Quando se escolhe casar ou morar junto com alguém, não é costume pensar em separação. O comum é imaginar que aquele relacionamento será eterno, seja por condicionamento cultural do tipo histórias de fada, ou porque realmente o amor é tanto, que o que se quer é o “felizes para sempre”. Quando há filhos ou eles surgem na constância dessa relação, costumam significar mais um importante vínculo com o parceiro ou parceira.
Acontece que, de repente ou gradualmente, pode-se chegar a uma situação em que o divórcio é inevitável. A ideia aqui é ajudar a organizar os primeiros passos práticos para viabilizar esse processo, judicial ou extrajudicial (em cartório). Aqueles passos que seria bom você dar antes até de procurar sua advogada de confiança.
Em primeiro lugar, é fundamental organizar a cabeça. Ver o panorama por um ponto de vista “macro” e, por mais que vá doer, se dispor a entrar em contato com seus sentimentos a respeito. Nesse ponto, um processo terapêutico pode ajudar. E, preciso dizer: advogada/o não é terapeuta… É claro que pode rolar um choro no ombro, e não é que a/o profissional vá tratar você de modo frio, distante, impessoal. Só que advogada/o ajuda a organizar as questões de patrimônio e do direito e a terapia psicológica profissional pode ajudar a organizar o mundo dos sentimentos e emoções.
Para você se separar ou divorciar, ao menos uma das partes da relação precisa não querer mais estar casada. Se a parte que não quer mais é você, não espere ter certeza absoluta disso, porque talvez essa certeza aconteça em 100%. Mas você precisa ter seus parâmetros, para garantir a si mesma que não quer mais apostar nesse relacionamento. Porque todas as fases envolvidas nesse dissolver da relação são mais ou menos dolorosas, e uma certa dose de segurança na decisão ajuda bastante.
Tomada a decisão, você precisa se organizar e tomar providências práticas. As orientações que seguem abaixo são as que costumo dar a todas as minhas clientes que estão para se divorciar.
Listar o patrimônio do casal.
Patrimônio, lembre-se, é ativo e passivo. Ou seja: bens e dívidas. Se você casou depois de 1977, sem optar por nenhum regime diferente, ou se você vive em união estável (declarada formalmente ou não), o regime ainda é a comunhão parcial de bens. O que quer dizer que todos os bens e dívidas adquiridos na constância do casamento ou união (depois que casou no papel ou foi morar junto), são de propriedade e responsabilidade dos dois, 50% para cada um. Liste o patrimônio, bem por bem, busque os documentos que comprovam a existência e titularidade (quem é o dono) de cada um e se dê um tempo. Pode ser que você se lembre de algum bem que tenha deixado fora da lista, tipo um terreno no interior ou uma carteira de ações. Igualmente para dívidas. E lembre-se: bens herdados não entram no patrimônio comum, para o regime de comunhão parcial e para a união estável.
Circulou recentemente na rede social uma “notícia” de que o Supremo Tribunal Federal teria condicionado o direito a 50% do patrimônio constituído na constância da relação à comprovação do esforço feito para aquisição desse patrimônio. Não é lei e ainda não se trata de jurisprudência dominante e é muito provável que jamais o seja. Afinal, é bem difícil a prova de esforço “na aquisição do patrimônio” para uma mulher que fica em casa, cuida dos filhos, trabalha nos afazeres domésticos. Sabemos bem o que esse trabalhão 24 horas por dia durante 7 dias por semana significa e, por enquanto, a Justiça também pensa assim.
Mas e os bens adquiridos com, por exemplo, levantamento de Fundo de Garantia? A jurisprudência entende que os proventos advindos de ganhos salariais, se estiverem em pecúnia (dinheiro), não se comunicam e não entram na partilha. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência entendem que, a partir do momento que o saldo é revertido para a aquisição de um bem imóvel, por exemplo, este irá integrar o patrimônio comum do casal, já que foi adquirido em benefício e uso da entidade familiar. O resultado é que esse bem será partilhado na eventualidade do divórcio. Em termos práticos? Se o bem foi adquirido com indenização salarial, FGTS, etc., coloque-o na relação de bens a partilhar.
Fazer a planilha de gastos mensais com a casa e com os filhos.
Isso leva em consideração todos os gastos para a manutenção da casa, da vida na casa e da vida das crianças. Escola, uniformes, material escolar, transporte escolar, livros, convênio médico, passeios da escola, passeios nos fins de semana, almoços fora, presentes para amiguinhos, roupas, sapatos, corte de cabelo, clube, aulas de esportes ou música ou artes, ou qualquer outra atividade extra paga, gasolina ou valor do ônibus para as coisas das crianças, internet, colaboradores domésticos, IPTU, IPVA, água, luz, telefone fixo, parcelas de carro, etc. As despesas que abrangerem outras pessoas que moram na casa (como gasolina, água, Internet, por exemplo), devem ser calculadas para as crianças por divisão ou estimativa. Não se esqueça de que é preciso calcular isso por mês, então aquelas despesas eventualmente pagas por semestre ou outra periodicidade (como material de escola, por exemplo), devem ser calculadas de modo a saber quanto se gasta com elas por mês. Isso porque o valor dos alimentos costuma ser fixado mensalmente.
Planilha com seus gastos.
Todos os seus gastos pessoais devem estar nesta planilha. Não que você vá pedir isso de pensão, até porque, hoje em dia, a pensão não costuma ser concedida para quem tem profissão ou possa trabalhar para se manter. O máximo que se consegue, para pessoas relativamente jovens e que possam se recolocar no mercado de trabalho, mesmo que afastadas dele durante o casamento, é uma pensão provisória. Mas é muito, muito importante que você saiba quanto você custa. Antes de mais nada, é fundamental que você perceba em quanto montam seus gastos e, a partir daí, que você possa calcular de quanto precisa para sobreviver, quanto deverá ganhar trabalhando, do que pode abrir mão e do que não pode. Entre esses gastos, deve estar valor de convênio médico (se você utilizava sistema de saúde suplementar antes e não deseja optar pelo SUS), roupas para trabalho, gasolina (proporcional), cursos de formação como faculdade ou pós-graduação, a conta do celular e outros.
O que você quer quanto à guarda dos filhos, regime de visitas e outras disposições.
Como você imagina sua rotina depois de separada? Seu/sua ex poderia ver as crianças sempre, durante a semana, em qualquer momento? Poderia buscar as crianças na escola algumas vezes na semana? A guarda seria sua? Compartilhada? Ou dele/dela? Se a guarda fosse sua, você acha que duas noites na semana é muito ou pouco? Ou está ótimo e acha que um fim de semana a cada quinze dias também é legal? Como ficam datas familiares, tais como Natal, Ano Novo, aniversário das crianças, dos pais, dos avós? Você pretende morar na mesma cidade em que mora o/a ex? Se não, com quem as crianças vão morar? E as viagens, como ficam? O/a ex poderá viajar com as crianças? A partir de que idade? Algum(ns) de seu(s) filho(s) ainda mama? Em que horários? Em que imóvel você vai morar? Quanto o/a ex deverá pagar de alimentos para os filhos? Você teria condições de pagar alimentos, caso a guarda seja dele/dela? Você precisa de pensão? Pode ser provisória, até você se recolocar?
De preferência, escreva a situação em pormenores e em itens, aproximando-a o mais possível de seu ideal. Responda às perguntas: o que você quer e como você quer?
Lista de inegociáveis e lista de negociáveis.
Pegue uma folha de papel A4 e divida-a ao meio com um traço. Em cima da metade esquerda, escreva “Itens Inegociáveis”. Nesta área, escreva todas as coisas das quais você não abrirá mão de maneira alguma. Claro que essa parte da lista é a mais importante, porque será aquilo que sua advogada saberá que é intocável, que nisso o acordo não poderá tocar. Quer um exemplo? Viajar com seu filho pode ser inegociável, porque ele tem dois anos e ainda mama no peito. E é claro que não faz nenhum sentido desmamar a criança por conta da separação, uma vez que é uma situação temporária que poderá mudar quando seu filho desmamar. Outro exemplo? Você pode considerar inegociável retirar o valor do convênio médico das crianças e aí esse valor precisará constar no valor total da pensão de alimentos. Outro exemplo? Se vocês tiverem imóvel próprio, será que você toparia renunciar a ficar com a casa? Importante: os itens inegociáveis não devem ser em grande número, porque limitam a negociação, mas devem tratar de coisas das quais você não abre mão.
Do lado direito da folha A4, anote os “Itens Negociáveis”, que são aqueles que você deseja daquele jeito, mas que, em uma eventual negociação, poderia renunciar sem maiores problemas. Por exemplo: diante de uma disputa pela guarda, você preferiria renunciar à pensão provisória. Ou abre mão do período de dois anos de recebimento e, portanto, aceitaria apenas um ano de pensão. Ou deixar para lá o pagamento da escola, porque você está para ser chamada para trabalhar em uma escola e seus filhos vão estudar de graça. Entendeu o conceito? Os itens negociáveis são aqueles com os quais sua advogada saberá que poderá jogar para obter um bom acordo.
Pronto. As providências práticas estão aí e talvez agora você já tenha uma ideia melhor do panorama todo, do que você precisa, do que você quer e como quer. É hora de pensar na conversa com o/a parceiro/a, se uma prévia dessa conversa já não aconteceu. E talvez seja hora de sentar com sua advogada para mostrar tudo isso que você organizou.
Há ainda mais algumas dicas que considero importantes, como parte deste breve guia para você se encontrar na estrada pedregosa do divórcio.
Onde conversar com o/a parceiro/a?
Se ele/ela for de paz e o divórcio não for motivado por maiores hostilidades, pode ser em casa mesmo. Mas se houve agressões, verbais ou físicas, talvez seja preferível dar a notícia do divórcio em um lugar calmo, mas público. Algumas pessoas sugerem a presença de um terceiro, que possa mediar a conversa, inviabilizando a agressão. Esse terceiro pode ser um terapeuta, por exemplo, porque é complicado um amigo, que não tem experiência no assunto, mediar de modo eficiente uma situação tão difícil.
Quando conversar?
Isso vai depender das oportunidades, mas tome cuidado para não deixar a ansiedade vencer e acabar falando de qualquer jeito, no susto ou na raiva. Também não se deixe intimidar pelo medo da mudança… Isso pode adiar indefinidamente a situação.
Se ele/ela não quiser conversar sozinho/a com você e pedir um tempo para falar com o/a advogado dele/a, respeite.
Assim como você, a outra pessoa tem direito de contar com um profissional de confiança. Mas, novamente, não aguarde indefinidamente, porque algumas pessoas que não desejam a separação se utilizam desse estratagema para adiar por muito tempo.
Precisa de dois advogados? Pode ser só a minha advogada ou só o/a dele/a?
Para um divórcio amigável, não é necessário que cada parte tenha seu/sua advogado/a. A questão mais importante é que exista confiança e transparência. Assim, se ambas as partes confiarem o suficiente em um mesmo profissional, o divórcio pode ser assessorado apenas por ele/ela. Mas, atenção: se você suspeitar que aquele advogado, que é primo dele/a, pode não estar sendo transparente com você, pule fora e contrate sua advogada. Ficar sem graça pode acarretar um prejuízo bem maior do que romper a amizade com o primo do/a ex.
Vale a pena pagar por uma consulta com advogado/a, mesmo que a ideia de divórcio ainda não esteja madura?
É puxar a brasa para minha sardinha, mas eu acho que vale – se você tiver essa possibilidade. Adiar essa conversa, de cunho mais técnico, alimenta mitos e fantasmas, além de você poder se pautar por ideias erradas. Aquela tia que se desquitou em 1972 talvez não seja uma fonte tão atualizada…
Posso me divorciar direto? Ou ainda tenho que me separar antes?
Atualmente, com a emenda constitucional nº 66/2010, o casal pode, sempre acompanhado de advogado/a, requerer o divórcio a qualquer momento após o casamento, e sem a necessidade de testemunhas.
O divórcio pode ser feito em cartório (extrajudicial) ou em juízo. No cartório, onde o procedimento é mais rápido, caso haja filhos menores, será permitida a lavratura da escritura, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura. Se não for um divórcio consensual, ou seja, se não houver acordo, será necessário o divórcio por via judicial. Para a união estável, há a possibilidade de sua dissolução extrajudicial também, mas apenas caso no caso do pedido ser consensual e quando os conviventes não possuem filhos menores ou maiores incapazes, e, ainda, quando os conviventes concordam com os termos da separação (partilha de bens, eventual pensão alimentícia, guarda de filhos, etc.).
A culpa no divórcio.
De quem é a culpa do casamento não ter funcionado?
Comprovado um adultério, por exemplo, a parte que o cometeu poderá ver prejudicado um pedido seu de pensão. Entretanto, como já pacificou a jurisprudência, a questão do “culpado” não é levada em consideração na concessão do divórcio. É importante saber que a “culpa” no fim da relação é algo muito difícil de apurar, até porque se sabe que o relacionamento é via de mão dupla e muitos atos de violência psicológica, impossíveis de provar, podem estar por trás de alguma atitude mais desmedida. Assim, para a decretação do divórcio, a culpa não importa. (“Para a decretação do divórcio, desnecessária a apuração de culpa pelo insucesso da vida conjugal (Precedente do STJ)”. TJ-MG – Apelação Cível AC 10024113450712001 MG (TJ-MG)).
Sobre a guarda, a jurisprudência também tira a importância da culpa, pensando sempre no que é melhor para os filhos menores. (“Pode-se atribuir a guarda dos filhos ao cônjuge culpado, se esta for a solução que melhor atenda ao interesse deles”. TJ-MG – 100000031322710001 MG 1.0000.00.313227-1/000(1) (TJ-MG)).
Abandono do lar.
Aquele abandono do lar, como havia antigamente, onde a mulher que saísse de casa, mesmo sofrendo violência, perdia tudo (inclusive guarda dos filhos), não existe mais. Hoje, o abandono do lar é causa de dissolução do vínculo conjugal e fim. É regulado desse modo pelo artigo 1.573, do Código Civil de 2002. Para que não haja nenhum prejuízo para quem pretende sair de casa em definitivo, é necessário ajuizar a ação de divórcio em prazo não superior a 2 anos, sob pena de perder a propriedade do imóvel (se for próprio, obviamente) de forma integral. O dispositivo que assim prescreve é o art. 1.240-A do Código Civil. Para que ocorra essa perda, é preciso que a pessoa se afaste por mais de dois anos, que o imóvel possua até 250 m² e que a pessoa que ficou na posse do imóvel não tenha nenhum outro imóvel registrado em seu nome.
De quais documentos preciso?
Para dissolução de casamento formal, os documentos são:
– documentos pessoais (RGs e CPFs)
– comprovantes de residência
– certidão de casamento
– documento de pacto ante-nupcial, se houver (por exemplo, definindo o regime de bens diferentemente do padrão)
– certidões de nascimento de filhos
– documentos que comprovem patrimônio (certidões de imóveis, escrituras, direitos de posse sobre o imóvel, documentos de propriedade de veículos, comprovantes de dívidas, etc).
Para união estável, valem:
– certidão de casamento religioso
– contas correntes em conjunto
– certidão de nascimento dos filhos
– certidão de casamento no exterior
– fotografias em conjunto
– bilhetes
– escritura de imóveis em conjunto, etc.
Atenção para o fato de que somente a existência de um filho não caracteriza a união estável. A forma mais clara para se comprovar a união estável é mediante a declaração de união estável, estipulando todas as questões patrimoniais do casal. Mas se ela não existir, o tabelião fará, na mesma escritura pública, o reconhecimento e a dissolução da união estável.
Claro que não dá para esgotar o assunto neste pequeno guia, que pretende funcionar como um mapa bem simples, para que você se organize, saia da inércia e trabalhe em coisas concretas, que só irão te ajudar. Lembre-se de que para dissolver tanto o casamento quanto a união estável, é necessário o trabalho de um/a advogado/a. E busque por indicações, encontre alguém de confiança.
Essa é uma viagem árdua… Mas lembre-se sempre: um dia ela termina.
E você vai sair mais inteira lá do outro lado.
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