NÃO REVISADO NA ÍNTEGRA

 

Qualquer mãe e pai quer oferecer a melhor educação possível aos filhos e às filhas. Queremos que eles e elas sejam capazes de alcançar o céu e ir além do que nós mesmos fomos. Como vivemos em uma sociedade onde a educação compulsória ainda reina, nos deparamos com um grande dilema: como garantir que nossas crianças tenham oportunidade de aprender tudo aquilo que quiserem sem serem podadas por limitações institucionais? E se não concordarmos com o que é oferecido pelas instituições, como podemos oferecer alternativas que se encaixem dentro daquilo que acreditamos ser o melhor para nossos filhos e nossa família?

 

Em alguns países no mundo, educação domiciliar, ou homeschooling, é uma alternativa para famílias que não encontraram no sistema escolar vigente – público ou particular – aquilo que desejam para seus filhos. Nesses países existe um certo amparo legal para famílias que buscam no homeschooling a alternativa para educar seus filhos. Existem grupos de apoio, atividades voltadas para os mais variados interesses e inclusive descontos para materiais.

 

Outros países exigem que crianças a partir de determinada idade sejam matriculadas em escolas públicas ou particulares para que obtenham instrução acadêmica. Essa prática é conhecida como educação compulsória. No Brasil, apesar de não existir qualquer irregularidade jurídica que impeça qualquer família de ensinar seus filhos em casa, essa prática ainda é veementemente combatida nos tribunais que acusam pais e mães de abandono intelectual de menor mesmo que se comprove o contrário. Apesar disso – e porque esse combate ao homeschooling fere tratados internacionais que preveem o direito dos pais de escolherem a forma de instrução a ser ministrada a seus filhos (artigo 26.3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos) – várias famílias pelo Brasil lutam pelo direito de educar seus filhos em casa, formando a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED).

 

A incerteza de como seria o ensino para o Kiyo no Brasil, assim como diversos fatores pessoais e familiares, incentivaram nossa decisão de retornar aos EUA após termos vivido 7 anos no Brasil. No entanto, apesar do amparo legal que existe aqui nos EUA, a educação domiciliar ainda é vista com estranheza por várias pessoas que não medem esforços para criticar a prática. As críticas são frutos de uma mistura de falta de conhecimento e preconceito sobre o tema.

Então, quando decidimos embarcar nessa nova jornada familiar, recebemos inúmeros “conselhos” e críticas acerca do assunto.  Algumas pessoas chegaram a implorar para que não “condenássemos” o Kiyo a uma vida sem amigos. Outras nos diziam estarem preocupadas com essa decisão radical que tomamos. Quando explicávamos nossos motivos, ouvíamos que não poderíamos proteger o Kiyo eternamente, e que essa “superproteção” era na verdade prejudicial ao desenvolvimento social dele. Outras ainda questionavam nossa capacidade de ensinar “tudo aquilo que ele realmente precisava aprender”.

 

Apesar da certeza que sentíamos de que a nossa decisão era de fato a melhor para nossa família, a verdade é que esse tipo de crítica se transformava em uma ponta de dúvida sobre nossas cabeças. Será que realmente daremos conta? Será que somos realmente capazes de ensinar tudo aquilo que nosso filho precisa aprender?  É bem natural que bata uma certa insegurança para quem cogita embarcar no mundo da educação domiciliar afinal somos programados desde o positivo no teste de gravidez a duvidar de nossas capacidades de parir, de amamentar, de cuidar, de educar e de orientar nossos próprios filhos. Devido à gerações de ensino terceirizado, nós – pais e mães – acabamos perdendo a confiança de que somos sim capazes de oferecer-lhes a melhor educação possível e imaginável. E nossas crianças, com as ferramentas que nós os ensinamos a usar, poderão sim no futuro serem aquilo que bem entenderem, sem limitações e sem frustrações.

 

Depois de muita pesquisa e depois de presenciarmos em primeira mão o resultado do sistema escolar no Kiyo – total apatia a descobertas e aversão por aprender – decidimos enfrentar nossos medos e incertezas para garantir que o céu não precisasse ser o limite nas escolhas de nosso filho. Aproveitamos algumas conferências onde eu iria apresentar minha pesquisa sobre formigas, e o tiramos da escola. Compramos alguns materiais de apoio para termos uma base, mas usamos os dois primeiros meses para despressurizar e iniciamos timidamente em julho de 2014. Nesse ano de aprendizado mútuo percebemos que muitas das dúvidas que existem sobre homeschooling ou unschooling não são fundamentadas, mas são, sim, preconceitos. Gostaria de pontuar algumas coisas que aprendemos acerca da educação domiciliar.

 

?    Uma criança que aprende em casa não vive em uma redoma de vidro, isolada de outras crianças. Na verdade, o homeschooling/unschooling pode oferecer a essa criança outras oportunidades de interação social que a escola não oferece. Por exemplo, o Kiyo sempre foi um menino social. No entanto, durante o tempo em que ele ia para a escola, ele passou a ficar cada vez mais tímido e resistente à interações com pessoas novas – principalmente se essas pessoas não fossem da sua faixa etária. A mudança para a educação domiciliar o deixou livre para interagir de forma espontânea com pessoas de todas as idades. E essa mudança foi tão imediata que nos surpreendeu. Em questão de algumas semanas, ele já se sentiu à vontade para interagir com quem quer que fosse – mais novo ou mais velho que ele, menino ou menina.

 

?    Homeschooling/Unschooling não é para qualquer família. Da mesma forma que cada família escolhe a melhor forma que quer criar os filhos, a decisão de praticar a educação domiciliar deve ser familiar. Essa é uma escolha ativa que demanda muita dedicação. Existem pessoas que assumem suas próprias limitações e dizem logo de cara que jamais dariam conta do recado. E tudo bem, nem tudo funciona para todos. O que não pode existir é a ideia torcida de que “se não funciona para mim, jamais funcionaria para você” ou “funciona para mim então deve funcionar para todo mundo”. Respeitar as opiniões alheias também é uma forma de ensinar nossos filhos.

 

?    É muito trabalhoso, mas muito compensador. Acho que essa é a máxima da maternidade. Foi assim na amamentação e agora no ensino domiciliar também. O trabalho vale a pena quando percebemos que os olhinhos do Kiyo voltaram a brilhar a cada descoberta, a cada conquista.

 

?    Nem todos os dias serão um mar de rosas. Na verdade, eu acho que temos períodos de tempestade e períodos de calmaria. Experimentamos dias onde a proposta funciona maravilhosamente e vemos nítidos resultados. Há dias em que a proposta não é bem sucedida e nos vemos caminhando em um rio de melado. No entanto, entendemos que essa dinâmica é normal e que essa é uma das grandes vantagens do homeschooling: respeito ao tempo da criança, sem impor metas ou avaliações.

 

?    Não existe fórmula ou receita que funcione. Existem variações da prática que vão do unschooling (onde o aprendizado é liderado pela criança e seus interesses) ao tradicional homeschooling (que pode utilizar um calendário e currículo bastante parecidos com o que encontramos na escola).  As variações servem para suprir as necessidades e particularidades de cada família, e o principal foco é sempre o aprendizado respeitoso e conforme a capacidade da criança – sem generalizar ou enquadrar ninguém. Existem aqueles que separam um quarto especial para o homeschooling e mantém um currículo rígido dentro do que é esperado para cada ano escolar, e outros que usam as oportunidades que aparecem diariamente para aprender e ensinar. Isso não significa dizer que um formato é o certo e os demais são incorretos. Significa sim que, mais uma vez, aquilo que funciona para uma família pode não servir para outras. Então, antes de embarcar no mundo do homeschooling/unschooling encontre o que funciona para você e sua família.

 

Independente de qual seja sua escolha ou seu posicionamento acerca da educação domiciliar, é preciso que haja um maior diálogo sobre o que é o ensino domiciliar. É preciso se despir de qualquer preconceito para ouvir as razões que levaram uma família a optar por esse meio de ensino, pois apenas quando estamos dispostos a ouvir o outro podemos realmente entender sua posição. Quando estamos dispostos a ouvir, podemos ser ouvidos. Muitas famílias buscam o homeschooling por quererem se isolar do mundo. Existem várias famílias que não aceitam influências externas que a escola possa trazer. No entanto, muitas outras famílias entraram no mundo do ensino em casa porque não encontraram no sistema escolar vigente o apoio que buscavam para que seus filhos pudessem ir além do céu.

 

Ao inciarmos o homeschooling, meu marido e eu questionamos muitas vezes o fator isolamento. No entanto, em um ano de experiência percebemos que isolado ele estava ficando 6 horas por dia numa sala de aula e outras 3 preocupado com a lição de casa que tinha que cumprir. Hoje em dia ele está livre para escolher o que quer ser quando crescer. Hoje em dia ele não está limitado pelo resultado de uma prova. Hoje em dia, para ele, o céu não é mais o limite.

 

Material consultado:

 

The well-adjusted child: The Social benefits of homeschooling. Rachel Gathercole. 2007. Editora: Mapletree Publishing Co. 1st Edition.

Associação Nacional de Educação Domicilar (ANED) – http://www.aned.org.br.

Homeschooling: An Alternative to Mainstream. Lee Ching Yin e Abd. Razak Zakaria. Department of Educational Foundation and Humanities, University of Malaya, Malaysia.

Deschooling Society. Ivan Illich. 1971.

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