Há 1 ano, 8 meses e 1 dia, eu me tornava, concretamente, mãe de uma menina a quem demos o nome de Clara. O nascimento dela me tornou uma pessoa muito diferente do que eu era. Com as mesmas nuances básicas de sempre – ninguém zera sua personalidade, nem acho que isso seja algo saudável de se tentar fazer -, mas muito diferente. Foi uma mudança progressiva e poderosa, que fui sentindo acontecer com o decorrer desses incríveis pouco mais de 610 dias.
Eu sempre falo sobre mudanças. Falo porque acho que todas as pessoas têm o direito de mudar, se assim quiserem.
Quando não mudamos, nos tornamos obsoletos. Mudar é adaptar-se, moldar-se, ter flexibilidade, sair do caminho rígido, enxergar outras possibilidades que, talvez, te façam mais feliz.
Muitas pessoas não sabem que podem mudar. Acham que estão fadadas a viver aquilo ali e pronto. Não se sentem capazes de operar uma mudança revolucionária em suas vidas e acabam procurando dezenas de impalpáveis desculpas para continuar a viver uma vida que não as satisfaz – mas que é cômoda. O que mostra que ter a coragem para mudar vem de um certo grau conquistado de empoderamento individual…
Comodismo não combina com felicidade. Mudar, sim.
Quando mudamos de opinião, mostramos que temos uma mente aberta o suficiente para reconhecer nossa própria limitação.
Quando mudamos de atitude, mostramos que estamos amadurecendo ao ponto de mudar nosso próprio comportamento sem medo das opiniões externas.
Quando mudamos de vida, mostramos coragem e, acima de tudo, confiança em seu fluxo natural.
Mudar nem sempre é fácil.
Demanda coragem de acordar, em um certo dia, olhar-se no espelho e dizer a si mesma: “Tudo vai ser diferente a partir de agora”. E fazer com que realmente seja.
Muitas vezes, ao longo da vida, pensamos sobre como gostaríamos de ter tido outra chance. Outra infância, outras lembranças, outra profissão, outras oportunidades, outro marido, outra esposa, outra rotina. Muitos prostram-se por considerarem inexistente a possibilidade de uma segunda chance.
Prostram-se equivocadamente. Porque estão enganados.
Há, todos os dias, a oportunidade de iniciar uma segunda chance, realizando pequenas, médias ou grandes mudanças que nos proporcionarão isso. Nossa infância concreta, tal qual vivemos, não pode ser mudada. Mas a forma como você escolhe criar seus filhos, por exemplo, ajuda a ressignificá-la, mudando-a, de certa forma. Mudar de namorado, companheiro, marido, também não é tarefa das mais fáceis, demanda tempo, visão real e não ilusória da infelicidade, reconhecimento de que se merece mais, coragem para deixar o conhecido e já familiar. Mudar de profissão é um dos maiores medos atuais das pessoas. As oportunidades atuais de especializações – com aumento das exigências por mestrados, doutorados, pós-doutorados – estão criando um grande número de profissionais altamente qualificados, mas muito insatisfeitos com a própria prática. Muitos deles já conheciam essa insatisfação ainda lá nos tempos do mestrado, mas sentiam como se o fato de ter adquirido certo grau de especialização os impedisse de deixar tudo e recomeçar, dessa vez por onde o coração poderia se mostrar mais vibrante. Trabalhar sem tesão é o mesmo que comer comida sem tempero: a gente faz, mas é como se não estivesse fazendo. E, quando menos percebemos, estamos como Chaplin no filme Tempos Modernos, apertando parafusos compulsivamente quando eles nem mesmo existem.
Ontem, minha filha completou 1 ano e 8 meses.
Uma menina incrível, simpática, carismática, risonha, dançarina, animada, cheia de caras e bocas e interpretações, dona de duas lindas chuquinhas que ajudam a liberar um pouco seu rosto dos lisos cabelinhos que cresceram em demasia e ainda estão sem corte, preservando os cabelinhos que nasceram ainda dentro da barriga.
Nesse último mês de vida ela aprendeu a correr e ganhou muitos – MUITOS – ralados nos joelhos. Ela já escolhe o que quer comer e diz quando quer dormir. Passou excelentes dias na companhia da vovó, essa minha mãe querida que tem se transformado também, junto com nossas experiências de maternar. E pôde acompanhar seu querido primo Murilo, que é apenas 1 mês mais novo que ela e que não via há muito tempo, no dia inesquecível em que ele encontrou, pela primeira vez, o mar. Clara – essa garota de praia – o pegou pela mãozinha e o ajudou a enfrentar o desconhecido do rasinho do mar…
O nascimento dela trouxe a mim uma mudança profunda. Hoje, vivo a vida a encarando de frente. E mudei muito, ativamente. Porque eu quis mudar. Porque eu quis aproveitar a segunda chance que a maternidade me ofereceu.
Estou vivendo um momento feliz. Vendo minha pequena menina correr em seus primeiros desafios, levantar de grandes tombos, experimentando coisas mais desafiadoras. Aprendendo, a cada nova aula desse novo doutorado, um pouco mais sobre filosofia, dinâmica social, pessoas, políticas, saúde e sociedade. Tenho reformulado minha pesquisa a fim de torná-la mais eficiente, à luz das coisas que tenho lido e aprendido sobre Bioética, sobre Violência em Saúde, sobre Pesquisa Qualitativa. Tenho a felicidade de contar com a colaboração de muitas pessoas inteligentes que têm me ajudado nessa empreitada. Em meu desafio como organizadora do Bazar Coisas de Mãe, tenho vivido a força das mulheres quando conectadas e comprometidas, tendo vivido na pele a força do apoio coletivo e da confiança em nosso trabalho. Sentido a importância da cooperação, da transparência e do trabalho ético e comprometido na construção da credibilidade de uma iniciativa. Convivido com mulheres que são, realmente, admiráveis.

Trabalho nas madrugadas, estudando, lendo, vencendo o sono, tendo como sons de fundo os grilos da mata que envolve minha casa. Vou dormir quase amanhecendo, quando (quase)todos estão profundamente mergulhados em seus sonhos – e muitas vezes sinto pena de ir, e acabo indo apenas porque preciso estar disposta no dia seguinte, ainda que minha mente esteja muito ativa.
Tenho um companheiro que é tão comprometido na criação e cuidado com minha filha quanto eu. Nos revezamos em seus cuidados e nele confio muito. Saio tranquila para algumas aulas, tendo a alegria de ver minha filha se despedindo de mim dizendo “Tchau, mãe!”, com beijinhos e acenos. Tem se tornado frequente voltar e encontrá-la dormindo feliz na caminha que ele tem em seu escritório, onde ela dorme quando está cansada, debaixo dos olhos atentos do pai.
O nascimento dela me tornou mais intuitiva, mais conectada com o oculto, com o que não pode ser explicado exclusivamente pelo racional. Passei a exercitar mais e melhor minha capacidade de analisar as coisas por diferentes ângulos.
Como uma verdadeira coruja.
Coruja:

Animal símbolo da noite, da sabedoria, da reflexão. Símbolo do racional e do intuitivo que permite que ela domine a noite. Para muitos povos, símbolo do conhecimento e da sabedoria. Enquanto todos dormem, ela fica acordada, de olhos arregalados, vigilant
e, atenta aos barulhos da noite, sendo para muitas culturas uma poderosa e profunda conhecedora do oculto. Consegue olhar melhor as coisas porque as observa de vários ângulos, por ter um pescoço que gira 270 graus, ainda que seu corpo se mantenha imóvel. Símbolo das faculdades de filosofia, ciências e letras. A expressão “mãe-coruja” vem de uma fábula portuguesa sobre águias e corujas. É considerada um dos animais mais carinhosos com a prole, alimentando seu filhote até os dois anos de idade, ao menos. O macho das corujas também cuida da prole até que perceba que eles estão seguros para alçar voo. Por estar sempre atenta, prevê ataques antes que eles ocorram e se afasta do predador. Representa o inconsciente humano, porta-voz da consciência e pressagia mudanças.

Por tudo isso, porque adoro corujas, porque elas sempre me acompanham e se fazem presentes, porque não tenho medo de mudanças e porque gosto de tatuagens, escolhi a coruja como motivo da minha sétima tatuagem. E a fiz no dia que minha filha completou 1 ano e 8 meses.
Por muito tempo eu quis uma tatuagem no braço. Mas não a fazia porque tinha medo do preconceito que poderia me fechar portas profissionais – crença fruto, também, de uma certa insegurança. Hoje, penso que se alguma porta se fechar para mim exclusivamente por esse motivo, não era uma porta que realmente merecesse ser aberta… Hoje, sinto-me segura o suficiente pra realizar esse, que era um sonho antigo.
Minha coruja especial… Da sessão “eu mesma que desenhei”.

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