Quero te propor um exercício e para ele você vai precisar de um espelho. Pra começar, faça o seguinte: pense na comida que mais aprecia. Aquela da qual mais gosta, que te faz salivar, fechar os olhos, lamber os lábios e vocalizar: “hummmm”. Agora, pense nela novamente, mas olhando para um espelho, e se observe. Observe as nuances mais sutis de seu comportamento. Se você tiver o mínimo de familiaridade com seu próprio corpo e de sensibilidade para observar mudanças corporais, é provável que vá perceber que:

a) seus olhos sutilmente se contraem, enquanto as pálpebras se elevam;
b) seus lábios se apertam um contra o outro, pouco antes de exibir levemente seus dentes ou esboçar um leve sorriso, geralmente levantando apenas um dos cantos de seus lábios;
c) há uma ligeira tensão muscular geral, acompanhada por mudanças corporais, sutis ou marcantes, uma pequena excitação decorrente de uma leve descarga de endorfinas, entre outras alterações.

Isso que você viu é instinto. É um comportamento instintivo. Claro, o fato de você conhecer ou gostar daquela comida é também cultural. Mas a sua reação a ela, enquanto alimento suculento, é biológica. E é controlada por uma parte de seu cérebro evolutivamente bastante primitiva, no sentido de que surgiu primeiro em animais de outras classes que não a mamífera, e que por isso recebe o nome de “cérebro primitivo” ou “cérebro reptiliano”.

O cérebro reptiliano é quem controla a parte instintiva do ser humano. Coisas ligadas à sobrevivência

e à reprodução. Ele não “pensa”. No sentido de não analisar, não considerar o contexto, não ponderar, não refletir, não inserir elementos emocionais “superiores” como empatia, amor, consideração e coisas assim. É como se seu termostato tivesse apenas duas temperaturas: muito quente ou muito frio. Tudo ou nada. Não há gradações. Com ele, não há aprendizado nem sensações. O cérebro reptiliano é, também, o centro nervoso da agressão e do ataque, da luta e da fuga. E quando essa parte do cérebro é ativada, tem prioridade sobre as demais – assim foi evolutivamente selecionada por contribuir para a sobrevivência da espécie… Irônico.

Então, quando você pensou naquela comida suculenta e se olhou no espelho e notou todas aquelas alterações comportamentais relacionadas a instinto, você viu seu cérebro reptiliano atuando.
É assim que você, homem, se comporta frente a uma mulher que considera atraente.
Você contrai seus olhos, levanta as pálpebras, aperta os lábios antes de mostrar seus dentes e elevar um dos cantos da boca e dizer “hummmmm”. Você está vendo um ser humano como uma sobremesa, um pedaço de picanha ao alho ou uma lasanha quatro queijos. Não é tanta metáfora assim, portanto, quando você diz que “essa eu comeria”. Sim. Você comeria mesmo. Se ela fosse um pedaço de massa inerte e sem vontade própria, você comeria. Porque assim mandaria seu cérebro reptiliano, se te faltassem algumas coisinhas muito básicas, como um néocortex (parte do cérebro que nos confere capacidade de refletir, raciocinar, adequar nosso comportamento, integrar instinto a emoção, etc etc etc) bem funcionante, se te faltasse bom senso, se te faltasse noção, empatia, reciprocidade e mais um tanto de coisa… além das leis.
Você, homem, deveria ver a si próprio e à sua expressão facial e corporal quando se comporta assim.

Veria o tanto de semelhança entre seu comportamento e o de alguns animais que não possuem aparatos neurobiológicos característicos da espécie humana. Você se surpreenderia. Perderia o rebolado. Viraria o rosto, ou deixaria cair o que está em suas mãos, ou até negaria “Pô, não sou eu não”. Porque é mesmo esquisito… Posso te dizer: é feio. É grosseiro. É estúpido, sabe?

Estou sempre observando isso, em todos os lugares que vou: a forma como os homens olham para as mulheres. Suas bundas, seus peitos, medindo-as de baixo a cima, como fazem quando escolhem a carne do churrasco do fim de semana. E fico me perguntando quais são os fatores que determinam a ultrapassagem da tênue linha imaginária que existe entre a manifestação corporal/comportamental e a invasão. A invasão de espaço e de corpos que caracteriza a abordagem àquela mulher, seja pelo sorrisinho escroto malicioso, seja pela palavra grotesca proferida, seja pelo impedimento de que siga seu caminho, seja lá qual invasão for.
Estive hoje em um lugar bastante cheio e precisei esperar algum tempo. Enquanto esperava, fiquei observando exatamente isso, com um olhar, digamos, antropológico. Depois de certo tempo observando exatamente o mesmo padrão comportamental em tantas pessoas diferentes, assustei-me. Não por ter me sentido ameaçada. Não. Mas porque a observação atenta e duradoura desse comportamento me trouxe um desconforto imenso, uma desagradável sensação de ataque. Como se a manutenção do “equilíbrio” fosse muito frágil e também fosse muito fácil ultrapassar a linha entre observação da presa e o ataque. Mudei o foco de observação e tudo melhorou, mas aquela sensação me incomodou muito. E depois fiquei pensando como esses homens se sentiriam se vissem a si próprios quando olham para uma mulher como se ela fosse um alimento, um pedaço de algo pronto para saciar suas necessidades primitivas.

Muito coincidentemente, poucas horas após eu estava navegando pela rede quando encontrei o vídeo abaixo. E sem mais delongas, te convido a assisti-lo. E se você for um homem, te convido a problematizar sua reação às mulheres – ou homens – que considera atraentes e que porventura cruzem seu caminho. E se você for uma mulher e também se comportar assim e usar como argumento que “se os homens podem, então as mulheres também”, saiba, moça: você está fazendo isso errado.
Ninguém pode.

**Esse post não estava programado. Surgiu depois de observar comportamentos repetidos e encontrar o vídeo acima. Continuo em ritmo desacelerado, por esse motivo.


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