Estamos a menos de 1 mês do Natal. Com sua proximidade, algumas pessoas começam a se questionar sobre a data, sobre sua simbologia, seu significado e sobre que atitude devem tomar com relação às crianças e suas crenças sobre o Natal. Incentivar ou não incentivar a crença infantil no Papai Noel? Natal é apenas uma data consumista? A história religiosa que envolve esta data é apenas uma historinha boba culpabilizante? Como lidar com tudo isso? Não há uma receita, como nunca há – embora estejamos sempre em busca de uma. O que há, então? Escolhas. Escolhas a respeito de que tipo de olhar dirigimos ao mundo, à criança, aos eventos da vida.

O texto que segue abaixo foi escrito por mim no ano passado, na véspera do Natal, quando eu me preparava para receber em minha casa parte da minha família e alguns amigos.
Muita coisa mudou deste então na minha vida e na vida da minha filha. Vivemos coisas muito impactantes nesse relativamente curto intervalo de tempo entre 24 de dezembro de 2013 e hoje, 26 de novembro de 2014. Meu pai partiu alguns dias depois… De fato, nossos últimos – e fartos, sempre fartos – abraços foram trocados entre os dias 24, 25 e 26 de dezembro do ano passado. Nossa última foto juntos foi tirada na noite de Natal. O último contato entre ele e minha filha foi em um pequeno show improvisado que ela fez para ele, arrancando dele largas e sonoras risadas. Depois disso, não pude abraçá-lo novamente. Também nesse intervalo de tempo, eu me separei. Não faço mais parte de uma família mononuclear. Hoje sou uma mãe solteira, vivendo todas as questões que cercam essa forma de viver. Sem família por perto, fazendo doutorado, reestruturando, com o carinho e apoio de minha filha, a minha vida, as nossas vidas. E além de ainda estar processando dois tão fortes lutos em tão pouco tempo… ainda vem chegando o Natal. Cheio de seu significado simbólico, suas emoções, seus sentimentos, e uma certa tensão que paira sobre o coletivo.
Quando escrevi o texto a seguir, não imaginava que viveria tudo o que vivi depois. Não imaginava que seria preciso ressignificar, mais uma vez, o Natal. Então hoje, quando as pessoas me perguntam sobre de que forma eu lido com a questão do Papai Noel junto à minha filha, e com todo o simbolismo do Natal, só me ocorre responder uma coisa. Queridas e queridos: vivam! As escolhas conscientes que precisamos fazer não devem ser feitas apenas no Natal, mas ao longo de todo o ano. Vivam! Cuidem de suas filhas e filhos. Amem-se. Estimulem a empatia, o amor, a solidariedade nessas crianças. No fim, é isso e apenas isso que vai determinar a sua forma de lidar com o assunto: a sua escolha sobre que lado você quer ver e quer enfatizar, a forma como você trata o assunto, seja lá a decisão que tomar.
Apesar de tudo que nos aconteceu neste tumultuado 2014, eu já fiz a minha escolha.
Eu escolho ver o lado bom.
Se Papai Noel sim ou se Papai Noel não?
2014 me ensinou a fazer outras perguntas.

ESCOLHA VER O LADO BOM.
Publicado originalmente no blog Cientista Que Virou Mãe em dezembro de 2013.
Papai Noel não existe.
É um absurdo que um senhor de idade use uma roupa tão quente em um país idem.
Compra-se, compra-se, compra-se e Natal virou sinônimo de comércio.
Renas não voam – que ideia…
Raras são as casas que possuem chaminés e por que cargas d’água, existindo a porta, um ser humano preferiria se jogar por uma?
A ideia do Natal tem sido usada como chantagem para as crianças durante todo o ano. Ganhará presente aquele que se comportou bem, que foi bem na prova, que não bateu nos amigos, que obedeceu pai e mãe, que fez as orações antes do jantar.
Há infindáveis sobras de comida no dia seguinte, porque cozinhamos muito mais do que precisamos.
Conflitos familiares teimam em aparecer nesta exata época.
Quem está sozinho nesta data fica tristonho.
Muitas vezes, crianças anseiam mais pelos presentes que pela oportunidade de reunir amigos e famílias.
Natal é uma festa cujo sentido primordial foi modificado há muito tempo, para aqueles que creem em seu sentido espiritual.
Reunião de família no Natal tem 80% de chance de terminar em confusão, em cobranças, em tios e tias fazendo perguntas cretinas ou usando de humor duvidoso.
Mentira?
Não, tudo isso é verdade.
Papai Noel existe.
Tanto quanto a Bernuncia, a Dona Maricota (personagens da manifestação folclórica catarinense Boi de Mamão), o sapo que não lava o pé, as galinhas que são amigas do Júlio, o Manny, o Diego e o Sid. Sem esquecer do caranguejo que não é peixe, da barata que tem saias de filó e de uma tal galinha azul (impressionante como galinhas azuis de tempos em tempos voltam para povoar o imaginário humano, já reparou?).
Para quem espera por um presentinho, existem as artesãs e os artesãos, que fazem tudo um a um, com suas mãos e suas ideias. Existem também os amigos que produzem ou vendem brinquedos educativos e produtos orgânicos que movimentam a roda da economia solidária, justa e sustentável.
Nem todas as casas possuem chaminés. Imagine quanto de árvores precisaríamos cortar para produzir ainda mais lenha. No lugar de chaminés, temos portas e janelas abertas para deixar entrar o vento e cumprimentar o vizinho.
Muita gente tem usado o Natal para contar uma história, impregnada ou não de conceitos religiosos. Não uma história de um menino santo. Mas de uma mãe que viajou para longe a fim de salvar seu filho de ser machucado e que contou com o apoio de seu companheiro – que não era pai biológico do menino, como tantas famílias nos dias de hoje. É sim uma bela história. Mais acolhedora e simpática que aquela do tal lobo que engoliu uma idosa acamada, por exemplo.
Conflitos familiares que surgiram ao longo do ano também têm mais chances de serem resolvidos na época do Natal. Talvez porque as pessoas anseiem estar juntas e estejam cansadas de guerra e desentendimentos.
Quem está sozinho ou vive longe da família aproveita o Natal para reunir amigos que também estão sozinhos ou longe de suas famílias. Gente que passa o ano inteiro assim, distante de seus familiares, mas perto de gente que elegeu para ser sua família em função do companheirismo, da força dada ao longo do ano, da parceria e confiança mútuas.
Quem já precisou passar véspera de Natal ou a própria data em hospitais, adoentado ou acompanhando quem convalescia, sabe que é bastante comum aparecer um grupo animado de pessoas que cozinharam muito nos dias anteriores para aqueles que não poderiam cozinhar. Montam mesas decoradas fartas de frutas, bolos e muito carinho apenas para celebrar junto a completos desconhecidos a existência da vida e do sentimento de comunhão como seres humanos – já vi e vivi isso.
Mentira?
Não, tudo isso é verdade.
Para todas as histórias existem muitos lados.
Se o Natal é uma data consumista? Para alguns. Não para outros.
Se o Natal é uma bobeira religiosa? Para alguns. Não para outros.
Se o Natal é um sentimentalismo barato? Para alguns. Não para outros.
Como lutar pelo respeito às diferenças e ignorar os múltiplos lados do Natal?
Para minha família, é uma data constantemente marcada por saudade.
Perdemos gente muito querida em época de festividades natalinas.
Moro distante de minha família original, que vejo com muito menor frequência do que gostaria.
Não temos parentes próximos por perto.
E nem por isso no
s deixamos entristecer nessa época.
Apenas porque temos mais motivos para celebrar que para entristecer.
Estamos aqui.
Estamos saudáveis.
Estamos sãos.
Estamos críticos e alertas.
E temos nossos amigos… 
Essa gente altruísta e carinhosa que nos acolhe durante mais de 300 dias por ano. Que nos abraça, nos apoia, cuida dos nossos filhos em comunhão, divide o que tem. Gente com quem dividimos a vida diária, repleta de desafios e superações.
É preciso dizer às pessoas o quanto são importantes para nós. É preciso que saibam o quanto são importantes. Em um mundo de tanto desprezo, onde é tão fácil agredir o outro sem qualquer motivo, onde parece ser mais fácil ignorar o amor que reforçá-lo, celebremos a amizade e a importância que o outro tem para nós.
Isso é mais importante que acreditar ou não num velho barbudo vestido de vermelho e com certeza passando muito calor.
Esse ano, Papai Noel não virá de corpo presente, apenas em intenção e sinos tocando. Os presentes serão deixados no gramado, próximo ao portão, onde poderá ser visto um pedaço de tecido vermelho de quem tentou fugir e acabou rasgando os fundilhos. 
Para você isso é enganação?
Para mim são sonhos de infância e cultura popular.
É uma questão de escolher o lado que se quer ver.


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