“Mas é muito difícil, pra mim, dar um preço a esse trabalho… Não sei se vale, tenho medo das pessoas acharem muito”
Eis um pensamento extremamente comum entre mulheres, em todas as atividades e áreas de atuação. Perdi as contas de quantas mulheres já acolhi em mentoria que dizem ter uma dificuldade imensa de dar um preço e cobrar pelo seu trabalho, pelo serviço que prestam. Eu as entendo totalmente, já passei por isso também e por muito tempo esse padrão de comportamento dificultou em muito minha vida. Afinal de contas, sempre amei o que faço: escrever, ser consultora científica, analisar dados sobre a vida das mulheres e das crianças, produzir informação, popularizar a Ciência, cuidar de mulheres. “Como vou cobrar por algo que amo fazer?”, era um pensamento recorrente meu. Meu e de milhares de mulheres, fato.
Não pense você que esse pensamento é obra do acaso. Não mesmo. É algo cuidadosamente construído ao longo de muito tempo, quando o trabalho feito por uma mulher foi indissociavelmente atrelado ao amor. É a armadilha perfeita, porque dar preço ao “amor” é visto como indecente, imoral, desonesto. “Quanto você me ama?”, “Amo o equivalente a R$ 100,00”. Impensável. E contavam com isso… Amor e economia nunca dialogaram, dizem. Mentira. Isso só se aplica quando a predominância do trabalho valorizado é de um homem, no modelo masculino do pensamento econômico.
Certa vez, uma gestora de uma empresa me procurou para que eu desse uma palestra sobre a pandemia aos funcionários. O intuito era muito nobre: ela queria usar as informações científicas para bem orientá-los, para evitar o crescimento de fake news no grupo, para que pudessem repensar sua rotina e seus hábitos no início da quarentena com base em informações confiáveis. Ela me disse o seguinte:
– Ligia, valorizo muito a Ciência e gosto muito do seu trabalho, da forma como comunica. Eu procurei o fulano de tal (um outro cientista) mas o valor dele é muito alto, não tenho como arcar. Então pensei em te procurar, acho que a sua abordagem tem tudo a ver com nossos colaboradores.
Veja, ela nem percebeu o problema da fala. O valor dele é muito alto, então vou procurar outra pessoa pra ver se fica mais barato. Eu. Uma mulher.
Respondi:
– Olha, eu agradeço muito pelas palavras e por gostar do meu trabalho. Eu posso cobrar menos, sim. Posso cobrar metade do que ele cobrou. Mas pela metade do tempo de palestra. O que acha?
Ela riu, achando que era brincadeira, dizendo: “Mas vai dar o mesmo preço no final…”. Ao que respondi:
– Sim. Mas veja… Eu também sou uma cientista. E, na verdade, ele tem um doutorado. Eu tenho dois. Então esse valor, pela metade do tempo, torna mais viável pra você e não desvaloriza o meu trabalho. O que acha?
Ela agradeceu. E nunca mais me procurou. Na mesma semana, fechei uma outra palestra com outra empresa. O interesse dessa empresa era: fortalecer a saúde mental das mulheres mães que estavam em home office, levando informação e acolhimento a elas. Cobrei um valor abaixo do que pratico. Apenas por um motivo: porque eu quis. Porque valorizo quem valoriza mães. Elas não me pagaram o valor mínimo, pagaram o valor ideal. Sim, elas, gestoras. Para que a gente veja que há muitas diferenças inclusive entre nós mesmas.
Quando as mulheres me dizem que não conseguem dar um preço e cobrar pelo seu trabalho, eu peço para que lembrem de sua história e de tudo o que precisaram fazer, sendo mulheres num mundo machista e patriarcal, para serem profissionais aptas a fazerem o que fazem. Tivemos a mesma facilidade de acesso? Nosso trabalho é igualmente valorizado? Temos paridade salarial? Tivemos que fazer pausas devido a gestação, a filhos? Somos excluídas dos processos seletivos porque estamos grávidas – ou podemos ficar, apenas porque temos um útero? Sabemos as respostas.
Também as lembro que ninguém tem o direito de nos pedir para dar de graça aquilo que a despeito de toda a dificuldade de acesso conseguimos nos tornar boas em fazer. Converso sobre questões de gênero, mostro dados e artigos, usamos a Ciência a nosso favor, falo sobre a opressão do mundo capitalista e como podemos trabalhar sem ceder à selvageria mas, também, gerando as condições necessárias para nossa sobrevivência enquanto mulheres e mães. Isso sempre as surpreende: analisar racionalmente algo que passaram a vida inteira nos ensinando que era amor e que, portanto, não se cobra. Bem conveniente. Para quem? Não para nós.
Geralmente são mulheres que fazem trabalhos muito relevantes à coletividade e, ainda assim, se sentem enfraquecidas. Sempre mostro um outro lado pouco abordado: um trabalho é um trabalho e é sempre o trabalho da mulher o desvalorizado e visto como “amor”, portanto como sem necessidade de remuneração. E é triste ver que essa desvalorização acontece inclusive pelas próprias mulheres. Sempre, sem exceção, elas se fortalecem. E sempre, sem exceção, continuam a oferecer trabalhos gratuitos simultaneamente aos trabalhos remunerados, uma visão muito genuína que parece ter uma marca de gênero…
Um dos meios de permanência numa situação de violência é a vulnerabilidade financeira. Quando uma mulher não consegue arcar com os custos de sua sobrevivência, ela se torna refém nas mãos de pessoas por vezes (muitas vezes) não tão bem intencionadas.
Há possibilidades de caminhar nessa interface, criando um equilíbrio saudável.
A única coisa que não é possível é que o trabalho das mulheres continue a ser visto como “coisinha”, sempre passível de ser dado de graça. De graça não. “Por amor”.
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Parte do meu trabalho é apoiar mulheres nas mais diferentes questões das suas vidas: maternidade, educação sem violência, empoderamento, fortalecimento, carreira profissional, desenvolvimento científico. Sou Mestra em Psicobiologia pelo Departamento de Psicologia e Educação da USP, Doutora em Ciências/Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Saúde Coletiva também pela Universidade Federal de Santa Catarina, com foco na saúde das mulheres e das crianças. Se você precisa de apoio e orientação, mande um e-mail para ligia@cientistaqueviroumae.com.br que eu te explico como funciona a MENTORIA E APOIO MATERNO.