistas falando sobre os prejuízos de se deixar chorar para que se “aprenda” a dormir. Gente que pesquisava sobre o assunto e que sabia da existência de muitos trabalhos científicos comprovando os prejuízos do choro como forma de treinamento. Mas Polly não as conhece, como pode dar ouvidos a gente que não conhece?

“E essa história de ciência, vocês vão me desculpar, mas isso não serve pra cuidar de filho, não. E olha: até aquela grande revista já mostrou que não tem problema deixar criança chorar até dormir. Até parece que essa mulherada vai saber mais que essa revista, né? Estou tranquila, estou respaldada, vou continuar com meu plano. Afinal, o doutor pedí diz aqui no livro que é infalível e minha amiga disse que funciona, que é um milagre!”.

Então Polly começa a colocar em prática o método de treinamento. Mas aí acontece algo pelo qual ela não esperava: ela não se sente bem. Aquilo, para ela, não parece natural. Não faz sentido, considerando seus próprios valores, fazer um bebê “aprender” com base no choro. Porque o choro, oras, é um sinalizador de que algo não está bem! Como ignorá-lo? Ler é uma coisa, fazer é outra. Dói em seu coração saber que seu bebê está chorando na tentativa de mostrar que precisa dela, e ela não o atender.

Então Polly decide abandonar as regras ditadas e seguir seu coração. Vai até o berço, olha para seu filho e sente: não, você não é Darth! Vem com a mamãe, Luke! 

O pega com carinho, o aninha em seus braços, junto ao seu peito, e dá seu colo a ele. E então, Luke para de chorar… Luke queria o colo da mãe, do pai, de alguém que o ame, a presença física, quer o calor e as batidas do coração de alguém que, sim, o ame. Nesse momento, Polly percebe que, ainda que Luke não durma no horário que ela havia planejado, nem da maneira como havia pensado, uma coisa valiosa acontece: ela está tranquila com sua decisão. E por trás de uma mãe tranquila com sua decisão, há, com certeza, um bebê tranquilo.

Polly, então, passa a rever o seu percurso e chega à conclusão de que o erro estava no sonho. Porque embora fosse um sonho lindo, ele pecava em um ponto: desconsiderava totalmente o próprio bebê e sua personalidade. Em nenhum momento pensou que aquele bebê não conhecia a rotina do lar onde ele chegou, como acontece exatamente com todos os bebês. Ele poderia se adaptar. Ou não. E o fato de se adaptar rapidamente não o torna um super bebê expert. Ou, ao contrário, o fato de não se adaptar não faz dele um bebê-problema. Ele apenas é assim. Não quer dormir, quer ficar com a mãe, com o pai, com alguém que o ame, quer colo. Eu o entendo: colo de gente que a gente ama é mesmo coisa boa demais.

Mas como é que fica aquele papo de que deixar chorar até que durma funciona mesmo?
Se funciona?
Claro que funciona!
E eu vou te explicar porque funciona. Para isso, façamos algumas analogias.

  1.  Uma amiga querida combina de te ligar para um café, já que faz tempo que quer te reencontrar. Ela liga uma vez, liga duas, liga três, liga quatro, liga cinco, mas você nunca pode. Qual a chance dela continuar tentando?
  2. Um aluno de 8 anos, em meio à aula, cria coragem e levanta a mão para fazer uma pergunta à professora. Ele pergunta e, na sequência, a professora vira as costas e continua falando sobre o que estava falando antes. Qual a chance dessa criança perguntar novamente?

Deu pra entender a semelhança entre esses casos, não deu? Sabe por que a chance de que esses mesmos comportamentos aconteçam novamente é mínima? Porque aconteceu o que chamamos de EXTINÇÃO do comportamento. A extinção de um comportamento acontece quando uma resposta deixa de ser reforçada, ou seja, quando há OMISSÃO do reforço. No caso do aluno de 8 anos que fez uma pergunta, por exemplo, o reforço para que ele continuasse participativo e interessado seria a professora ter dedicado atenção e empatia para responder ao seu questionamento. Como o reforço não aconteceu, então aquele comportamento tende a ser EXTINTO. Ou seja, é um procedimento eficaz para obter a diminuição gradual de algo. “Ahhh, olhaí! Viu?! Então, se eu quero que meu filho pare de chorar e aprenda a dormir, o processo de EXTINÇÃO do comportamento, por meio de não acalentá-lo, não pegá-lo no colinho, está certo mesmo! Ele vai parar de chorar e, enfim, irá dormir!“.
Calma, amiga, ainda não terminamos. É preciso saber tudo sobre o processo…

Volte aos exemplos que te dei e responda: o que terá sentido aquela pessoa cujo comportamento não obteve resposta e que, provavelmente, também será extinto? Como essa pessoa se sentiu? É bom esse sentimento? Ele dá origem a boas coisas? Como sua amiga se sentiu sabendo que você não consegue destinar um tempo a ela? Como se sentiu o gurizinho de 8 anos quando a professora virou as costas à sua dúvida? Não. Não são bons sentimentos…

Essa é a dimensão do problema. Sim, deixar chorar até que o bebê durma funciona. Mas não porque ele aprende a dormir. E, sim, porque ele aprende que está desamparado e não adianta pedir ajuda em forma de choro que ninguém vai ajudá-lo. Em Psicobiologia, isso tem um nome: desamparo aprendido. Um comportamento realmente se extingue quando a resposta esperada não vem. Quando um bebê chora por algumas horas, por alguns dias, querendo colo e os adultos que deveriam acalentá-lo não o atendem porque estão colocando em prática um método que promete “ensinar o bebê a dormir”, ele tende a parar de chorar mesmo. Ou seja: métodos baseados na extinção do comportamento realmente podem funcionar. Mas às custas do que? Às custas de quem?

Será, portanto, que devem ser utilizados como um “guia”? Pollyana, nossa amiga imaginária, não conseguiu. Ela se sentiu ferida por imaginar que os sentimentos do seu filho também poderiam estar sendo feridos.

Nesse método baseado em tentar extinguir o comportamento de chorar daquele bebê, podem acontecer alguns problemas, totalmente previstos pela teoria psicológica. Um exemplo: se a mãe decidiu (mesmo que ela mesma esteja sofrendo com isso) ignorar o choro, ou não pegá-lo no colo, deixando o bebê chorar até que durma, mas o pai não conseguiu, ou a avó, ou a amiga, ou qualquer pessoa por perto que se sentiu aflita com o choro, e essa pessoa invadiu o quarto e pegou a criança no colinho, PREVEJA O EFEITO DISSO. A criança sabe que pode ser acalmada por um colinho, a família sabe que pode acalmar o bebê com o colinho, e o bebê sabe quem deu e quem não deu o colinho. E se você acha que, assim, está criando um tirano: desculpe, mas não é ele quem está no lado cruel da força. Não acho muito coerente demonizar as crianças quando somos nós quem estamos negando acolhimento para que “aprendam o que queremos que aprendam, com base no nosso sonho ilusório”.

Outra questão: a própria teoria afirma que, em algumas situações, pode ser cruel privar aquele indivíduo da atenção da qual precisava – e o CHORO é uma dessas situações. Porque o choro é um claro sinalizador de que algo não vai bem, indica dor, sofrimento emocional ou outra necessidade. Se uma criança está chorando e já é possível dialogar com ela, então que façamos isso. Mas um bebê tem no choro sua principal forma de comunicação. Não parece muito razoável que os ensinemos a deixarem de se comunicar quando precisam de algo, não é?

E, por último: é importante que você saiba que o processo de extinguir um comportamento (neste caso, o choro que antecede o dormir sozinho) pode produzir agressividade. Isso certamente não te contaram sobre o método, como 0 teriam vendido se tivessem contado?! Por agressividade não estamos considerando somente a violência em si, mas a amplificação do comportamento que se quer extinguir. Ou seja: se o bebê foi deixado chorando com a esperança de que, omitindo o acolhimento físico, ele se acostume e durma, esteja preparada para o fato de que ele pode vir a chorar ainda mais no lugar de simplesmente dormir.

Então é isso, minhas amigas. Se o método funciona? Sim, pode funcionar. O bebê pode dormir depois de ser deixado chorando por horas porque aprende que não adianta chorar que não vão atendê-lo. Se alguém te disse que o que ele aprendia era “a dormir”, te enganaram…

As teorias psicológicas não são mera teorização. Nossos comportamentos cotidianos, dos mais simples aos mais complexos, podem ser explicadas por elas. Mas há que se ter sempre em mente os resultados das escolhas. Sempre. Não é ético ignorar uma parte do processo apenas porque ele não é tão bonito quanto você esperava que fosse. Também não adianta fingir que não existe. O ideal é conhecer a fundo tudo, para que se possa escolher.

O sonho pode ser uma coisa muito atrativa, mas totalmente irreal. E nem sempre contém aquilo de que realmente precisamos para sermos felizes? Afinal, é na vida – e não no sonho – que vivemos.

Cuidado você deve ter, com fórmulas e métodos que salvadores se dizem. E também com os que, de manipuladores, as crianças chamam .
Já diria Mestre Yoda.

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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas mais diferentes questões das suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia pelo Departamento de Psicologia e Educação da USP, Doutora em Ciências/Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Saúde Coletiva também pela Universidade Federal de Santa Catarina, com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.

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