Então vamos falar mais um bocadinho sobre medicalização infantil.
Nunca é demais falar sobre isso. Afinal de contas, todos os dias há um bombardeio de informações disponíveis sobre como medicar as crianças, com o suposto discurso de “vamos evitar que elas sofram, pobrezinhas”.
Na semana passada, a Daniela Lacerda, de Belo Horizonte, que também é uma cientista que virou mãe e que chegou ao blog por indicação de uma prima que não vejo há muitos anos, a Cynthia, me enviou uma reportagem que saiu no maior jornal de Minas Gerais, o Estado de Minas.
Leia, compartilhe, envie para os amigos, leve à reunião de professores, à reunião de pais, imprima e dê de presente para aquele psiquiatra maluco ou para aquele psicólogo com problemas, indique a quem precisar.
Reserve um tempo e leia na íntegra.
Vale muito a pena.
A médica entrevistada, Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular da Unicamp, coincidentemente entrou em contato comigo há duas semanas, propondo a criação de um possível núcleo do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade aqui em Florianópolis e é claro que eu me interessei.
Em tempo: sabe o que tem me chocado mais do que a própria medicalização das crianças?
É ver como os adultos diagnosticados (apropriada ou indevidamente) se apegam a um diagnóstico; como atacam os que tentam esclarecer a população como se quisessem tirar deles um grande tesouro.
Estão achando que diagnóstico mal feito e indevido agrega valor?! Não, caros amigos, não agrega não! Por que tantos escondem que têm “síndrome do intestino irritável” enquanto outros se orgulham de ter essa ou aquela (pseudo)síndrome psiquiátrica, ainda que não tenham? Como bem disse o Xico Sá: “como se fossem álibis para quaisquer desgraças ou impossibilidades”. Ninguém mais fica triste, mas todos ficam deprimidos. Ninguém mais fica efusivo, mas todos se tornam maníacos. Ninguém mais se preocupa com a vida, está todo mundo ansioso. Ninguém mais é tímido, agora é fóbico social.
Psicólogos estão preocupados com o grande número de alunos que usam remédios em Belo Horizonte |
Estão prestes a estourar no Brasil as sequelas de um surto mundial silencioso que, aqui, tem tido como principais alvos crianças e adolescentes de classe média. Adultos também integram o grupo. Apontadas por muitos como o veneno da atualidade, mas aceitas por outros como solução mais acertada para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), as drogas da obediência assim conhecidos os medicamentos que têm co
mo princípio ativo o cloridrato de metilfenidato têm sido consumidas em larga escala no país e também em Belo Horizonte. Em 2006, a capital mineira registrava consumo quatro vezes maior que a média do Brasil, nação que tem o título de segundo maior consumidor mundial do psicotrópico e onde, só em 2009, cerca de 2 milhões de caixas das pílulas foram vendidos. A projeção feita por especialistas é de que, em 2012, esses números sejam muito mais altos.
Para piorar o cenário, não há consenso sobre o uso do medicamento entre a classe médica. Há os que o defendem, garantindo que os remédios cumprem sua função para quem sofre do transtorno; do outro lado, gente que teme o pior ao comparar os efeitos das doses aos da cocaína, alertando que meninos e meninas que usam a droga correm risco de vida. Diante do quadro, em que muitos médicos preocupados com o futuro da nova geração chegam a duvidar até mesmo da existência do TDHA distúrbio neurológico identificado, na maioria das vezes, na idade escolar, em crianças e adolescentes desatentos, agitados e com dificuldades de aprendizagem , o Estado de Minas publica a partir de hoje uma série de reportagens sobre o uso desenfreado das medicações, conhecidas comercialmente como Concerta e Ritalina.
Na capital mineira, elas têm se tornado moda em escolas tradicionais da cidade, preocupando psicólogos que dizem estar diante de um crescimento assombroso no número de alunos medicados. Polêmico, o assunto envolve a indústria farmacêutica, põe em xeque pesquisas científicas e divide a medicina. Não sem razão. Diante da bomba relógio prestes a explodir, laboratórios não divulgam dados de produção nem de vendas. Órgãos públicos, idem; restando ao Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos extrair da publicação de um instituto suíço, que mantém atualizados os dados do mercado farmacêutico brasileiro, assombrosos números que dão o sinal da fumaça.
De acordo com o instituto, em 2000 foram vendidas 71 mil caixas dos psicotrópicos no Brasil, passando para a marca de quase 2 milhões de caixas em 2009. Em São Paulo, onde as drogas são distribuídas via Sistema Único de Saúde (SUS), uma pesquisa de 2011 do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, composto por cerca de 40 entidades, mostrou que 154 municípios paulistanos compraram em 2005 cerca de 55 mil comprimidos da droga da obediência. Cinco anos depois, o consumo saltou para 946 mil, 17,2 vezes maior. A projeção para 2011 era de que a compra chegasse a 1.493.024 de doses.
Em Minas Gerais, contrariando a vontade de muitos psiquiatras, a medicação ainda não chegou ao SUS, o que configura, para muitos especialistas, a droga da vez da classe média, já que uma caixa, de acordo com a dosagem e variação no número de pílulas, custa entre R$ 20 e R$ 220. Um levantamento do Centro de Estudos de Medicamentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) feito com crianças diagnosticadas com TDAH em BH tem números considerados perigosos. O estudo, ainda em andamento, teve início em 2006 e naquele ano constatamos que a média de consumo da Ritalina em Belo Horizonte era quatro vezes maior que a média nacional e três vezes maior que a projeção calculada para o estado. É preocupante, alerta o coordenador do centro, Edson Perini.
O especialista diz que o consumo está concentrado nas regiões Centro-Sul e Leste da cidade. Percebemos o predomínio do uso pelo sexo masculino. Em geral, as prescrições estão dentro dos padrões de dosagem, mas encontramos algumas superdosagens, que não deveriam existir, alerta.
Pode ser o caso do pequeno M.A.G, de 9 anos. Aos 7, ao sofrer bullying na escola, desenvolveu um quadro de depressão e síndrome do pânico. Os médicos aconselharam os pais a dar Concerta ao garoto, que durante três meses sob o efeito da droga não dormia, ficou ansioso e perdeu o apetite. Aí receitaram, além da droga da obediência, antidepressivo e um remédio para abrir o apetite. Os pais recusaram. O que estão fazendo com as nossas crianças? Como estão sendo diagnosticados esses pacientes? E os remédios, como estão sendo prescritos? É algo que está sendo dado para a ansiedade dos pais, dos educadores e dos psiquiatras para responder às inquietações dos meninos. Alguém está preocupado com isso?, questiona Perini.
CORRENTE CONTRA
Causa insônia, cefaleia, alucinações, psicose e até casos de suicídio. Faz com que a criança fique quimicamente contida em si mesma, todos considerados sinais de toxicidade, indicando a retirada da droga. No sistema cardiovascular o remédio causa arritmia, taquicardia, hipertensão e parada cardíaca. O risco de morte súbita inexplicada em adolescentes é maior entre aqueles que tomam o remédio. Além disso, interfere no sistema endócrino, na secreção dos hormônios de crescimento e dos sexuais. É uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as mesmas reações adversas da cocaína e das anfetaminas, segundo médicos que não adotam o medicamento.
CORRENTE A FAVOR
A maioria dos pacientes tolera bem a medicação, que altera o organismo para que o cérebro funcione melhor. É como um par de óculos: corrige a maneira como a criança enxerga o mundo. Pacientes agitados, impulsivos, com dificuldades de aprendizagem, ao usarem o remédio, conseguem prestar mais atenção nas suas tarefas e aprendem com mais facilidade. O remédio é seguro e apresenta até 80% de eficácia. Mas deve ser sempre usado com acompanhamento médico e adequadamente prescrito, segundo seus adeptos.
CONCENTRAÇÃO POTENTE
A Ritalina e o Concerta (nomes comerciais dos remédios produzidos pela Janssen Cilag e Novartis, respectivamente) têm como princípio ativo o cloridrato de metilfenidato e são indicados para tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Ambos, prescritos para crianças acima de 6 anos, estimulam o sistema nervoso, deixando os pacientes mais concentrados para a aprendizagem, e facilitam a circulação da dopamina, neurotransmissor responsável por excitar o sistema nervoso central. A Ritalina surgiu em meados dos anos 1950 e está disponível em duas formas: a Ritalina de longa duração, que age no cérebro por oito horas; e a que age por quatro horas. O Concerta está no Brasil desde 2004 e tem atuação de 12 horas.
Ponto crítico
Esses medicamentos são tão vilões quanto parecem?
Maria Aparecida Affonso Moysés
doutora em medicina, professora titular de pediatria da Unicamp e membro fundadora do fórum de medicalização
SIM
O consumo exacerbado das drogas da obediência é o genocídio do futuro. Vivemos, sim, uma epidemia. A Ritalina e o Concerta são drogas derivadas da anfetamina e da cocaína. A medicação age aumentando a concentração de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer). Como o remédio age por algumas horas, quando o efeito passa, tudo que o usuário quer é ter aquele prazer de volta. Quem usa esse estimulante fica com a atenção focada. A criança só consegue fazer uma coisa de cada vez, por isso, fica quimicamente contida, não questiona nem desobedece. Cada vez mais os pais estão sendo desapropriados pelos profissionais da saúde e da educação de ver seus filhos e de ouvir o que eles querem dizer. Então, se ele está agitado, desatento, impulsivo, vamos dar um remédio para que fique calado e dopado? É mais fácil lidar com um problema médico a mudar o método de educação da criança. O TDAH pode ser o grito de socorro de uma criança que está vivendo um conflito em ambientes em torno dela. A pessoa que faz uso desse tipo de remédio tem de sete a 10 vezes mais chances de ter uma morte súbita inexplicada.
Arthur Kummer
doutor em neurociência e professor de psiquiatria infantil da Universidade Federal de Minas Gerais
NÃO
Os medicamentos não são tão feios quanto dizem. São medicações com maior índice de eficácia na medicina. Quem sofre do transtorno e faz uso deles tem de 70% a 80% de melhora no aprendizado. Nenhum outro medicamento traz essa porcentagem como resultado. Para as crianças em idade escolar, que sofrem do distúrbio, o tratamento medicamentoso é de segunda linha: a primeira seria a terapia comportamental, que conta com a participação dos pais. Mas o grande problema é que há poucos profissionais dessa área, assim, o remédio passa a ser a primeira opção. Os efeitos colaterais são bem tolerados pela maioria dos pacientes. Nunca houve uma morte em virtude das doses. É tão seguro que a Academia Americana de Pediatria dispensa o pedido de eletrocardiograma antes da prescrição. No início, o remédio pode alterar um pouco o sono e o apetite, mas os benefícios superam isso. Meninos da 3ª e 4ª séries, que não conseguiam ser alfabetizados, depois de medicados, em duas semanas, conseguiram aprender. Quem não se trata, no futuro terá nível educacional mais baixo, empregos piores e pode até se envolver com drogas.