Hoje quero conversar com vocês sobre algo que percebo como absurdamente frequente entre as mulheres com quem trabalho, convivo e que oriento. Algo que diminui em muito a qualidade de vida dessas mulheres, impede-as de darem passos importantes, faz com que recusem convites, adiem projetos e se sintam constantemente inseguras, mesmo que não precisem se sentir assim: a Síndrome da Impostora.

São mulheres trabalhadoras, competentes, fazem muito bem aquilo a que se propõem fazer. Cuidam dos filhos, da casa, do trabalho, lidam com uma sobrecarga que não encontra equivalência em outro gênero. E, ainda assim, se sentem fraudes, incompetentes, impostoras.

A Síndrome da Impostora é um fenômeno social, emocional e psíquico que faz com que as pessoas se considerem pouco eficientes, incapazes, desconfiem de suas próprias habilidades e, por mais que sigam fazendo suas atividades bem feitas e se desenvolvam pessoal e profissionalmente, se consideram fraudes ou atribuem suas conquistas a eventualidades, à sorte ou a julgamentos equivocados de terceiros. Sentir-se uma impostora não depende do grau de sua formação ou da sua experiência: é um sentimento constante e que afeta não apenas a dimensão profissional, mas todas as demais, como relacionamentos afetivos, familiares, interação social, entre outros, e que muitas vezes impede a pessoa de fazer algo de seu interesse.

Mas como se forma essa crença de que não somos boas o suficiente que acompanha as mulheres que se sentem impostoras? Esse sentimento de fraude e insuficiência não se forma do nada nem é inato. É aprendido e reforçado e, portanto, depende de alguns fatores fundamentais:

  • daquilo que aprendemos como modelo, enquanto crescíamos e nos desenvolvíamos;
  • das experiências que vivemos ao longo da vida, se positivas ou negativas;
  • do nosso estado emocional, que é bastante variável;
  • e do que ouvimos a respeito de nós mesmas ao longo de toda a nossa história.

Esses fatores têm o mesmo peso na construção e manutenção da Síndrome da Impostora? Não. Muitos estudos afirmam que o teor das experiências que vivemos ao longo da vida tem mais peso do que outros fatores. Assim, se você viveu muitas experiências positivas, que contribuíram para aumentar a sua autoestima, para que você se visse como inserida, incluída, importante, ouvida, considerada, você pode não apresentar, ou apresentar menos, o sentimento de que é uma impostora, mesmo que tenha visto modelos negativos neste sentido ou que esteja atravessando uma fase emocionalmente difícil. Ou seja: viver experiências positivas atua como um fator de proteção ao estabelecimento da Síndrome da Impostora.

Neste ponto, quero fazer um adendo importante, que vejo ser pouco ou nada discutido por aí. Sim, a Síndrome da Impostora também é uma questão de gênero. Ué, como assim? Isso significa que homens não a vivem? Não. Os homens vivem também – especialmente os que pertencem a grupos historicamente excluídos. Mas nem de longe na mesma frequência e intensidade com que vivem as mulheres. Inclusive, porque é vantajoso para muita gente que continuemos a nos sentir assim e, de fato, muitos comportamentos sociais naturalizados até os dias atuais têm, como objetivo, reforçar às mulheres que não importa o que façam, continuarão a ser impostoras – eis o patriarcado. Neste ponto, é importante ressaltar que o próprio termo – Síndrome da Impostora – foi cunhado por duas mulheres, psicólogas, Suzanne Imes e Pauline Clance, em 1978, justamente em função da grande prevalência de atendimentos a mulheres que não se viam como competentes, mesmo quando detinham altos graus de sucesso em suas carreiras ou vidas pessoais.

Por que reforço o fato de que a Síndrome da Impostora possui um forte viés de gênero? Explico.

Vivemos em uma configuração social ainda bastante machista e patriarcal. Por mais que tenhamos avançado alguns metros na discussão sobre a equidade de gênero e da importância da redução das desigualdades, ainda temos muitos quilômetros a percorrer. Bebês meninas continuam ouvindo que são o amorzinho e a menininha do papai e da mamãe, que será protegida e poupada de tudo, enquanto os bebês meninos continuam a ser tratados como os mini-valentões, corajosos e viris que pegarão todas as menininhas no futuro. Crescemos, enquanto meninas, orientadas para atividades passivas, usando roupinhas que nos tolhem os movimentos, incentivadas a profissões calmas, tranquilas e que enfatizam o cuidado. E, com frequência, somos rotuladas de encrenqueiras, barraqueiras, impossíveis ou coisas ainda piores quando falamos sobre nossos desconfortos, quando não aceitamos sermos preteridas ou quando não somos ouvidas. Qualquer desvio dessa orientação social traz rótulos, ataques à autoestima, tentativas de desqualificação e, inclusive, muita violência moral, emocional e até mesmo física. Afinal de contas, “quem você pensa que é, mocinha?”.

Somos uma sociedade machista, racista, homofóbica, gordofóbica, etarista, capacitista e que nutre uma série de outros comportamentos de exclusão e discriminação. Tudo isso atribui às pessoas afetadas por esses comportamentos de ódio um sentimento de não serem boas o suficiente, serem secundárias, dispensáveis, inadequadas e desimportantes. O que faz com que tenham maiores chances de se sentirem impostoras, fraudes e enganações.

Ainda que não seja uma classificação diagnóstica, a Síndrome da Impostora pode potencializar problemas de saúde? Sim, em especial de saúde mental. E por que? Porque quem se sente assim tende a estar constantemente ansiosa frente à pressão de mostrar cada vez mais que sabe, que pode, que consegue, além de representar um fator de potencialização de sintomas depressivos. Afinal de contas, se a Síndrome da Impostora é sobre nunca se sentir suficiente, sentir-se uma fraude e desqualificada, isso tem um forte impacto sobre nossa autoestima e sobre a forma como nos vemos no mundo.

Como se comportam as mulheres que apresentam a Síndrome da Impostora? São mulheres que frequentemente associam suas conquistas a serem simpáticas, ou à sorte, ou ao julgamento equivocado de alguém. Desconfiam quando são elogiadas, tentam convencer quem as elogia ou reconhece suas habilidades de que não é bem assim, sentem-se insuficientes perto do que dizem delas e acreditam que a qualquer momento a verdade virá à tona – mesmo que a verdade seja que são hábeis, talentosas, competentes, responsáveis e inteligentes.

A forma como somos educadas, e como educamos, pode influenciar no aparecimento da Síndrome da Impostora? Sim. Pesquisas realizadas em diferentes lugares e épocas mostram que a chance de viver a Síndrome da Impostora é maior quando somos educadas por pessoas altamente exigentes, intransigentes, que exigem que tudo seja feito da maneira como querem, que não toleram divergências, agem de maneira autoritária e cerceiam as explorações e descobertas das crianças e adolescentes. Também são cuidadores que acham que tudo o que as crianças ou adolescentes fazem não faz mais do que sua obrigação e, portanto, têm dificuldade em elogiar ou reconhecer seus esforços, realizações e conquistas. Assim, uma tarefa de casa bem feita não é fruto do esforço, cuidado e dedicação dessa criança mas, sim, apenas sua obrigação e, portanto, não precisa ser reconhecida. É fácil compreender como essas crianças, tratadas dessa maneira autoritária e, por vezes, hostil, podem se tornar adultos inseguros sobre suas próprias capacidades, quando outro tipo de olhar não lhes é oferecido ao longo de seu desenvolvimento. Daí para acreditar que nada do que fazem é suficiente, que é apenas sua obrigação, que não são seres humanos dignos de elogio, é um pulo…

Como se já não fosse desconfortável o bastante, considerar-se uma impostora traz outras consequências às vidas das mulheres:

  • comportamentos de autossabotagem, como por exemplo protelar a entrega de um relatório ou material importante até que não se tenha mais tempo hábil à sua execução;
  • recusa de cargos ou convites profissionais relevantes, por medo de não dar conta;
  • adiar constantemente projetos em que suas habilidades e conhecimentos podem facilmente ser aplicados;
  • comparar-se frequentemente com outras pessoas, sempre no sentido de se depreciar;
  • evitar ter contato com outras pessoas do mesmo meio profissional, por medo da comparação;
  • achar que nada do que faz é suficiente ou bom;
  • excesso de autocrítica, que pode predispor a sintomas ansiosos;
  • entre outros comportamentos disfuncionais.

E sabem o que é pior? É que quando nos sentimos assim, abrimos as portas para que um outro tipo de pessoa se aproxime de nós, buscando validação: o IDIOTA CONFIANTE. Sei que parece um nome grosseiro demais, porém é exatamente assim que se chama. A Síndrome do Idiota Confiante, que recebe também o elaborado nome de Síndrome de Dunning-Kruger, é aquela presente em pessoas que, embora possuam parco ou nenhum conhecimento sobre determinado assunto, têm absoluta certeza de que sabem mais do que aqueles que, de fato, são especialistas. Achou familiar para os dias atuais? Pois é… Porém, embora esteja mais facilmente identificável nesses tempos obscurantistas e de perda total da noção, isso é antigo. E, sabemos: também tem uma marca de gênero, que pode ser facilmente vista em comportamentos de manterrupting e mansplaining, quando mulheres são interrompidas para que homens expliquem aquilo sobre o qual conhecem pouco, ou nada, quando comparado a elas.

O grande problema do efeito Dunning-Kruger vai além de ser algo chato e irritante: é perigoso, pois pode levar pessoas a tomarem decisões equivocadas que, mais do que prejudicar a si mesmas, prejudicam o coletivo. Isso além de contribuir para que as pessoas que realmente conhecem determinadas áreas sejam desqualificadas nas orientações assertivas que oferecem. Enquanto a Síndrome da Impostora foi primeiramente estudada por duas mulheres, a Síndrome de Dunning-Kruger teve sua investigação inicial realizada por dois homens: David Dunning e Justin Kruger, tendo sido seus resultados publicados no periódico científico Journal of Personality and Social Psychology há mais de 20 anos. De modo geral, esses estudos mostraram que pessoas com alto desempenho em atividades específicas tenderam a subestimar suas capacidades, ou a achar que teriam ido muito mal antes de saberem os resultados, enquanto aqueles que tiveram baixo desempenho nas mesmas atividades, tenderam a achar que haviam ido maravilhosamente bem. Ou seja: a chance de que onde exista um idiota confiante exista também alguém que sabe bastante sobre algo, se sentindo um impostor, é grande.

Um sinal bastante evidente da presença de idiotas confiantes é o que, em filosofia, chama-se falsa proclamação de vitória: quando aquele que sabe pouco ou nada sobre determinado assunto oferece respostas sem sentido, sem noção ou até mesmo tolas para uma questão levantada. Algo como: “Não tem que comprar feijão, compra fuzil”, entre tantos outros exemplos que podemos dar, e que dá a sensação àquele que responde de que sabe algo sobre o que está falando e venceu um debate, quando simplesmente não falou nada com nada e desconhece totalmente o assunto.

Como lidar com a Síndrome da Impostora e afastar idiotas confiantes? Primeiro, saber que essas coisas existem e podem estar prejudicando sua vida é realmente importante, porque há centenas de mulheres por aí sentindo-se dessa maneira e desqualificando a si mesmas sem sequer saberem que pode ser algo estrutural e não individual. Quando podemos nomear algo, é possível compreender suas origens e atacar seus efeitos. Quando inserimos esse algo numa perspectiva social e histórica, ainda mais. Ouça verdadeiramente quando alguém te elogia ou valoriza suas habilidades em determinadas áreas: pergunte, investigue, aceite o que está sendo dito. Procure baixar a crítica excessiva, o que se torna mais fácil quando estamos conscientes de nossas habilidades e limites. Entenda que é muito vantajoso para muita gente que as mulheres continuem a se sentir assim, é a manutenção de uma estrutura patriarcal que traz benefícios a uma parcela da sociedade, enquanto prejudica em muito a vida das mulheres. Esteja atenta para a forma como as crianças são educadas, afinal de contas, como vimos no início, as experiências vividas ao longo de nosso desenvolvimento podem favorecer o aparecimento do sentimento de impostora. E, em especial: se imponha quando necessário. Não aceite a subalternização que fortalece idiotas confiantes. Você sabe o que está dizendo, eles não.

Lembre-se sempre que enquanto houver mulheres se sentindo impostoras, haverá um idiota confiante tentando tirar proveito e levar vantagem. Assumam os lugares que lhes cabem. Com força, sem medo, sem falsa modéstia. Os lugares que ocupamos hoje, enquanto mulheres, foram abertos a facão – e muitas vezes a sangue – por outras mulheres que vieram antes de nós. Nós também estamos abrindo novos caminhos para as mulheres que virão, hoje meninas. Não tenham medo de assumirem quem são. Somos e fim. Impostor é quem não permite que sejamos.

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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas diversas questões de suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia pelo Departamento de Psicologia e Educação da USP, Doutora em Ciências/Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Saúde Coletiva também pela Universidade Federal de Santa Catarina, com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.