Você joga “sexo depois da maternidade” no Google e pipocam na tela resultados como:
"Como esquentar a relação depois do parto"
"Como recuperar o desejo sexual após o parto?"
"Veja como retomar a vida sexual após a gravidez"
Ou ainda propagandas como:
"Falta de Libido – Retome sua Vida Sexual Saudável"
"Melhore sua Vida Sexual"
Como se não bastasse toda a cobrança para voltar ao corpo normal, à vida normal, ao trabalho normal, ainda temos que estar quentes e transantes. E gente, a única coisa "normal" que existe depois da maternidade é… adivinha? A própria maternidade. Com todo o pacote que ela nos traz.
A vontade que eu tenho depois de ler esses resultados é de responder todos com a minha frase favorita dos últimos tempos: DEIXEM AS MÃES EM PAZ.
Mas acho que vale a gente pensar por que nos oferecem tantas dicas de como voltar a transar depois de parir e não vejo nenhuma dica para que parceiros, companheiros e pais compreendam esse período.
Antes de seguir com o texto, preciso dizer que falo de uma perspectiva heteronormativa pois entendo que, usualmente, é na relação homem/mulher que ficamos mais suscetíveis a uma série de opressões naturalizadas, que findam em comportamentos e relacionamentos abusivos (isso não significa que relacionamentos homoafetivos não estejam suscetíveis a abuso também, apenas que essa é a perspectiva aqui, sobretudo, quando falamos de gestação, parto e socializações parentais).
Dito isto, sigamos.
Uma das ferramentas mais fáceis de ser usada para sustentar discursos com determinismos biológicos é o sexo, o desejo sexual.
Sim, há uma questão hormonal inerente à maternidade que começa com a gestação. Nós vivemos alterações dignas de momentos da vida como a puberdade ou a menopausa, só que em um intervalo curtíssimo de tempo. São meses. É comum sentirmos enjôo, cansaço, sono, tonturas e vomitarmos. E, convenhamos: nada disso é condição favorável a sentir tesão. Não é sexy.
Eu fiquei os três primeiros meses completamente descompensada e, para além disso, ainda tinha que trabalhar, produzir e dar conta de afazeres domésticos. Então, realmente, só pensava em dormir no tempo que sobrava.
Em meados da gestação, lembro de ter me sentido ótima. O corpo foi se adequando, eu me sentia linda e o sono já não era mais tão insuportável. Essa fase foi divertida até que a barriga se agigantou e a bebê deixou de ser algo abstrato.
Há muitos homens que encanam com a barriga, com medo de machucar. Outros ainda ficam confusos sobre ter tesão por aquela mulher sagrada que carrega seu filho no ventre. A dessexualização e a santificação da figura materna é muito comum em sociedades estruturadas no cristianismo como a nossa. Eva, a pecadora. Maria, mãe de Jesus. A virgem.
Daí que não somos nem uma coisa, nem outra né? Gostamos de transar. Inclusive, vejam só, foi transando que nos tornamos mães!
O ponto é: transar quando estamos a fim. E não para cumprir obrigações conjugais. Ou porque ficamos temerosas por ameaças de infidelidade do parceiro.
Eu adoro sexo. Falar e fazer sexo sempre foram duas coisas que ocuparam parte considerável do meu tempo. E somado a isso, o fato de ser negra e ser encaixada no rótulo racista de mulata me coloca num papel hiperssexualizado e, portanto, parece que os homens pensam que estou sempre disponível para o sexo.
Pois bem, mesmo gostando (e isso não tem nada a ver com ser ou não ser negra), eu passei os dois primeiros anos de vida da minha filha com a libido completamente afetada. “LOGO EU”, pensava. Às vezes eu até me esforçava, mas era tipo “vamos ver se consigo tirar alguma coisa daqui”. E acabava sempre parecendo meio mecânico.
Outro dia ouvi numa roda de boteco um cara dizendo que a parceira estava usando lubrificante à base de água para conseguir transar. Aquilo me desceu mal. Imaginei uma mulher sem o menor tesão usando subterfúgios para não deixar o maridão chateado.
Um estudo realizado na Universidade Federal de Alagoas e publicado na Acta Paul Enferm em 2014 verificou que 76% das mulheres apresentam disfunções sexuais na gravidez e mais de 43% após o parto. Os tipos mais comuns de disfunções afetam principalmente o desejo, a excitação e o orgasmo. E a conclusão foi que a prevalência alta de tais disfunções se dava por fatores associados como religião, jornada de trabalho, tipo de parto, entre outros. Ou seja, não é apenas hormonal. É uma combinação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais que bloqueiam total ou parcialmente a resposta sexual da mulher que se tornou mãe.
Mas vamos combinar que não precisa de artigo científico para perceber que, o que falta mesmo – além de estrogênio e lubrificação natural – é compreensão, cuidado, parceria e apoio na nova dinâmica do casal, que passa então a incluir uma dinâmica parental.
Qualquer bate-papo entre mães costuma ter as mesmas queixas: que o companheiro se ausenta dos principais cuidados, não toma para si funções paternas espontaneamente, que a mulher acaba tendo que virar mãe de dois filhos (o segundo sendo o pai da criança!) e por aí vai.
É tudo muito delicado. O casal que não tem filhos tem um tempo precioso para trocas (não só as de fluidos) mas as de parceria de toda natureza. Tem o tempo de namorar. De sair, se arrumar, se perfumar. Tem aquele momento reservado só pra isso.
Se um casal que mora junto, normalmente, já sofre com problemas de ajustes básicos como divisão igualitária do trabalho doméstico, imagina com a chegada de uma criança?
Aí que se a mulher é a única a acordar à noite, se é a principal responsável por trocar fraldas, dar banho, fazer papinhas, levar para pediatra, tomar sol, passear, acalmar, alimentar… fica difícil fazer qualquer biologia pegar no tranco. Não há KY que dê jeito, companheira! Porque uma coisa é penetração, outra bem diferente é desejar e querer.
E chega um momento que você não quer transar por pura falta de vontade de fazer acontecer. Por cansaço físico e emocional. Por esgotamento. Por desgaste.
A sensação é que essa fase nunca vai passar, que você vai enterrar a sua sexualidade para sempre.
Mas a boa notícia é que as coisas vão entrando no eixo e o tesão volta. E quando volta… Segura o furacão, porque volta com tudo.
No meu caso, passou. Mas resultou em separação porque os ajustes (e não só os relacionados à dinâmica parental) foram insuficientes e tardios.
Hoje posso dizer que estou em lua de mel com a minha sexualidade, como nunca estive. Não é com ninguém especificamente, é comigo mesma, o que, obviamente, afeta qualquer relação que eu tenha daqui pra frente (mas isso outro dia eu conto! rs).
O fato é que esse período deveria nos ensinar que não estar “normal” também é “normal”.
Não querer transar é normal, normalíssimo.
E sexo é maravilhoso de fazer.
Quando se quer fazer.
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