Muitas mulheres me procuram extremamente incomodadas com o fato de que deixaram de sentir atração sexual pelo parceiro depois de se tornarem mães, uma perda de desejo que muitas vezes perdura por muito tempo, anos, até. Para começar essa conversa, é importante dizer que, sim, uma queda no desejo sexual logo após o nascimento de um bebê é normal e até mesmo esperado, uma vez que o corpo, a mente e as emoções desta mulher ainda estão se adaptando à nova situação e ao novo esquema de vida. Porém, a permanência da ausência de libido não é e nem pode ser considerada banal. E aí vem o que me motivou a escrever este texto: o grande problema disso, ao meu ver, é o fato extremamente comum de que a culpa disso é jogada em cima de quem? Da mulher, claro. Afinal, culpar a mulher por seu próprio sofrimento parece ser a cereja do bolo em uma sociedade patriarcal, onde o que mais vemos são homens totalmente desinteressantes, problemáticos, machistas e bradando em palanques e aplicativos de relacionamento que são “imbrocháveis”. Amigo, pare. Vamos falar a verdade.

Esse papo de brasileiro imbrochável talvez seja uma das maiores fake news da atualidade. Uma pesquisa feita pelo Projeto Sexualidade, o ProSex, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, mostrou que a disfunção erétil afeta 45% dos homens brasileiros e que ter hipertensão arterial, diabetes, fumar, fazer uso abusivo de álcool, entre outros fatores, aumenta o risco de a desenvolver. E isso antes da pandemia, então imaginem a situação hoje, após a ação em massa de um vírus com severos efeitos vasculares e de todo o estresse que estamos passando. Imbrocháveis… Só que não.

Mas o que me interessa aqui é esse mundo de homens se dizendo imbrocháveis em meio a milhares de mulheres que dizem que não estão sentindo mais tesão… Que conta que não fecha é essa, meus camaradas? Querem enganar a quem? E aí vem algo que me parte ao meio: ver tantas mulheres incríveis, porém exaustas, culparem a si mesmas pela ausência de desejo e disponibilidade sexual. Vem cá, minha amiga, minha irmã: essa falta de tesão que te toma não vem de você, não. E te explico porquê.

O desejo sexual não é uma função mecânica, é multidimensional. O que significa que depende de inúmeras questões: da sua relação com seu próprio corpo, da disponibilidade de tempo, do descanso mental e físico, da satisfação com a própria vida e consigo mesma, de inúmeras questões sociais, políticas e econômicas e, de maneira bastante pronunciada, de um bom relacionamento com as pessoas com quem nos relacionamos sexualmente. Não é um botão que a gente aperta e: “Opa, bora lá, que tesão eu tô sentindo por você, meu presente de deus que não faz o mínimo”. Claro que dá para fazer sexo com qualquer pessoa, mesmo quando não a conhecemos – e eu não sou nem um pouco moralista nem acho que sexo precise estar relacionado a amor, essa visão romântica que mata por dentro e muitas vezes também por fora. Mas aqui estamos falando não apenas de fazer, mas de como fazemos, da qualidade desse sexo, de abusos que permeiam uma relação onde, ainda assim, se espera desejo e disponibilidade para o sexo. Então, calma. É absolutamente injusto exigir de si mesma disponibilidade e desejo sexual por uma outra pessoa quando ela não se mostra positivamente envolvida com você, com a nova vida que a chegada de um filho traz, com as novas demandas que devem envolver toda a família, e que insiste em deixar para você toda a carga pesada da lida diária, isso sem considerar os abusos e violências visíveis e invisíveis, escancarados ou sutis, que essa relação traz. Na verdade, é assim sempre, em todas as fases da vida: a gente tende a desenvolver mais desejo e atração sexual por alguém que se mostra disponível, aberto, interessado e tende a repelir o outro sexualmente quando o individualismo, o egoísmo, o pouco caso e a negligência se faz presente. “Ah, mas isso também funciona para os homens“, você pode me dizer. Sim, também. Mas não somos nós, mulheres, que saímos por aí bradando que somos imbrocháveis, inclusive porque temos senso de ridículo.

E então vemos pela vida uma legião de mulheres que são deixadas sozinhas na gestão não apenas de suas vidas, mas muitas vezes da família como um todo, sendo exigido delas que mantenham todos os pratinhos girando em ritmo produtivo, com frequência se sentindo solitárias, sem apoio ou sem manifestações de consideração, valorização e gentileza. E o mais cruel: sentindo-se responsáveis pela falta de tesão, pela falta de desejo sexual, sem interesse por sexo. Opa, minha irmã, não faça isso com você. Responda aqui para mim: você realmente acha que deveria estar sentindo interesse sexual quando tão pouco cuidado é destinado a você? Quando, com frequência, ao seu lado está alguém que não te motiva, não te excita, não te inspira e a quem está difícil admirar? E que ainda assim, se autodeclara “imbrochável”? Não é assim que a banda – nem o corpo, nem a vida – toca.

Estar com baixo desejo sexual nem sempre é um problema quando no entorno desta mulher há uma série de fatores disfuncionais acontecendo. Problema é achar que é esta mulher que deve ser alvo de tratamento, intervenção ou mudanças. E é isso o que vemos acontecer porque, claro, vende. Vende antidepressivo, vende ansiolítico, vende métodos abusivos de modificação corporal, vende produtos estéticos, vende pseudociência, vende de tudo que tem como objetivo “consertar essa mulher quebrada”. 

Mas o que vim dizer para vocês, amigas, é que sua falta de desejo sexual pode estar vindo justamente da falta de cuidado que você recebe, da falta de apoio e compreensão, da sua sobrecarga diária, do acúmulo de tarefas, da dependência econômica e patrimonial, dos estereótipos de gênero muitas vezes reforçados pela chegada da maternidade. E é também por isso que tantas vezes nós vemos a separação conjugal como sexualmente reabilitadora para a mulher. Sim, é duro dizer isso. Mas é verdade. Quantas milhares de mulheres recuperam o tesão – não apenas sexual, mas na vida como um todo e, especialmente, em si mesmas – depois de encerrar relacionamentos insatisfatórios que, vamos aqui combinar, não eram capazes de inspirar tesão nem mesmo num protozoário, quanto mais num ser complexo que sente, pensa, reflete e exige ter uma vida melhor. Quantas mulheres, depois de meses ou anos de ausência de desejo, voltam a se interessar por outras pessoas, a fazer um sexo bom, que a agrada, a sentir tesão, a se sentir disponível novamente? Muitas. Então o problema não está na mulher. A quem interessa reforçar essa crença?

Você não é só uma mãe, não é só uma cuidadora, não permita ser tratada dessa maneira. Ter uma vida sexual saudável, que te agrade, é importante, não é acessório. Nem pense em aceitar essa falta de libido como “é assim mesmo, paciência”, muito menos acreditar que você tem um problema, porque o que as pesquisas mostram é que não é bem assim… Ter tesão pela vida é importante. Sexo, incluído. Devolva esse problema a quem de direito, mulher. Talvez a esse imbrochável fake aí do seu lado.

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Parte do meu trabalho é orientar e apoiar mulheres nas diversas questões de suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que te explicamos como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO. Sou Mestra em Psicobiologia pelo Departamento de Psicologia e Educação da USP, Doutora em Ciências/Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Saúde Coletiva também pela Universidade Federal de Santa Catarina, com foco na saúde das mulheres e das crianças.