Recebi um e-mail muito bacana, logo após a transformação do blog em Cientista Que Virou Mãe, da Tattiana Teixeira. Ela é professora coordenadora do Ciência em Pauta, um projeto de extensão do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, que é desenvolvido pelo NUPEJOC – Núcleo de Pesquisa em Linguagens do Jornalismo Científico. O Ciência em Pauta produz material jornalístico sobre ciência, tecnologia e inovação, tendo como referência a produção da UFSC. Um projeto bem legal, que eu acabo de conhecer e já gostei.
A Tattiana me escreveu sugerindo que eu assistisse a um especial que eles fizeram que se chama “Mães Cientistas – Tempo sem hora”, um tributo às mulheres que conseguem conciliar as duas atividades.
Eu assisti ao vídeo e fiquei muito emocionada.
Ao ler o texto que acompanha o vídeo no site, não pude deixar de pensar a respeito dos dilemas que envolvem a atividade científica e o exercício PLENO da maternidade – frase que está lá, inclusive, mas que eu faço questão de ressaltar o PLENO. Por que ressalto? Porque não são poucas as mães cientistas nas universidades brasileiras. Eu mesma conheço dezenas. Mas são poucas, sim, as que conseguiram exercer a maternidade de maneira PLENA. Simplesmente porque é uma tarefa praticamente insana. Claro que cabe aqui uma discussão – longa e complexa – sobre o que vem a ser o exercício pleno da maternidade. Mas, ainda assim, são poucas as cientistas que se tornaram mães e conseguiram realmente viver isso como gostariam…
Não sei como é nas demais áreas do conhecimento. Mas na área da farmacologia, onde me doutorei e na qual trabalhei por mais de 10 anos, são poucas as mulheres que conseguiram exercer a maternidade da maneira como gostariam de ter exercido, sem comprometer aquilo que a carreira exige. E vice-versa. E afirmo, sem medo de cair em erro: são pouquíssimas as mulheres bem sucedidas na área, com grandes currículos, comparáveis aos dos homens bem sucedidos na área, que conseguiram dar à família a mesma dose de atenção. Simplesmente porque é inviável e, a cada dia, com as novas regras de avaliação de cursos e programas de pós, estão se tornando coisas quase incompatíveis.
O que a ciência brasileira exige hoje dos pesquisadores para que seus programas de pós-graduação sejam considerados “de excelência” (o que já é, por si só, uma questão absolutamente discutível) é uma coisa que vai muito, mas muito além das 8 horas diárias de trabalho. Não há maneira racional de conciliar, em 40 horas semanais de dedicação, ainda que exclusiva, a docência, a pesquisa, a extensão, as atividades administrativas, a orientação de novos profissionais. Acontece, então, que o trabalho que precisa obrigatoriamente ser feito, ou acaba sendo levado para casa – preenchendo momentos que deveriam ser da pessoa para com ela mesma, para a família, o companheiro ou companheira, os filhos, os pais – ou acaba sendo feito de qualquer jeito. Conheci alguns filhos de grandes pesquisadores que se queixavam da ausência da mãe ou do pai. Conheci muitos pesquisadores com grandes currículos que praticamente não tinham tempo para o(a) companheiro(a) e para os filhos. Por “tempo para os filhos” eu considero aquele tempo bacana, de envolvimento, de interação construtiva, de troca afetiva real, não o “acordar-dar café da manhã-levar pra escola-buscar da escola-cobrar o dever-verificar o horário de ir dormir”. Isso aí qualquer boa babá pode fazer. Digo aquele tempo fundamental que faz do “ser mãe” ou “ser pai” algo insubstituível. O tempo que não fica, obrigatoriamente, reservado para o sábado e domingo. Aqueles que conseguem, ou conseguiram, são verdadeiros heróis – ou sobreviventes, como preferirem…
Quando eu estava grávida, até mais ou menos a metade da gestação eu ainda pensava em retomar, logo após o nascimento da minha filha, minha carreira do ponto onde ela havia parado. Pretendia retomá-la logo após aquele prazo que, sinceramente, não sei de onde tiraram, de 4 meses. Me diz: quem estipulou em 4 meses o tempo para que uma mãe que acabou de parir possa ficar exclusivamente com seu filho antes de voltar ao trabalho? Quem foi a pessoa bacana que considerou que 4 meses é um tempo suficiente e que, depois disso, já se pode deixar o bebê “em algum lugar ou com alguém” e tocar a vida? Assim que ela nasceu, que eu a olhei pela primeira vez, senti que não seria assim tão fácil. Simplesmente porque eu não queria deixá-la “em algum lugar ou com alguém” para seguir uma carreira. Porque, na ordem de prioridade, ela vinha na frente.
Quando ela tinha 3 meses, inclusive, e eu precisei retornar aos poucos para as minhas atividades – estava iniciando um pós-doutorado – eu ouvi, inclusive, a frase: “agora, tudo bem você ficar aqui apenas um período. Mas depois que ela fizer 4 meses, que é o tempo aceitável, eu faço questão que você esteja aqui 8 horas por dia. Você coloca ela ali na creche e vem. E, olha, fique tranquila. Lá eles deixam ir amamentar, é super legal”.
Naquele dia, voltei pra casa me sentindo uma barata…
Que mundo era aquele, que eu sempre tinha cultuado, que batia no peito com orgulho dizendo que a ele pertencia, que agora estava olhando para mim, sentindo-se com autoridade suficiente pra dizer que, após 4 meses, minha filha já não precisava tanto assim de mim e eu não precisava tanto assim dela?!
Chorei horas seguidas. Com um sentimento de indignação tremendo. Hoje, olhando pra trás, devo agradecer por ter ouvido aquilo. Porque, sem sobra de dúvida, foi ali que o primeiro broto da mudança venceu a casca e começou a germinar. Foi ali que eu comecei a perceber que não era esse o mundo ao qual eu queria pertencer. Não eram essas as escolhas que eu faria para mim e minha família.
Conheço pesquisadoras incríveis, que se especializaram ao máximo que era possível, com cursos nos melhores institutos do mundo, e que dedicaram tanto tempo à sua formação profissional que, quando viram, o tempo tinha se passado e não houve espaço para outras pessoas em suas vidas. Conheço, também, pesquisadoras excelentes que tentaram fazer tudo junto, mas sofrerem horrores pelos dilemas enfrentados.
Posso dizer que conheci, até hoje, apenas uma pesquisadora que realmente se destacou profissionalmente, se tornou referência internacional, e conseguiu ser realmente feliz em família. Ela teve filhos, sempre estava com eles por perto, crianças bacanas – que se tornaram adultos também bacanas -, conseguiu manter um casamento legal (talvez o fato dele também ser pesquisador tenha contribuído e muito para isso), pesquisou coisas muito relevantes, publicou artigos que se tornaram referências na área. Mas contava desesperadamente os dias para a aposentadoria. Se aposentou bem nova, por tempo de serviço, e largou tudo para cuidar exclusivamente de si, dos filhos e da família dali em diante.
Ser mãe e cientista hoje, no Brasil, não é uma tarefa nada simples. Ser mãe não é simples. Ser cientista não é simples. Viver no Brasil não é simples. Imagina, então, quando essas três coisas se juntam todas no peito e cérebro de um mesmo ser humano…
Lida-se com coisas que não podem ser feitas de qualquer maneira.
Criar filhos, formar recursos humanos, contribuir para o avanço do conhecimento e melhoria da vida, humana ou não, são c
oisas que devem ser feitas com total dedicação, atenção, envolvimento, entrega.
Fazer ciência e ser mãe são coisas que se assemelham em muitos pontos.
Não podem deixar de ser feitas, não podem ser feitas de qualquer maneira e, ambas, quando bem exercidas, podem fazer toda a diferença para o mundo no qual se quer viver.
Se trata de conseguirmos criar um caminho do meio.
É o que estou buscando.