“Quando eu fui ganhar alta do hospital, os dois médicos vieram conversar comigo, o ginecologista e o pediatra. Tava tudo certo e tal, ele me mandou pra casa, e o pediatra me disse o seguinte: que leite em pó, tipo NAN, era tão bom quanto leite materno, que eu não precisava me preocupar, porque eu não ia conseguir amamentar minha filha. Eu falei pra ele que eu queria muito amamentar. E ele me disse que se eu quisesse amamentar, devia ter pensado nisso antes de engravidar e ter feito uma cirurgia plástica e eu não fiz, então eu não podia amamentar . Ele me disse que não tinha como e eu disse pra ele que eu ia dar jeito, e ele me disse que não, que era pra eu desistir que não tinha como. Todas as enfermeiras foram unânimes e concordaram com ele, que não tinha como amamentar. Tudo bem, né… Vou pra casa, então… E me deram alta”.

Selecionei esse trecho a partir de um relato enviado espontaneamente por uma mulher que foi vítima de violência obstétrica. Bianca Zorzam, Ana Carolina Franzon, Kalu Brum e eu estamos trabalhando nos vídeos que nos foram enviados de forma a selecionar, a partir deles, informações e cenas para compor um vídeo único, o vídeo “VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA – A VOZ DAS BRASILEIRAS”, que será apresentado na próxima semana no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – o ABRASCÃO – que vai acontecer em Porto Alegre, na UFRGS. Ele também será disseminado pelas redes sociais, blogs e portais de vídeo, de forma a servir como material de sensibilização, debate e denúncia sobre o grave problema da violência obstétrica institucional no Brasil.

O trecho que mencionei acima faz parte do vídeo mais longo que recebemos. Precisei parar muitas vezes até terminar de assisti-lo, em função das situações difíceis que sua autora viveu no nascimento da filha. É difícil ouvir uma pessoa falar com tanto sentimento sobre um momento tão delicado e não poder abraçá-la…
Acabo de assisti-lo e ainda estou com os olhos úmidos.
Chorei junto com ela, quis abraçá-la em solidariedade mas, principalmente, em admiração.
Gostaria de poder dizer a ela, no exato momento em que terminei de assistir, o quanto aquelas palavras são importantes, o quão obstinada e persistente ela foi, como foi admirável a confiança que demonstrou em si mesma, de maneira tão decisiva, movida apenas por uma coisa: a vontade, a mais sincera vontade, de amamentar a própria filha.

Uma história de superação, de autoconfiança, de determinação e vontade de amamentar.
A autora, que terá o nome divulgado  no vídeo definitivo – autorizado por ela própria – nutria grande angústia com relação à amamentação por ter mamilos invertidos. Um mamilo plano ou invertido é aquele em que o bico do peito não é projetado para frente; é plano ou, quando pressionado, projeta-se para dentro. Por desinformação, algumas pessoas acreditam que quem possui mamilo invertido não pode amamentar, não consegue amamentar.

Que o senso comum acredite nisso ainda vá lá, a gente sabe que as pessoas acreditam em coisas que ouvem falar sem investigar realmente, sem buscar o que é verdadeiro de fato, isso sem falar nos mitos e lendas que surgem por aí como manga com leite… Mas que um profissional da saúde, supostamente preparado par auxiliar mulheres e seus bebês, também creia nisso, desincentivando a amamentação, vai além de uma questão de desinformação; passa por um problema de ética e comprometimento. Existem diferentes tipos de mamilos invertidos, em diferentes graus, mas apenas em casos bastante raros é que as mulheres não conseguem amamentar nessa condição, sendo necessária uma correção prévia. Em mais de 90% dos casos, há total possibilidade de amamentação.

Dezenas ou centenas de mulheres recebem orientações equivocadas daquele que, em um momento tão crucial como o pós-parto, seria o mais indicado a incentivá-la à prática da amamentação: o pediatra. Não somente em função dos benefícios físicos e fisiológicos para mãe e filho, mas também por questões emocionais e de vínculo, é que as principais instituições e organizações de saúde no mundo orientam a amamentação na primeira hora de vida, exclusiva durante 6 meses e continuada até 2 ou mais anos. Não raro, mulheres já têm saído das maternidades com prescrições detalhadas de leite artificial, ignorando-se o fato de que podem ser preparadas e incentivadas a amamentar, em um exemplo típico de mercantilização da saúde e do processo natural de alimentação infantil e de menosprezo à capacidade feminina como nutriz. Todo mundo conhece casos assim.
O que fazer quando se recebe uma orientação enviesada e equivocada como essa que incentiva o aleitamento artificial – que é inclusive bastante caro – em detrimento do aleitamento materno? Depende do seu preparo, do seu empoderamento, da informação que você buscou ao longo dos 9 meses e, também, dos seus anseios, desejos e aspirações.

Essa é a continuidade da história:

“(…) eu cheguei em casa e pra mim era muito importante amamentar, muito importante.
Eu peguei uma bombinha de sucção, daquela que a mulherada usa pra tirar leite, e tirei o bico do meu peito pra fora. Eu pedi pra minha mãe sair com a Sofia, ir com ela pra sala, e eu usei a bombinha de sucção pra tirar o bico do meu peito pra fora. Sangrou, doeu, foi terrível… Mas saiu. Eu limpei um pouco o sangue, do jeito que deu, e amamentei a Sofia.
Foi…. muito emocionante
(ela chora).
Mas eu tive que fazer aquilo sozinha… porque nenhum médico quis me ajudar, nenhum médico quis tentar fazer alguma coisa, né, por mim e por ela, principalmente…
E aí pra minha grande alegria, contentamento, felicidade e tudo mais, eu comecei a ter muito leite. Era um absurdo a quantidade de leite que eu tinha, enquanto ela mamava em um peito o outro peito jorrava. Eu pegava toalha fralda, aquelas toalhas fraldas grandes, eu dobrava, dobrava, dobrava em pedacinhos, colocava no peito pra segurar. À noite, acordava toda molhada de leite. 
Quando ela tinha uns 20 dias, eu fui no banco de leite (ela faz uma pausa longa e chora novamente)… pra me cadastrar como doadora…. E quem tava lá, de plantão naquele dia, era o médico, o pediatra, que havia me dito que eu jamais conseguiria amamentar…
Pra mim aquilo foi uma alegria muito grande, um orgulho muito grande, uma vitória, uma conquista muito grande… e eu comecei a doar leite pro banco e doei (ela chora novamente) até minha filha ter nove meses. Doei muito leite, participei de um p
rograma de televisão falando a respeito do leite materno, de como ele era importante, da doação do leite. 

E enfim… foi tudo muito bom, muito maravilhoso. Eu consegui amamentar a minha filha, consegui ajudar as crianças que precisavam
E hoje a minha filha vai fazer 9 anos, eu tô grávida de novo”.

Ela foi uma brava mulher que deu ouvidos apenas à consciência sobre seu poder de amamentar e nutrir sua filha. Sua vontade e coragem inabaláveis a fizeram conseguir aquilo para o qual ela foi totalmente desincentivada e desestimulada a fazer. 
Mas as pessoas não são todas iguais… Muitas outras mães podem ter se sentido frágeis e abaladas com orientações danosas e irresponsáveis como as que foram dadas pela equipe de saúde e simplesmente desistiram de tentar. Acontece. É preciso respeitar as dores de cada um, as limitações de cada um. 
Mas fiz questão de trazer esse relato pra cá para mostrar que nem sempre aquilo que uma equipe de saúde orienta é o melhor a ser feito. Porque existem interesses outros por trás das orientações, ou mesmo pouco caso, preconceito e desinformação. 
E para mostrar também que a convicção move montanhas – e bicos do peito.
O que ela fez foi o que conseguiu fazer naquele momento, com as informações de que dispunha.
Existem outras alternativas para facilitar a amamentação de quem tem mamilos invertidos. Há coisas muito bacanas sobre isso na rede.
Selecionei dois textos sobre o assunto que dizem a mesma coisa: SIM, É POSSÍVEL AMAMENTAR nessas condições.
Pra finalizar, quero apenas agradecer a todas as que participaram dessa ação enviando seus relatos. É mais que uma demonstração de confiança: é uma clara demonstração de altruísmo por tocar em feridas, por vezes ainda não cicatrizadas, com o objetivo claro de alertar, denunciar e, por que não, proteger outras mulheres.
É só assim que a gente vai conseguir mudar algo, atuando em grupo, coletivamente, respeitando nossas limitações e habilidades mas, sempre, agindo.
A você, querida companheira de maternidade que nos enviou esse relato tão forte, sincero e comovente: obrigada! Obrigada pela oportunidade de aprender um pouco mais sobre a vida e a maternidade. Obrigada por inspirar e fortalecer outras mulheres.
Que admirável sua força de auto-reconstrução. 
Que história de braveza e auto-confiança. 
Que sua nova gestação e novo parto sejam o reflexo dessa reconstrução que você promoveu em si mesma a partir de uma experiência difícil.
Deixar-se cortar… e voltar sempre inteira….


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