Moto contínuo é mais ou menos o seguinte: uma máquina que produz energia para seu próprio movimento e esse movimento gera mais energia, que a mantém funcionando, que gera movimento, que gera energia, e vai embora… Descobrir ou criar o moto contínuo é o sonho de consumo da física. E acredita-se que seja impossível criar algo assim, pelo menos hoje.

Pois eu aviso que já existe um moto contínuo aqui na Lagoa da Conceição, em Floripa.
Aqui dentro da minha casa.
Eu olho pra Clara, me apaixono, olho mais, crio mais amor, e olho, e amo, e olho mais um bocadinho, e surge mais amor, e não para, e não chega, e não basta, e é uma coisa, e é amor demais da conta. Chega a dar desespero esse negócio. Eu pergunto toda hora: “Isso não para?!” “Isso não acaba nunca?!” “E vai ficando assim melhor mesmo?!”
Que coisa demais de boa, meu Deus.
Esses primeiros dias foram uma loucura. Tem hora que parece que vou morrer de chorar, de medo, de insegurança, de “e agora, como vou dar conta de tudo?”. Outras horas eu choro de alegria quando olho pra Clarinha e a vejo tão linda, tão amorosa, tão tranquila. Ou seja: eu choro, logo existo. Dizem que é assim mesmo…
Tenho me saído muitíssimo bem nas tarefas maternas: trocar fraldinha já parece que fiz durante toda a vida; a arte de combinar roupinhas que parecem imensas na Clara também. O banhinho ensinado pelas enfermeiras da equipe de parto domiciliar já dou tranquilamente. O choro dela não me agonia nem sinto aquele desespero de “E AGORA, O QUE É ISSO SENHOR?”. Estabeleci com ela uma ligação de confiança que parece que anda funcionando. Algumas vezes ela chora muito, fica com as perninhas bem duras e dá pra perceber que são gases. Aí a gente criou um personagem fictício, o Pum Malvado. Acho que ela entendeu. Toda vez que lá vem o choro de cólica, eu a pego e começo a historinha: “Vâmo lá, filha! Vamos vencer esse Pum Malvado. Sai da barriguinha da minha filha, seu Pum chato.” E ela fica me olhando com esses olhinhos puxados, com certeza pensando: “Melhor eu fingir que acredito nessa história pra não frustrar a louca da minha mãe. São só gases, mãe….”
Bem, essas e outras coisas andam acontecendo por aqui.
O mais difícil de tudo tem sido controlar a parte emocional, que tá absolutamente descontrolada. Não é um descontrolado ruim ou perigoso ou que represente risco de vida para quem estiver do meu lado. É apenas uma incerteza do agora e do depois. Natural… é a maior mudança que alguém pode viver. E é pra sempre. É o tal do puerpério, muito prazer.
Mas me sinto feliz demais. Acho que estou me saindo uma boa mãe. O umbiguinho já caiu, ela mama muito, tenho bastante leite e o amor brota exponencialmente, como falei no início. Ela confia em mim e se acalma com a minha voz e a minha presença e isso vale mais que qualquer coisa…
Agora que esses primeiros dias já se passaram e eu não matei ninguém – porque tem essa também: eu sempre pensava: gente, será que eu vou saber cuidar de uma criança? Será que não vou acabar matando afogada no banho? Será que não vou sufocar dando beijo? Será que não vou passar cocô na cara na hora da troca? – estou retomando as atividades habituais. Recomeço agora, devagarinho, a estudar, a me organizar, a me preparar para provas de concursos pra docente e tudo mais. As unhas – esse assessório do qual não me lembrava há dias – eu ainda não tive tempo de fazer, mas o que é uma unha quando se tem no colo uma coisa linda dessas que a gente mesmo que fez?
Avanços: já consigo agachar, já consigo calçar meu próprio calçado, já vejo meus pés, os casacos de inverno já me servem, a cama não parece mais minúscula. Ah sim, e um avanço da categoria dos avancíssimos: não sinto mais aquela louca vontade de me esconder em casa. Pelo contrário. Aos pouquinhos, a vontade de ver a vida, a rua e as pessoas está voltando. Que bicho que a gente é, né?
Desafios: continuar a desengravidar, arrumar tempo pra conciliar tudo, não deixar bagunça na hora da troca e não andar pela casa que nem uma pessoa louca vestida de pijama. Ah sim, e preparar todas as documentações pros concursos que voltaram a abrir…
E aí eu olho ali e vejo minha pequena. E volto a pensar no moto contínuo… Essa coisa não para mesmo.

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