Quando descobri o mundo do parto humanizado, da criação com apego, da maternidade consciente, eu me senti entrando numa religião. Ali me convertia mais uma vez. A cada livro lido, blog descoberto, aceitação em grupo de Facebook eu me sentia mais próxima da verdade. Aquela que liberta. As palavras entravam na minha mente e eu pensava como tudo aquilo fazia sentido e como eu tinha conseguido viver até aquele dia sem saber nada disso.

Como toda recém convertida, eu me impregnei com a certeza de que precisava salvar os que nada sabiam. Eu não podia deixar ninguém morrer na ignorância. Assim, iniciei meu proselitismo. E virei a chata das conversas. Lá vem a Ana toda trabalhada no sling falar de novo sobre parto, sobre humanização, sobre os perigos das cesáreas agendadas sem indicação com 38 semanas para os bebês, sobre não dar açúcar para crianças, sobre não deixar o dia inteiro assistindo TV, sobre não bater, não deixar de castigo, sobre acolher, dar colo. 

Estava tão envolvida e tão feliz em levar conhecimento e iluminação para os outros que não enxergava o óbvio: ninguém gosta de ser convencido a nada. Se tem uma coisa chata nesse mundo é gente que tenta convencer o outro de qualquer coisa. Igual àquele seu amigo que enchia a cara todo final de semana, se tornou evangélico e agora só fala de Jesus. Ou a amiga sedentária, companheira de sorvete e chocolate, e que de repente se transforma na garota fitness do crossfit e só come batata doce, tapioca e suco verde. E, claro, quer te convencer que correr e levantar peso é melhor que brigadeiro. Também vale para o novo vegetariano, que até ontem comia picanha com você em todo churrasco e agora jura que berinjela e tomate grelhados são muito melhores e que você é uma pessoa terrível por comer carne.

Apesar de todas essas mudanças provavelmente terem feito muito bem para essas pessoas, não podemos ignorar o fato de que esse tipo de gente é chato. E ninguém escuta gente chata. No máximo fingimos estar ouvindo enquanto fazemos mentalmente a lista do supermercado. Eu, que já nasci chata, tinha me tornado insuportável. Não tinha outro assunto. Comecei a perceber esse meu problema aos poucos. Primeiro foi o marido que reclamou que eu só falava disso e que não aguentava mais livro sobre o assunto chegando pelo correio. Depois percebi que o assunto mudava nas rodas de mães, nas festinhas de criança, quando eu chegava. Também tiveram casos clássicos de pessoas se justificando para mim sem que eu nem tivesse perguntado: "eu fiz cesárea porque o cordão estava enrolado", etc.

Mas a ficha só caiu mesmo na terapia. Um dia, meu antigo terapeuta disse:

"Você realmente acha que se não tentar convencer as pessoas daquilo que você acredita o mundo estará perdido? Mas que iluminação é essa que só você tem?".

Foi um golpe. Ele tinha razão. Mesmo sabendo que não era dona da verdade, eu me comportava como tal, disfarçada em mostrar um mundo novo para quem não conhecia.

Fiquei perdida. O que eu faria com todo o conhecimento que tinha sobre o assunto? Como eu poderia permitir que aquela amiga querida fosse enganada pelo médico fofo que dizia que o corpo dela não seria capaz de parir? Ou ver aquela criança doce que só estava sendo criança ser castigada para “aprender” a obedecer aos adultos? Ver crianças viciadas em doces e jogos de celular e achar que é normal? Eu não poderia ignorar tudo o que já tinha lido. Não posso mais alegar ignorância sobre esses assuntos.

Como encontrar o equilíbrio entre informar e ser a chata? Como falar sobre temas tão importantes para todas as mães e todos os pais sem ser intrometida?

Pensei, então, em como eu mesma havia chegada a essa tribo. Quando era adolescente, dizia que não teria filhos, tomava remédio para qualquer cólica, afinal, pra que sentir dor?! Também sempre achei muito fácil criar filho dos outros. Era simples apontar a falta de limites ou dizer que o que a criança precisava era de uns bons tapas. Tinha certeza absoluta de que criança dando birra era culpa dos pais. Sempre ouvi que criança a gente educa com vara curta.

Mas a vida sendo vivida muda todos os nossos planos. Casei e alguns anos depois me tornei mãe. Um pouco antes de engravidar, reencontrei, graças ao senhor Zuckerberg e seu glorioso Facebook, uma amiga da adolescência que tinha sido muito importante para mim, Anna Galafrio. Ela estava grávida. Pariu seu Mattias em casa. Uau! Foi o primeiro relato de parto que li na vida. E só li porque era dela, da minha amiga querida.

Aquele foi o gatilho inicial.

Engravidei e comecei a ler tudo sobre parto. Descobri que o parto normal era bem melhor para a mãe e para o bebê. Logo depois percebi que, no Brasil, parto normal, aquele básico, é quase uma tortura medieval. Episiotomia, Kristeller, gritos, muitas pessoas desconhecidas na sala de parto, tudo asséptico. Claro que nem sempre é assim, mas as evidências me mostravam que minha chance de sofrer violência obstétrica era enorme com o médico fofo do convênio que cuidava de mim desde os 15 anos.

Entrei em listas de discussão. Participei de grupos de apoio. Li muitos, muitos livros e textos. Tudo isso porque EU quis. Eu queria saber. Porque se tem uma coisa importante em qualquer mudança pessoal é que essa porta da transformação só abre pelo lado de dentro. Ninguém tem a chave da modificação da vida do outro. Só a pessoa mesmo é que pode escolher mudar e trilhar um novo caminho. Nesse sentido, qualquer palavra que vise convencer o outro de qualquer coisa é só verbo desperdiçado. Palavras ao vento.

Isso me faz lembrar de uma parábola que gosto muito. “Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves, e comeram-na; E outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; Mas, vindo o sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Livro de Mateus 13.3-9).

Hoje tento ser mais como esse semeador. Não quero convencer ninguém de nada. Mas também não posso deixar de jogar a minha semente. Assim como o agricultor nunca sabe qual semente vai germinar e se ele terá frutos do seu trabalho, eu também não tenho poder algum sobre a decisão e escolhas alheias. Entendi que as minhas crenças e o meu conhecimento são bons para mim. Mas não faço mais disso um proselitismo. Fui eu que escolhi esse caminho. Vou arcar com os meus erros, sorrir com os meus acertos.

Escolho minhas sementes a partir dos frutos que desejo ter para mim. E sempre que alguém se interessa em saber mais sobre o meu caminho, estou pronta para lançar essas sementes.

Acho que o mundo precisa de mais semeadores. Pessoas que se posicionam, que não ficam em cima do muro, que se informam, que escolhem. Mas que respeitam o terreno alheio. Que sabem que cada um tem a árdua tarefa de lavrar a sua própria terra. Que todos nós temos terrenos áridos, pedregosos, cheios de ervas daninhas dentro de si. E que nesses lugares é mais difícil deixar a semente criar raízes.

Sigo sendo semeadora e terreno. Não posso parar de dizer no que acredito. Para ser inteira, preciso me posicionar.

Ao mesmo tempo recebo muitas sementes. Algumas estão germinando dentro de mim. Outras já morreram secas. E a vida segue com a gente escolhendo quais ervas daninhas vamos arrancar para ver as sementes florescer e em quais não queremos mexer. Trabalho que só cabe a cada um.

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