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A inserção de um gene que pode silenciar a cópia extra do cromossomo 21 que causa a Síndrome de Down, segundo um estudo publicado em 17/7/2013 na revista Nature, partiu de uma excelente ideia. O método pode ajudar os pesquisadores a identificar os caminhos celulares por trás dos sintomas do transtorno, e então desenvolver tratamentos direcionados. Entretanto, contrariando o que tem sido divulgado na mídia, não é a cura da Síndrome de Down.
Não me causa estranheza ver tantas notícias a respeito desta publicação, ainda mais ao checar que o artigo foi enviado à revista em maio de 2012e aceito para publicação em junho deste ano. Um trabalho passar por revisão e análise crítica por tanto tempo nesta revista é um claro indicador do impacto de seus resultados e aplicações.
Jeanne Lawrence e sua equipe desenvolveram um método para simular o processo natural que silencia um dos dois cromossomos X transportados por todos os mamíferos do sexo feminino. Ambos os cromossomos contêm um gene chamado XIST (X INACTIVATION-SPECIFIC TRANSCRIPT), o qual, quando ativado, produz uma molécula de RNA que reveste a superfície de um cromossomo tal como um cobertor de bloqueio, impedindo outros genes de serem expressos. Nos mamíferos do sexo feminino, uma cópia do gene XIST é ativada – silenciando o cromossomo X em que ele reside.
E por que isto acontece?
Os machos possuem apenas um cromossomo X e, consequentemente, uma cópia dos genes nele situados. As fêmeas, com suas 2 unidades cromossômicas, possuem em cada uma de suas células 2 cópias de cada gene do cromossomo X. Ao inativar um de seus cromossomos X, através do gene XIST, há a compensação de dose. Por outro lado, os machos possuem o cromossomo Y, um pequeno cromossomo que contém, dentre outros, um gene crucial na complexa cascata de diferenciação sexua
l. Nesta linha de raciocínio, agora quem tem mais genes ativos seriam os machos, correto?
É aí que entra um ponto chave do funcionamento do gene XIST: ele não desliga o 2º cromossomo X inteiro nas fêmeas. Alguns genes escapam desta inativação e o resultado é que as fêmeas permanecem, para determinados genes do cromossomo X, com duas cópias ativas. Ao final, não há superdosagem de genes em nenhum dos sexos.
Numa definição simples, o termo síndrome refere-se a um conjunto bem definido de sinais e sintomas que caracterizam uma doença ou estado patológico. Esta é uma nomenclatura para o reconhecimento clínico de uma patologia, não necessariamente genética. Um exemplo é a síndrome de Estocolmo, um estado psicológico particular desenvolvido por algumas pessoas que são vítimas de sequestro. A Síndrome de Down é causada pela presença de 3 cópias do cromossomo 21, ao invés das 2 habituais. Não há diferença em relação ao sexo; homens e mulheres possuem 2 cópias deste cromossomo e, portanto, duas cópias de cada gene localizado no cromossomo 21. Logo, o mecanismo responsável pela Síndrome de Down é a superdosagem de genes, porque as 3 cópias de cada gene estão ativas, ou seja, ligadas.
A ideia dos pesquisadores foi a de, experimentalmente, desligar a 3ª cópia do cromossomo 21. A equipe de Lawrence inseriu o gene XIST em uma das três cópias do cromossomo 21, em células retiradas de uma pessoa com a síndrome. A equipe também inseriu um ‘interruptor’ genético que lhes permitiu ligar XIST dosando as células com o antibiótico doxiciclina visando bloquear a expressão de genes individuais ao longo do cromossoma 21 que potencialmente contribuem para os problemas globais do desenvolvimento que compõem a Síndrome de Down.
A ideia de desligar um cromossomo inteiro é extremamente interessante. Em estudos anteriores pesquisadores já haviam retirado o cromossomo extra em células de pessoas com Síndrome de Down usando um tipo diferente de modificação genética. Em ambos os casos, de retirada ou desligamento do cromossomo, os resultados foram experimentais, com células fora do corpo em funcionamento. Não há até o momento nenhuma estratégia segura de intervenção deste porte (retirar ou desligar um cromossomo específico de cada uma das 10 trilhões de células de um indivíduo).
Assim como ocorre naturalmente no cromossomo X das fêmeas de mamíferos, o gene XIST não inativa todos os genes do cromossomo, e não há por enquanto um controle sobre quais genes ele irá atuar, inativando-os. Quero chamar a atenção sobre o uso do gene XIST na inativação de cromossomos extra: ao ligar o gene XIST não há como certificar-se do bloqueio de toda a expressão de todos os genes no cromossomo extra, e isso pode atrapalhar os resultados experimentais.
Ainda assim, acreditamos que a abordagem poderia render novos tratamentos para a Síndrome de Down – e ser útil para o estudo de outras doenças cromossômicas, como a síndrome de Patau, um distúrbio do desenvolvimento causado por uma terceira cópia do cromossomo 13.
Debora A. Rodrigueiro, MSc, PhD
Bióloga Geneticista
Departamento de Morfologia e Patologia
da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP
*trechos ressaltados por Ligia Moreiras Sena – blog Cientista Que Virou Mãe
**Em tempo:
Quero enfatizar o seguinte: eu, se tivesse um filho ou uma filha com essa característica (e não estou isenta de ter, nem isso me atemoriza), jamais estaria buscando qualquer espécie de “cura”. Estaria, sim, buscando melhorias possíveis para sua vida. Não vejo a síndrome como doença. Vejo como uma característica genética como outras. A diferença é que essa traz, junto consigo, alguns fatores que podem comprometer a saúde de quem a tem quando não recebe o acolhimento e acompanhamento devidos e, apenas por isso, eu gostaria de acompanhar melhor as descobertas da ciência no que tange à sua base genética. No mais, quero reforçar minha postura de jamais encarar um indivíduo como portador de qualquer coisa mas, sempre, como uma pessoa plena e dotada de direitos e dignidade como todas. Tudo que proponha qualquer espécie de “cura” para características humanas (não doenças) não tem nem terá meu apoio jamais.