Minha forma de entender o mundo, se eu pudesse categorizá-la (não posso, mas se pudesse), é bastante freireana.
Considero que, como pessoa, eu me formo na minha relação com o mundo. Mundo esse que, por ser composto por diferentes situações, e sendo essas situações bastante variáveis, também é muito variável. Se eu me construo por interagir com algo variável, então compreendo que é preciso, também, refletir sobre essas variações e mudanças e, se for preciso, também mudar.
Ação e reflexão: esse é um dos propósitos humanos, segundo Paulo Freire.
Agir e refletir sobre seus atos, de forma que a ação mude e gere uma nova reflexão. Até que, um dia, seu coração pare e você não tenha mais condições de refletir sobre isso. Mas, até lá, agindo e refletindo.
O objetivo desse jogo da vida seria, então, agir, avaliar, aperfeiçoar a ação, agir novamente, reavaliar e vamos que vamos.
E porque acho que a vida deve ser vivida assim, é assim também que penso a maternidade.
Quando fiquei grávida, por não saber nada sobre ser mãe e não ter muitas amigas mães, achava que as coisas eram meio pré-definidas, que não haviam tantas possibilidades. Que havia apenas um lugar para parir, uma só forma de alimentar, um só jeito de transportar o bebê, uma só forma de voltar ao trabalho, aquela coisa que a gente só sabe de ouvir falar, nunca tendo ido muito a fundo. E foi então que, com o crescimento da barriga – que crescia muito menos que minha intuição e vontade de aprender (essas sim, alcançando proporções inacreditáveis e tomando-me por completo) – descobri que as possibilidades eram muitas.
E qual foi meu deslumbramento frente a essa quase infinidade de formas de viver a vida como mãe, de cuidar de uma nova pessoa, de tornar-me, também, uma nova pessoa! Quão grande foi o meu espanto diante da vida e sua amplitude e sua riqueza, experimentado pelo simples fato de ter me tornado mãe – esse evento tido como simplesmente biológico, quase corriqueiro, que por tantas vezes é feito sem qualquer tipo de reflexão ativa sobre a busca de possibilidades…
E, desde então, esse tem sido o meu caminho: a busca constante de possibilidades.
Questionar-me, constantemente, sobre “Como posso fazer isso?”, “Quais são as possibilidades?”, “Será que só assim?”, “Será que não consigo fazer diferente?”.
E, agindo, refletindo sobre a ação e a readequando quando necessário, tenho estado, geralmente, satisfeita com as escolhas nesse – tão novo, para mim, mas já tão profundamente imerso nele – mundo da maternidade. E é quando a insatisfação aparece que a busca por possibilidades recomeça…

A história de cada um de nós e a história dos nossos filhos são apenas possibilidades, são devires, como diria Paulo Freire. O que talvez tenhamos de concreto são, apenas, os propósitos. A emancipação humana, ao meu ver, passa por termos a liberdade de construir nossas histórias, e contribuir para a construção das histórias dos nosso filhos, não a despeito das inúmeras possibilidades, mas justamente em função delas. Nossa história, ao final do caminho, poderá ser contada, então, pela análise das escolhas frente às possibilidades e, principalmente, pelo grau de liberdade, ação e reflexão que se pode ter frente a elas. Algo como: “Aqui jaz uma mulher que teve tais e tais possibilidades e, usufruindo da liberdade que conquistou como ser autônomo e emancipado, aproveito-as ou as deixou de lado e, em função disso, essa foi a sua história”.

Acredito que maternidade também é isso: a constante avaliação da nossa prática como mães, de forma que ela reflita aquilo que realmente pensamos e valorizamos, o constante ajuste e reajuste, correções de margens e readequações, para que o que era válido até ontem mas parece não ser mais, possa mudar também.
Se a vida é dinâmica, então os ajustes também precisam ser.
E mãe é essa pessoa que age em sua própria vida e na dos filhos em função dos ajustes, escolhas, ações e reflexões que faz. Que, desenhando, desenha a si própria. Que, olhando aquilo que ajuda a construir, vê a si própria em construção – grande Escher…
Quão boas somos nisso?
O quanto cada uma se dedicar a ser.
Quão boas precisamos ser?
O quanto conseguirmos. Sem dor ou sofrimento.
O quanto conseguirmos. Sem vitimização.
O quanto conseguirmos. Mas com dedicação e empenho ativos.
O quanto conseguirmos, mas sem essa de deixarmos as decisões que dizem respeito somente a nós nas mãos das outras pessoas.
Como mães, nossa opção é progressiva.
Como mães, estamos a favor da vida.
Como mães, é preciso entender o que é equidade para, só depois, termos condições de ensiná-la.
Como mães, não temos outro caminho a não ser viver a nossa opção: ser mãe.
E, assim, “encará-la, diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemos“.
Depois de ter me tornado mãe, gosto ainda mais de ser gente.
Porque… “inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado” (Paulo Freire).

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