Um assunto: há cerca de 3 semanas ou mais, uma triste e deplorável notícia se tornou um hit aqui em Santa Catarina, sendo disseminada através de incontáveis e-mails e infindáveis mensagens no Twitter, com uma riqueza macabra de detalhes que, sinceramente, feriu os meus sentimentos. Não vou dar detalhes sobre o caso, mesmo porque ele já atingiu conhecimento nacional. Mas o fato diz respeito a uma menina de 13 anos que foi estuprada por três garotos de cerca de 14 anos, aqui em Florianópolis. O que causou todo o rebuliço é que um dos supostos agressores é filho do dono da maior empresa local de comunicação e outro é filho de um delegado. Foi um alvoroço horrível. Todo mundo propagou a notícia como se fosse de fundamental importância falar nesse assunto, alegando que isso devia ser espalhado como forma de exigir que a empresa de tv se manifestasse e não sonegasse informações, uma vez que, quando se trata do estupro de outros menores, a empresa não se omite e noticia.
Outro assunto: esse caso envolvendo o assassinato de uma moça pelo goleiro de um time de futebol brasileiro. Hoje isso inundou os meios de comunicação, suplantando até mesmo a Copa do Mundo em dia de semifinal, com direito a cobertura 24 horas e tudo mais.
No primeiro caso, foram espalhados aqui em Floripa trechos de diálogos abomináveis dos supostos criminosos, detalhes sórdidos do crime, nomes dos menores, locais onde possivelmente estudam e tudo mais. Sei disso porque todo mundo comentou isso. Fiz absoluta questão de não querer saber dos detalhes, o que foi dito ou não, o que escreveram ou não. E explico o porquê: me basta saber que uma criança de 13 anos foi estuprada. Ler o que foi dito sobre ela pelos infratores nada mais é do que estuprá-la novamente. Uma criança que, com certeza, deve estar sofrendo uma dor que nós não imaginamos… Mas parece que as pessoas têm uma sede insaciável de coisa desse tipo pra comentar.
No segundo caso, da jovem assassinada, impedi que algumas pessoas me contassem detalhes dignos de um filme de terror que foram sendo descobertos, e ouvi somente o inevitável na cobertura jornalística. Para frases como “você viu o que fizeram com o corpo?” eu respondi, repetidas vezes: “não me conta, não me conta, não quero saber, por favor!”, porque já me basta saber que uma mulher foi assassinada, deixando bebezinho pequeno…
Por que esse meu comportamento?
Porque eu fico enojada, horrorizada, extremamente ferida com a exploração que se faz da tristeza desses seres humanos, vítimas e familiares. Tanto pela mídia como pelas pessoas em geral. Mas, principalmente, porque eu acho de uma hipocrisia violenta.
E tem gente dizendo que saber de tudo isso é combater a alienação!!
Mentira descabida e mal lavada: saber dos detalhes sórdidos é alimentar a sede de desgraça que o povo, infelizmente, tem. Independentemente da classe econômica e do nível de formação.
Quantas crianças são violentadas por dia somente em nosso país?
Quantas mulheres são assassinadas por dia aqui no Brasil?
Quanta gente inocente é vítima de todo tipo de atrocidade?
Quantos desses casos recebem toda essa atenção da mídia, exigindo punição, evitando que o foragido realmente permaneça foragido, auxiliando nas investigações?
O que justifica realmente todo esse apelo: o fato de que ali tinha um ser humano que foi violado ou o fato de que os crimes foram cometidos por “gente famosinha”?
Eu gostaria muito de pensar que toda a mobilização se deve por uma razão humana. Mas é claro que não é… É porque os meios de comunicação precisam de torpezas assim pra se manterem funcionantes. E como meios de comunicação incluam-se cada uma das bocas e computadores que repercutem o fato.
Existe uma deprimente estatística que afirma que, no Brasil, uma mulher é estuprada a cada 12 segundos. Por que elas não recebem a mesma atenção, no sentido da população exigir divulgação e punição?
Não conheço o número de mulheres que são violentamente agredidas e, quiçá, assassinadas por seus amantes, namorados, companheiros e afins, mas acredito que seja um número muito maior do que é contabilizado. Por que esses assassinos também não são perseguidos pela mídia, mais do que pela polícia, a exemplo do que acontece quando é um famoso quem comete o crime?
Não quero dizer com isso que esses dois casos não devessem ser expostos na mídia. Pelo contrário. Acho que tem sim que ser divulgado. O que eu acho é que nenhuma atrocidade envolvendo seres humanos deve ser tão explorada dessa maneira, grosseira e repetidamente… Mas esse gosto popular pela desgraça é um filão que a mídia capitalista não pode deixar de comercializar, segundo sua filosofia…
Então eu quis escrever isso hoje em solidariedade não somente à criança violentada e à família da jovem assassinada, mas também, e principalmente, às centenas de vítimas da violência que não têm seus casos tão intensamente investigados quanto esses. E que, muitas vezes, precisam tocar suas vidas sabendo que seus algozes andam livres por aí.
Você sabia que, no início deste mês, foi descoberto que duas crianças eram repetidamente violentadas por seu padrasto dentro de sua casa e com a anuência da própria mãe? Pois é, eu também não soube. Só soube agora, porque fui procurar uma notícia sobre neurociência e encontrei essa matéria mencionada na barra lateral.
Sabe por que não soubemos?
Porque o criminoso é um joão ninguém que não daria Ibope na tv. Ainda mais em tempos de Copa do Mundo e de um polvo que antecipa o resultado dos jogos…
Vivemos em tempos muito loucos mesmo.
Em tempos em que já deve ter gente pedindo a Deus, em suas orações, pra que nenhum tipo de violência aconteça a si mesma ou à sua família. Mas, no caso de acontecer, que seja feito por gente famosa. Assim, pelo menos a chance da impunidade cairia…
Mundo mundo, vasto mundo. Se eu conhecesse um outro, nessas horas gostaria de ir para lá…