Fernanda Vicente, criadora do projeto MÃES NO ENEM, e seu filho Davi
Fernanda Vicente, criadora do projeto MÃES NO ENEM, e seu filho Davi

 

Chegou até mim a notícia de que uma moça estava se voluntariando a cuidar dos filhos das mães estudantes que vão fazer o ENEM e que, no fim das contas, tomou uma proporção muito maior e inesperada. Quem não tem como contar com uma rede de apoio familiar sabe o quanto é importante e salvador poder contar com a rede de apoio das amigas e dos amigos, que no fim das contas é quem segura sua barra. Mas tem gente que também não tem com quem contar. E isso se torna especialmente difícil quando se é mãe. Solo. Estudante. Num país que pouca ou nenhuma política pública tem para oferecer amparo, apoio e fortalecimento a essas mulheres. Então não é surpresa saber o quanto me encantei com a proposta dessa moça. Rapidinho tratei de buscar um e-mail e escrevi: "Quero! Eu me voluntario, como faço?". Na sequência, me dei conta de quão importante era ajudar a divulgar essa coisa linda. Enviei um outro e-mail, perguntando se ela topava me dar uma entrevista pra publicar aqui. A resposta foi daquelas coisas que dão um aperto no peito e te fazem compreender porquê é que você tá nessa:

"Ligia, sou sua fã! Você não imagina como o site me ajudou e ajuda, tenho um pequeno de 7 anos e sempre leio vocês. Como você prefere fazer? Por aqui? Pelo whatsapp? Pelo Facebook? Veja como é melhor e eu estou à disposição".

Então hoje tenho a imensa alegria de apresentar a Fernanda Vicente, criadora do projeto MÃES NO ENEM. Vai lá depois curtir a página e apoiar essas mulheres que apoiam outras. Fernanda simplesmente tomou uma atitude. Que tomou proporções muito maiores. É de gente assim que a gente precisa. Fernanda, um grande abraço e meu agradecimento por também estar ao lado destas mulheres que viraram mães.

O que te fez acordar um dia e pensar: "Vou fazer uma coisa como essa?"

Comecei a ver que estava rolando um corrente onde as mulheres se ofereciam para cuidar dos filhos das mulheres mães que vão fazer o ENEM esse ano. E pensei, porque não ajudar também? Uma amiga me mostrou a corrente e disse “isso é a sua cara”. E eu fiz um post me oferecendo a ajudar. Sou mãe se sei como é difícil conciliar maternidade, vida profissional e estudos. O meu post começou a “bombar” de comentários com outras mulheres se oferecendo igualmente a ajudar. Decidi fazer uma lista de voluntárias sem pretensão alguma, só para organizar tudo mesmo, deixar mais bonitinho e assim ajudar de forma eficaz essas mães. Só que a cada minuto a lista crescia mais e mais. Não parava de chegar inbox de mulheres querendo ajudar. Assim decidi realmente criar uma página e um projeto: o Mães no ENEM, mostrar que mulheres juntas têm força, que mulheres juntas é político, é revolucionário e que não, não somos rivais, somos irmãs e juntas somos mais fortes. Como o projeto cresceu rápido, as parcerias também começaram a chegar para somar. A advogada Ana Bavon, da Feminaria – uma rede colaborativista feminina, ofereceu ajuda jurídica e desde então ela vem dando todo o suporte necessário nesse sentido. Ela elaborou as fichas de cadastro, o termo de responsabilidade e é ela quem dá o suporte para que o projeto flua lindo. Hoje, o projeto também conta com assistência psicológica para as mães cadastradas, pois sabemos que existe uma sobrecarga em cima da mulher. Então, contamos com uma equipe para ajudar e orientar essas mulheres, garantindo assim o bem-estar emocional delas. Temos também aulas de redação online, com voluntárias formadas em letras e jornalismo, que estão preparadas para auxiliar com relação a esse tema. Tudo isso é gratuito e voluntário, colocando em prática a sororidade.

Você é mãe solo?

Eu sempre fui mãe solo do Davi, que tem 7 anos. E a vida me trouxe de presente o meu companheiro, o Dom, que o Davi escolheu como pai nesta caminhada. Comigo foi ao contrário. Eu passei por praticamente todas as dificuldades que acredito que mães solos passam. Agora as coisas estão mais tranquilas porque tenho um companheiro boy magia da vida e o Davi está mais velho, mas mesmo assim ainda enfrento dificuldades, pois sou mulher, sou mãe e o sistema não é feito para me beneficiar. Aliás, o sistema não é feito para beneficiar nenhuma mulher.

Quando você percebeu que era uma mãe feminista? O que isso mudou na sua vida?

Eu já era feminista antes de ser mãe e, com a maternidade, algumas questões vieram e outras ficaram mais evidentes, como a maternidade compulsória, a romantização da maternidade, a violência obstétrica (que sofri no parto) e a culpabilização da mulher.

Eu sou mãe de menino e é muito difícil criar um menino numa sociedade patriarcal sendo uma mulher feminista. É uma luta educar sem sexismo, sem machismo e sem vários outros preconceitos quando existe uma mídia e um mundo inteiro dizendo ao meu filho o contrário do que falo. Eu sei que sou a chata da família, a que problematiza tudo, mas como feminista, eu não posso entregar para a sociedade mais um cara senso comum que não questiona os seus próprios privilégios. Mas, ao mesmo tempo, tento não ser dura demais comigo mesmo.

Quem mais tá contigo nessa ideia e de onde vocês são?

Esse projeto não seria nada sem as voluntárias que estão se disponibilizando a ajudar. O projeto nasceu por causa delas. São mulheres que eu nem conheço, que nunca vi e que estão acreditando no Mães no Enem. Do meu lado, ajudando na estruturação do projeto dando toda a assistência jurídica, está a Ana Bavon. Tem também as meninas do Espaço Partejar, Bruna Rubio e Ellen Infante, que cederam o espaço para recebermos 20 crianças no dia do Enem aqui em Santos. A Tatiana Guimarães Miranda é a publicitária responsável pela identidade visual do projeto. Estamos abertas para parcerias. A organização do projeto é horizontal e colaborativista.

Nós estamos em ano eleitoral. Nesse contexto de mães e filhos, o que você gostaria de pedir para os candidatos a prefeito e vereador das cidades? Manda brasa, aproveita!

O maior cuidado com as nossas crianças e com as nossas mães. Precisamos para ontem de creches bem estruturadas, que funcionem 24 horas. Precisamos de mais pediatras nos hospitais públicos. Aliás, precisamos de hospitais pediátricos. As mães precisam ser cuidadas, precisam de um programa que preze seu bem estar psicológico. Precisamos também que estas mulheres sejam assistidas pelo poder público e não esquecidas, como de fato nós somos. Se eu pudesse pedir, pediria que dessem uma atenção especial para as mães que vivem na periferia, que são negras e que são mães solo, para as mães de crianças com deficiência e que não têm uma creche adequada para deixar as crianças, que dê para essas crianças uma assistência multidisciplinar com fonoaudiólogos, terapeutas, psicólogos, entre outras coisas. Que as mulheres também possam ter autonomia para parir sem o risco da violência obstétrica e que tenhamos nos hospitais públicos atendimento humanizado para mães e bebês. Que as mulheres tenham um pré natal digno e respeitoso e que a criança seja assistida pelo poder público não apenas na primeira infância, mas nos anos seguintes também, com escolas integrais. E claro, como feminista, quero aborto seguro e legal e métodos contraceptivos de emergência nas unidades básicas de saúde.

A plataforma Cientista Que Virou Mãe é nossa. Então você pode usar o espaço para o que quiser dizer. Mande seu recado, seus contatos, sua foto, tudo o que quiser.

Quem quiser ser voluntária no projeto Mães no Enem pode enviar um e-mail no endereço: maesnoenem@gmail.com. Temos a página no facebook: Mães no Enem.

A Fernanda deixa o recado dela aí. Fernanda não é candidata a nenhum cargo político e, ao contrário de tantos deles, resolveu colocar de fato a mão na massa. Que ela inspire a tantas e tantos que estão aí dizendo que vão fazer. Para que realmente façam.

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