Estou escrevendo em um quarto de hotel na cidade de Lages, cidade da Serra Catarinense que fica a
cerca de 250 km de Florianópolis. Escrevo à meia luz, com o coração cheio de um sentimento que ainda não tinha vivido. Ali na cama, minha filha Clara, de 1 ano e pouco mais de 1 semana, dorme um sono profundo e ressonante que ouço aqui da mesinha de onde escrevo. Olho pra ela dormindo e sinto que tudo está bem, mesmo que eu tenha ainda muitos desafios a enfrentar, mesmo que as coisas nunca saiam exatamente como a gente gostaria que saíssem. Ainda assim, estão bem, simplesmente porque ela está aqui comigo.
Viemos pra cá porque amanhã (hoje, já que escrevo após a meia-noite) às 8 da manhã darei uma conferência sobre Neurobiologia da Cognição e Aprendizagem no II Seminário de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Vim junto com meus amigos da equipe da Oficina do Aprendiz, com quem dou cursos sobre ensino, aprendizagem, memória e jogos cognitivos. Recebi esse convite do coordenador da equipe, uma pessoa muito bacana que sabe que sou mãe de uma menina pequenininha, que me chamou pra trabalhar com eles quando eu ainda estava grávida – contrariando a péssima e limitante tendência que há nesse micromundo chamado Brasil de não se contratar gestantes ou recém paridas. Ele me convidou pra essa conferência em Lages dizendo, antes que eu comentasse qualquer coisa: “a Clara é membro da nossa equipe desde antes de nascer, então não me inventa de vir sem ela!”. Um jeito muito doce de dizer: sei que é ruim ficar sem os filhos, sei que ela é pequena, venha trabalhar com ela. Então, hoje eu estou aqui com ela, depois de viajar 250 km pela serra, infelizmente durante a noite, sem que pudesse desfrutar da beleza que deve haver nesses caminhos, em nossa primeira viagem a trabalho juntas. “A primeira de muitas, Clarinha!”, disseran meus parceiros quando eu a sentei na bancada da recepção do hotel e ela, muito feliz, pegou a chave do nosso quarto das mãos do recepcionista.
Nós subimos, eu a coloquei no chão e ela rapidamente foi engatinhando por tudo, se familiarizando com o lugar e dando gritinhos de entusiasmo. Colocou os dedinhos nas tomadas, puxou o telefone pra cima dela, empurrou a cadeira, fez tudo o que não dá pra fazer em casa, já que em casa as coisas não ficam assim dando bobeira. Chegou nosso jantar, ela não quis comer porque estava muito eufórica com a novidade, ficou brincando de espalhar seus brinquedos pelo quarto, eu jantei e nos arrumei pra dormir. Ela mamou e simplesmente capotou, relaxada e feliz, esparramda na cama.
O que eu sinto agora é uma emoção imensa por estar com ela aqui. Porque eu vim a trabalho e ainda assim ela está comigo. Porque eu darei uma conferência de 4 horas amanhã, e ela estará na mesma sala comigo, sendo cuidada pelos amigos da equipe, que só darão suas conferências à tarde. Eu passei muitos meses de coração miúdo por sair pra trabalhar enquanto ela ficava em casa sem mim, com apenas pouquíssimos meses. Recomecei a trabalhar no esquema MODERNO “mãe na rua, filho em casa ou na escolhinha” quando ela tinha só 3 meses. Nunca mais quero passar por uma dor daquela. Mundo moderno é esse, em que as mães “devem” sair de casa pra trabalhar assim que os filhos nascem. Mundo moderno é esse, em que o trabalho e o dinheiro são mais importantes do que a mãe estar perto do filho. Mundo moderno é esse, em que as mulheres podem trabalhar longe dos filhos.
Não. Não é SÓ assim. Tem gente que quer ver o mundo realmente mudar, com crianças sendo criadas por mulheres que trabalham e que, mesmo assim, não as deixam para irem trabalhar. Gente que quer que o mundo deixe de ser “moderno” e vire “bacana”, em que as crianças conheçam o valor do trabalho porque vêem suas mães, pais ou cuidadores trabalharem, sem abrir mão da companhia delas. Mundo bacana em que estar presente na criação dos filhos tem mais valor.
Não somente mas também por isso é que estou muito feliz por estar com minha filha hoje num quarto de hotel. Porque eu vim trabalhar e ela veio comigo.
Eu gostaria que todas as mulheres pudessem viver isso. Que pudessem sair de casa com suas bolsas cheias de trabalho e, também, com seus slings preenchidos por aquilo que, pra elas, é o bem maior: seu filho. Eu gostaria muito que a mochila de trabalho e o sling não fossem incompatíveis no cenário profissional.

E, principalmente, gostaria que as pessoas que convivem com essas mulheres se solidarizassem realmente com elas e pudessem sentir como sua a angústia que é ter que deixar um filho bebê em casa quando ele ainda mama, quando ele ainda nem engatinha, quando ele ainda nem pode contar o que passou durante o dia.
Dizer que o melhor para uma família é uma mãe sair pra trabalhar mesmo tendo que deixar em casa um filho de poucos meses é o mesmo que dizer que o dinheiro que entra compensa o sofrimento dela.
Isso não é só uma inversão tremenda de valor. Isso também é desamor.
Será um grande prazer agradecer amanhã, ao final da conferência, à equipe que me convidou para esse trabalho. Sem excluir a minha filha. Respeitando-me como profissional, mulher e mãe. Inteira.

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